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Atlas: Índia

Guia prático de como viajar de trem na Índia

Durante quase 60 dias viajamos de trem pela Índia de norte a sul, leste a oeste. Nesse longo percurso por diferentes estados, nós pegamos, ao todo, 16 trens. Algumas viagens duraram uma hora, outras mais de vinte. Estivemos em diferentes classes e assentos. Corremos com mochilas e malas por várias estações. Depois de tudo isso, só posso dizer que viajar de trem na Índia pode ser a melhor e a pior ideia que você pode ter na vida. Depende de um pouco de planejamento e bastante sorte.  A gente pode ajudar um pouquinho na primeira parte.

Uns dados sobre trem na Índia

Veja bem, caro leitor, a Índia é a Índia. Isso significa que os trens (mas não todas as classes) sempre estarão cheios de pessoas que pagaram – ou não – por seus assentos. Que as estações de trem são sujas e cheias de mosquitos, pessoas e vacas amontoadas pelo chão.  Ou então atravessando os trilhos, mesmo com o trem se aproximando. Que as fezes das pessoas que usam o banheiro do trem irão diretamente para os trilhos. E que baratas e ratos poderão ser companhia de viagem.

As linhas de trem indianas circulam praticamente por todo o país e somam 65.000 quilômetros. O sistema tem 150 anos, carrega bilhões de passageiros por ano e opera com um prejuízo de cerca de 3,9 bilhões de dólares anualmente, segundo o The New York Times.

Isso tudo significa que viajar de trem na Índia é muito barato, mas também relativamente perigoso. São cerca de 15.000 mortos por ano, de acordo com o mesmo estudo. Boa parte dessas mortes é causada por conta das pessoas que teimam em atravessar a ferrovia. Outras, devido a descarrilamentos, batidas e gente caindo para fora do trem em movimento.

Estação de trem na Índia

Por outro lado, viajar de trem na Índia é bem mais confortável, rápido (e até mesmo seguro) que de ônibus. E bem mais barato do que de avião. Então esse é, apesar dos pesares, o principal transporte para quem se aventura pelo país. E para falar a verdade, não é  uma experiência ruim se você souber o que fazer. E, devo dizer também, quanto mais dinheiro você pagar, melhor.

Passo um: a reserva de lugares nos trens indianos

A reserva dos trens de longa distância abre com 120 dias de antecedência. Mas isso não impede que os tickets acabem rapidamente. Ou seja, não dá para simplesmente chegar lá e pegar um trem. É preciso reservar antes, bem antes. Nós passamos pelo perrengue de descobrir, por exemplo, que os trens para Ajanta Caves, um ponto turístico, estavam todos esgotados com dois meses de antecedência.

A reserva é toda computadorizada, o que facilita o processo. Você pode checar isso via Site Oficial do Governo Indiano, o IRCTC Indian Railways, (que em 2016 passou a aceitar cartões de crédito Visa e Master Card) ou via sites privados, como o Cleartrip e o Make my Trip – que te obrigam a fazer um registro no IRCTC de qualquer forma.

Para comprar a passagem daqui do Brasil, o sistema vai exigir um celular para confirmar seu cadastro. Na hora de preencher, escreva 0055 (o código do Brasil) antes de colocar o DDD e seu número. Exemplo: 0055-31-91234-5678.

Algumas dicas traduzidas do site Seat61: O pincode significa CEP. Tente preencher o seu, sem traços. Se não conseguir preencher o seu, coloque 123456 e coloque sua cidade e estado na caixa “other” e deixe os tópicos “select one” sem nenhuma seleção. Ao terminar, click em Submit Registration Form.

Depois cheque seu email, clique no link enviado e faça o login com o seu ID e senha. Uma vez logado, vão te pedir para verificar seu número de telefone e seu email.

Para verificar o celular, clique para receber o SMS OTP, que é um código de 6 dígitos que será enviado para o seu telefone.

Para o email, você clica para receber Email OTP, e também vai receber outro email com o código de 6 dígitos.

Importante: Depois do registro, na primeira tentativa de login, será solicitado que você pague uma taxa em torno de 100 rúpias (cerca de 5 reais) para cobrir o custo da mensagem de texto internacional.

Fora isso, na hora de fazer a reserva é preciso digitar o nome das cidades, a data e escolher a classe (vou falar sobre isso mais abaixo). Ah, um ponto importante: não necessariamente o nome da estação é o nome da cidade. E uma mesma cidade pode ter mais de uma estação. Então vale checar na internet qual é o código da estação e qual é a mais importante e perto de onde você vai ficar.

