Poucas estratégias de marketing foram mais bem sucedidas do que a importação de cadáveres. No início do século 19, Paris lidava com a falta de cemitérios e com o risco de epidemias causadas pelos túmulos na área central da cidade. Para evitar o aumento da fila dos mortos em busca de tumbas, uma das soluções foi construir o cemitério de Père Lachaise, no 20th arrondissement. Ou seja, longe pra caramba, pelo menos naquela época.
O Père Lachaise foi inaugurado em 1804, alguns anos depois da Revolução Francesa e quando Napoleão governava o país. Lá não faltava espaço para os mortos. Só que ninguém queria ser enterrado ali. A distância do centro e o fato de não ser uma área indicada pela Igreja fez com que os primeiros meses do Père Lachaise fossem um tremendo fracasso. Até que alguém teve uma ideia: levar gente famosa para o novo cemitério. Quer dizer, gente morta famosa.
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Os restos mortais do Molière e do La Fontaine, mortos mais de 100 anos antes, foram desenterrados e levados ao Père Lachaise, tudo com muita divulgação, claro. Uma década mais tarde foi a vez de Pedro Abelardo e Heloísa de Paráclito. O famoso casal sacudiu a poeira dos ossos e se mudou, novamente dando o que falar na cidade. E, de repente, o Père Lachaise ficou pop. Afinal de contas, se gente rica e famosa estava enterrada ali e não se importava com a distância do centro, os outros, simples mortais, não deveriam se importar com isso também.
Mais de 200 anos depois, o Père Lachaise virou uma das principais atrações turísticas de Paris – por lá passam dois milhões de visitantes todos os anos, uma multidão que vai em busca de tumbas de pessoas famosas, que podem ser contadas nas centenas: Jim Morrison (1943-1971), Frédéric Chopin (1810-1849), Auguste Comte (1798-1857), Oscar Wilde (1854-1900), Édit Piaf (1915-1963), Marcel Proust (1871-1922), Allan Kardec (1804-1869), Honoré de Balzac (1799-1850), Georges Méliès (1861 – 1939)… vizinhança gente boa, né?
Se já é popular entre os turistas vivos, hoje a concorrência aperta mesmo é entre os mortos: muita gente quer ser enterrada no Père Lachaise, que já é a moradia final de cerca de um milhão de pessoas. Para entrar na eternidade ali, o morto precisa ter residência em Paris ou ter batido as botas na cidade, além, claro, de desembolsar uma boa quantia em dinheiro e encarar uma lista de espera.
Os túmulos mais famosos e as histórias do Père Lachaise
A morte fez de Victor Noir um cara famoso. E mulherengo. O jornalista morreu em 1870, ao levar um tiro durante uma briga com o príncipe Pierre Bonaparte. A morte causou comoção em Paris, mas não tanto quanto a estátua que foi colocada na tumba do jornalista. Essa aqui, ó:
Foto: Gaël Chardon, Creative Commons
A estátua de bronze mostra Victor Noir morto. A boca meio aberta e a cartola jogada ao lado do corpo ajudam a compor o cenário macabro, mas nada causou mais impacto na opinião pública do que a calça da estátua. Ou melhor, o monte abaixo da calça, que mostra uma ereção pós-morte e tornou Victor Noir uma lenda. Em busca de fertilidade, mulheres passaram a colocar uma flor no chapéu da estátua, beijá-la nos lábios e, não menos importante, dar um esfregadinha na genital da estátua, que a essa altura do campeonato já está até desgastada de tantos esfregões.
E essa não é a única história bizarra envolvendo as tumbas do Père Lachaise. A do Oscar Wilde, autor de O Retrato de Dorian Gray, também gera visitas mais, digamos, participativas. Virou costume das fãs beijar a tumba, deixando marcas de batom na pedra. Há alguns anos o túmulo estava coberto de marcas de batom, a ponto de um vidro ter sido instalado para evitar a prática.
Não que isso mude muita coisa – hoje as fãs beijam o vidro em frente à tumba e até mesmo sobem no túmulo ao lado para beijar a pedra acima do vidro. Fãs mais educados, por outro lado, preferem deixar mensagens carinhosas.
Talvez a única tumba que concorra com a do Oscar Wilde no número de peregrinos é a de Jim Morrison. Só que os fãs do vocalista do The Doors são bem mais barulhentos, a ponto do túmulo já ter sido encarado como um problema pela direção do cemitério e gerado reclamações por parte das famílias donas das tumbas ao redor.
Se muitos fãs só deixam mensagens de carinho, já houve ocasiões em que a polícia teve que tirá-los a força do cemitério. Em datas comemorativas, como o aniversário de morte do cantor, a segurança do Père Lachaise é reforçada.
Visita ao Père Lachaise
Estive no Père Lachaise em 2013, durante minha segunda passagem por Paris. Chegar lá é fácil: basta pegar o metrô e descer nas estações Père Lachaise ou Philippe Auguste. O cemitério fecha às 18h, mas é melhor chegar bem antes disso para conseguir ver alguma coisa, ou então o deslocamento pode ser inútil.