Exemplo: A principal estação de Delhi chama-se “New Delhi” ou simplesmente “Delhi”. As outras estações são Old Delhi, H.Nizamundin e Sarai Rohilla. Trens chegam e partem em todas essas, mas é preciso escolher uma na hora de comprar a passagem.

Available, RAC, WL e Tourist quota

Familia em um trem na Índia

 Cama cheia na Sleeper Class

Quando você for checar seu trem, é imprescindível olhar qual a disponibilidade de assentos na classe desejada (no link do site do governo, tem que clicar em “get availability” para fazer isso). Caso apareça “Available”, #todoscomemora! O assento desejado está disponível e é só reservar. Mas nem sempre é isso que acontece…

Se aparecer RAC ou WL, quer dizer que você depende do cancelamento de outras pessoas para viajar. No caso de RAC, quer dizer: Reservation Against Cancelation, ou “reserva contra cancelamento”. Ou seja, mesmo que ninguém cancele, você ainda pode pegar o trem. Você não necessariamente terá um cama, mas um assento em algum lugar aleatório para passar a viagem.

Depois das passagens RAC vem a Waiting List (WL), a lista de espera. As pessoas que estão na lista de espera ficam depois das com bilhete RAC. Nessa ordem, de acordo com os cancelamentos, que podem ocorrer até horas antes do trem partir, as pessoas são designadas para os assentos cancelados e têm seus tickets confirmados (CNF ou confirmed). É preciso confirmar seu status da reserva no site do governo ou checando seu número de reserva nos sites privados.

Confesso que nós nunca tivemos coragem de comprar passagem na lista de espera. Mas, segundo nos contaram, existem muitos cancelamentos, principalmente nas 24 horas antes do trem partir, quando muitas cotas para diferentes grupos são liberadas.

Por falar em cotas, uma boa opção para os desavisados ou que viajam de imprevisto é a Tourist Quota, ou Cota para Turistas. Um dia ou dois antes do trem sair, turistas estrangeiros podem tentar viajar em trens que estão cheios, mas ainda possuem assentos vagos na cota de turista.

Essa cota está disponível apenas para alguns trens e possui poucos assentos. Não é possível fazer reserva online – é preciso ir até a estação. Além disso, o pagamento tem que ser feito em dólar, libra ou rúpias indianas com certificado de que foram obtidas pela troca de uma moeda estrangeira. Um recibo de caixa eletrônico e o cartão internacional são suficientes.

Veja também: O código de ética nos trens de Mumbai

Viagem de trem Índia

Foto: GKarunakar, Wikimedia Commons

Passo dois: escolha a classe

Existem oito classes nos trens indianos, mas nem todas estão disponíveis em todos os trens, uma vez que eles variam de tipo. Obviamente as classes mudam de acordo com o preço e conforto. Todas as opções com AC (ar condicionado) são mais limpas e têm tomadas disponíveis para carregar celulares, computadores, etc. Além disso, nas opções AC com cama também são distribuidos travesseiro, lençóis, toalha e cobertores.

First AC (AC1)

A mais confortável e cara das classes. Possui seis camas, quatro numa cabine e duas em outra, que podem ser trancadas com porta. Algumas cabines possuem lavatórios. Seus companheiros de cabine vão ser indianos ricos ou  outros turistas, porque a AC1 custa o dobro do preço da AC2 e quase o mesmo valor de uma passagem de avião.

Não é possível especificar durante a reserva em qual cabine você estará pois somente próximo à data da viagem os assentos são designados pela Indian Railways. Essa classe não está disponível em todos os trens e os tickets acabam com muita facilidade.

Second AC (AC2)

Trem na Índia

Com quatro camas de um lado (duas superiores e duas inferiores) e duas camas laterais (uma superior e uma inferior) que podem ser fechadas com um cortina. Custa a metade do preço da AC1, e geralmente  está disponível na maioria dos trens de longa distância. É uma ótima opção para uma viagem bem tranquila.

Third AC (AC3)

A única diferença em relação à AC2 é que são seis camas na cabine central. Logo, neste tipo de cabine existe uma uma cama intermediária, entre a cama superior e a inferior, que pode ser feita e desfeita durante a viagem (em geral fica dobrada durante o dia para os passageiros poderem se sentar).

Por esse motivo, é um pouco mais cheia, mas nem por isso ruim. Continua sendo limpa e tendo benefícios como lençóis e tomadas. A dica é evitar pegar os assentos intermediários, que tem menos espaço. Essa em geral era a nossa escolha de classe para viajar.

AC Executive chair class

Opção encontrada em alguns trens diurnos entre cidades. Disposição como em um avião, com duas fileiras com assentos duplos e com ar condicionado.