Na entrada principal é possível conseguir um mapa que indica onde estão as tumbas mais famosas. Com ele em mãos, desperte a Lara Croft que há em você e comece a caçar túmulos famosos. Em pouco mais de duas horas lá nós encontramos quase todos que queríamos, mas prepare-se para se perder, afinal a busca nem sempre é fácil.
Leia também: Como ficar preso num cemitério em Paris (na noite do ano novo)
Além das tumbas famosas, vale a pena prestar atenção nas obras de arte espalhadas por todo o cemitério, que é um dos maiores jardins de Paris. Só não deixe o clima calmo te enganar: o Père Lachaise também já viu a guerra. Em 1871, revolucionários da Comuna de Paris foram perseguidos e fizeram as tumbas do cemitério de trincheiras. Após uma luta violenta, 147 combatentes morreram ali, aumentando ainda mais o valor histórico do Père Lachaise.
Mas e aí, a visita vale a pena? Depende de você. Fãs (verdadeiros) das pessoas enterradas no Père Lachaise podem se emocionar e amantes de arte tumular também não terão do que reclamar. Se você não se encaixa nesses dois grupos, pode ser melhor investir seu tempo em outra atração de Paris, pelo menos no caso de uma primeira visita à cidade.
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Eu assisti ao filme “Em nome de Deus” do diretor: Clive Donner
Produção: Simon MacCorkindale, Andros Epaminondas, Susan George
Elenco: Derek de Lint; Kim Thomson; Denholm Elliott
Roteiro: Chris Bryant
No filme tem uma citação do cemitério na última frase. Eu fiquei emocionado com a história de amor e imaginei um dia ir lá.
Ao chegar eu comprei um bouquet para Heloise e deixei-o lá. Foi muito bacana conhecer. Fui em 2017 e 2018. Precisa muito de reformas, principalmente no túmulo de Abelardo e Heloise. Valeu muito pela reflexão que lugares como esse nós traz.
Só uma correcäo- Jim Morrison nasceu em 1943 . Também conheco o Pere Lachaise e tua matéria é ótima.
Tem razão, Cristine. Corrigido!
Abração!
Boa tarde Rafael!!! Adoooreiii o post!!! Estive em Paris em 2011 e como meu hotel (Campanille Bastille) ficava perto do Père Lachaise, fui à pé. Meu objetivo principal foi visitar o túmulo de Allan Kardec, pois sou espírita.Sempre há flores frescas nesta sepultura, e uma paz muito grande. O que não foi nada fácil, apesar de ter o mapa em mãos. Uma senhora moradora dos arredores ajudou-me, ela entendia bem o espanhol. Interessante a história do Victor Noir, eu não conhecia, e havia uma guia de turismo com um grupo, falava em francês, apontava e ria para a calça da estátua, kkkk. Graças à você, hoje fui entender o motivo, rsrs. Mas o cemitério é muito mais que túmulos, lindos os monumentos em homenagem aos aliados da 2ª guerra: belgas, poloneses, tchecos, etc: as plantas, árvores, flores. Recomendo!!!
Estive na sepultura do Kardec também, Marcolina. Está sempre cheia de flores mesmo.
Abraço e obrigado pelo relato. 🙂
Com todo respeito mas é lamentável a falta de conhecimento da palavra de Deus a bíblia. Que condena o espiritismo. E as pessoas que dizem ser espíritas dizem também respeitar a bíblia e adorar a Deus. Lamentável……
Oi, Sérgio. Tudo bem?
Também está na Bíblia: ame a teu próximo como a ti mesmo. E é impossível amar ao próximo sem respeitar a fé dele.
Abraço
Que postagem incrível…hoje estou lendo todas as postagens do 360 que combinam com hoje.
Eu iria para ver o tumulo de Chopin,vi no Google e achei lindo! Com certeza eu tirava uma foto para postar com legenda inspirada pela canção “I like chopin” do Gazebo.
haha! Que legal que você achou esse texto. Buscou no fundo do baú. 🙂
Abraço, Natália.
Olá! Boa noite!
Estive em Paris em 2013, visitei o Cemitério de Père Lachaise e adorei. Realmente vale apenas a visita.
Parabéns pelo blog.
Abs
Obrigado pelo comentário, Roque.
Abraço.
eu não acreditava em amor a primeira vista. não até conhecer o site de vocês. foi amor incondicional à primeira vista (no caso, lida). li várias postagens. e já firmei compromisso em voltar sempre até conseguir ler todas. enfim, parabens a vocês. a forma como vocês mostram, falam é incrível; parabens de novo!!
p.s. encontrei o site sem querer. mas bem dizem o que o amor acontece de repente, não mais que de repente. rs…
abraços!!!
Oi, Venilson.
Muito obrigado pelos elogios ao 360! =)
Seja bem-vindo aqui. E se precisar da gente já sabe: é só deixar um comentário.
Abraço.