AC Chair Car

São cinco assentos por fileira, com ar condicionado.

First Class

Tem a mesma disposição de camas que a AC1, mas sem o ar condicionado. É muito incomum e está para ser extinta em breve, além de ser bem menos agradável, limpa e confortável que as outras opções AC.

AC three tier (Economy)

Lançada em outubro de 2009 e presente em poucos trens, tem a mesma disposição da AC3, porém com uma cama extra na lateral, o que aumenta o número de passageiros no vagão e diminui o preço da passagem.

Sleeper Class

A classe mais comum, onde se encontram do mochileiro às famílias enormes, sempre com  muitas crianças. Em alguns trens mais de 10 vagões são destinados à essa classe. A disposição das camas é como na AC3. Porém, não tem lençóis, a janela é aberta e sem a cortina que isola as cabines.

A classe sleeper é em geral suja,  e durante dia e noite vendedores – e até pedintes – entram nos vagões. É muito comum estar mais cheia do que deveria e com várias pessoas sentadas no que era para ser o seu lugar.

É uma opção para quem quiser economizar e estiver ok em aceitar o pessoal no seu espaço (ou estiver disposto a expulsar gente da sua cama). Para viagens de curta distância é mais tranquilo, mas nós não recomendamos para viagens durante a noite. Enfim, depende do seu espirito de aventura e da sua necessidade de economia.

Second Seating (ou Chair Car)

Olha, eu definiria essa classe como o inferno na terra. Cheia, sem nenhum controle sobre as reservas, suja e meio assustadora, porque o pessoal entra pela janela com o trem em movimento. A disposição das cadeiras se assemelha com a AC Chair. É impressionantemente barata e não recomendável. Não vá nem por sua conta e risco.

Veja também: Histórias de viagens de trem pela Índia

Trem indiano lotado

Dicas finais para viajar de trem na Índia

Apesar da Índia ser um país seguro, ladrões existem em qualquer lugar, então mantenha suas coisas perto de você e sempre amarre sua mala, principalmente se estiver viajando em classe mais cheias.

Ao escolher seu assento (exceto na primeira classe, que não permite isso), dê preferência para as camas superiores (upper beds) porque elas não têm que ser dobradas (no caso da Sleeper e AC3) e em geral dão mais privacidade. Além disso, as camas laterais dão mais espaço de altura e são melhores para quem quer não ser incomodado, porque a cortina fecha a cama diretamente.

Os trens na Índia podem atrasar. Acontece, mas não necessariamente é comum. Nós por exemplo, só pegamos dois trens com atraso em 16 viagens.

No seu ticket  vem impresso o nome e número do trem, qual o vagão e o número da cama. Saber qual é o seu trem algumas vezes pode ser um desafio. Muitas estações possuem um painel eletrônico com o número do trem em qual a plataforma ele vai parar. Em outras, isso está escrito a mão em um papel qualquer.

O melhor a fazer em caso de dúvida é procurar o “Ticket Enquire” quando chegar na estação. Além disso, todos os trens possuem um quadrinho amarelo que tem escrito o número do trem e a rota, para você ter certeza que está embarcando no veículo certo. Mas não custa checar duas vezes.

Vai viajar? O seguro de viagem é obrigatório em dezenas de países e indispensável nas férias. Não fique desprotegido na Índia. Veja como conseguir o seguro com o melhor custo/benefício para o país – e com cupom de desconto.

*Imagem destacada: Enchant me, Wikimedia Commons 

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

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88 comentários sobre o texto “Guia prático de como viajar de trem na Índia

  1. Ola, uma dúvida
    Estou tentando reservar uma passagem pelo site da Indian railway, só que não aparece algum botão clicavel após mostrar que o horário e classe esta available
    Tem algum tutorial página a página?

  2. Luiza, legal seu Post, que experiência maravilhosa. Vou pra Índia em Março de 2019, mochileiro vou ficar 4 dias em Delhi, e, num desse dias ir para Agra (bate volta) sair cedinho e voltar a tarde quase noite.
    Gostaria de dicas, é uma viagem relativamente rápida e barata certo.

    Sem mais, Oswaldo

  3. Oii Luiza, tudo bem? Sempre acompanho seu blog e estou com uma dúvida. Estou tentando fazer o registro no site oficial pra comprar as passagens de trem, mas só aparece um erro dizendo algo assim “error country name”, não vai de jeito nenhum. Até baixar um aplicativo para mudar o IP e navegar de outro país, mas sem sucesso. Alguém já relatou esse problema ou você sabe como resolver? Muito obrigada

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