O Código de Ética nos Trens em Mumbai

Para uma boa mineira como eu, trem é qualquer coisa. Para os indianos em Mumbai, trem é uma coisa bem complicada. E cheia. E perigosa. São três linhas de trem que cortam a cidade e cerca de 7.24 milhões de passageiros por dia. É a linha urbana com a maior densidade de passageiros do mundo. Em português comum, é cheio pra caramba. No horário de pico, um vagão que cabe 1800 pessoas carrega 7000.

Minha primeira visão do trem de Mumbai foi durante uma visita ao Victoria Terminus, conhecida também como Chhatrapati Shivaji Teminus, uma estação de trem bem bonita por fora e bem bagunçada por dentro. O amigo indiano nos alertou: “Não peguem esse trem, muita gente morre porque é muito cheio e eles caem do trem em movimento.”

Leia também: Como viajar de trem pela Índia

Foi quando eu reparei que não existem portas nos trens de Mumbai. A galera viaja não apenas amontoada dentro do trem, mas também com metade do corpo para fora do vão da porta. No jornal The Times of India saiu uma matéria falando que, respectivamente, 734 e 675 pessoas morreram caindo do trem em 2010 e 2011.

O que acontece dentro do trem em Mumbai

E foi sabendo dessas promissoras condições de segurança e bem estar que eu topei cruzar a cidade em um desses trens. Era isso ou pagar 40 vezes mais e demorar uma hora para chegar ao destino de táxi, no transito caótico. O Rafa desistiu na hora que o trem chegou e foi de táxi mesmo. E sinceramente, ninguém pode julgá-lo.

Mas o que tenho a meu favor é que existem quatro tipos diferentes de vagões. Eles vão do incrivelmente terrível ao razoavelmente aceitável. O vagão que o Rafa recusou era o incrivelmente terrível, que é a segunda classe masculina. O vagão que eu fui era só terrível, a segunda classe feminina. Lá, homens são proibidos. Descobri só depois que já tinha terminado a viagem que existe a primeira classe, também dividida entre feminina e masculina.

Para entrar no trem vale a lei da selva. Essa coisa de esperar quem está dentro sair para depois entrar não existe na Índia e jamais existirá, acredito. Na bagunça, minha amiga quase caiu e a outra perdeu o sapato. Eu quase fiquei para trás. Mas me aproveitei de meu pouco tamanho para cumprir meu único objetivo: ficar o mais distante do buraco da porta. Afinal, ok para a experiência antropologia. Já virar estatística, prefiro evitar.

Uma vez lá dentro, foi só ficar em pé no mar de gente, sem precisar me segurar em nada, na melhor filosofia Carnaval de Salvador: a multidão te leva. Felizmente, duas estações depois, muitas pessoas desceram e o vagão esvaziou. Ah, um detalhe interessante: como não tem porta, as pessoas não necessariamente esperam o trem parar. Começou a diminuir a velocidade e a galera pula para fora do trem em movimento. Viver perigosamente em Mumbai é um trem bem comum.

Com a cabine mais vazia, sobrou uma pontinha de assento para mim. Sentei e fiquei quietinha me perguntando por que diabos algumas meninas estavam com metade do corpo para fora na porta se o vagão estava meio vazio. Foi quando uma indiana começou a falar em hindi comigo. Até aí tudo bem, porque esse pessoal acha que eu sou indiana. Eu respondi, “English, please”. Ela fez uma cara de “que burra” e me perguntou em hindi alguma coisa, apontando para a cadeira.

Antes que eu pudesse responder, uma outra mocinha, também sentada, me falou em inglês que a outra queria saber em qual estação eu iria descer. Foi aí que eu comecei a entender o sistema. Todo mundo que entrava ia para perto das cadeiras e começava a perguntar a mesma coisa. Se a estação da pessoa sentada fosse antes da pessoa em pé, pronto, fechado o negócio, os assentos já ficavam organizados.

Ou seja, eu já estava errada de ter sentado sem ter negociado com ninguém. Mas me fiz de turista boba e só respondi para a mulher que me perguntou qual era a estação. Ela respondeu alguma coisa em hindi e acenou e a mocinha traduziu que eu tinha que ceder meu lugar para a outra, quando eu descesse.

Aí entrou uma velhinha. Dessas velhinhas encurvadas e com cara de cansada. Eu acenei que ela podia sentar no meu lugar, que eu iria em pé. Foi nessa hora que todas, eu repito TODAS as mulheres em minha volta me xingaram. A velhinha saiu de perto de mim como se eu tivesse algum problema. A mocinha tradutora teve que entrar em cena mais uma vez: “Ela vai negociar o lugar dela ali, não se preocupe”.

Esse é o código de ética nos trens de Mumbai. Não tem essa de idosas e grávidas têm preferência no assento. Senta-se aquela que alugou a cadeira com a assentada anterior. Agora não me perguntem como que funciona lá no lado masculino. O Rafa não teve coragem de entrar lá para contar a história. Sorte a dele, acho.

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*Foto destacada: topnews.in

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

Ver Comentários

  • adorei suas histórias.

    To indo pra India agora dia 01/04, fazer um curso de Yoga por 40 dias.
    E depois vou viajar pela India, e acho que farei de trem sim.

    Vou ler mais das suas dicas.

    Valeu!

  • Olá, Luíza! Meu nome é Juliana, moro em Mumbai e adorei sua descrição sobre os trens daqui! Olha, a 1a classe não muda muito da segunda, sendo que a muitas pessoas entram sem bilhete mesmo. Em horário de rush, as duas classes acabam sendo a mesma coisa. Tenho escrito várias informações sobre Mumbai e sobre a Índia no meu blog e, se alguém estiver pintando por aqui, pode conferir em: tabibitosoul.com

    Um abraço e ótimas viagens em 2015!

    • Oi Juliana,

      Obrigada pela informação. Dessa eu não sabia, ehhe

      Parabéns pelo seu blog. Lidas fotos!

      Abraço

  • E Luíza, que aventura, não? Que coisa de louco você querer ceder lugar às velhinhas e quase apanhar...Creio que em alguns casos, as coisas não são diferentes aqui o Brasil, pois tem muito jovem que não cede lugar aos mais velhos.
    Ainda bem que você não quis comer um queijo no trem....rsss,.
    Abraços

    • Oi Sérgio,

      Acho que é bem diferente mesmo, porque aqui no Brasil a gente tem uma lei que reserva os assentos para os idosos. Lá, funciona a lei de quem chegar primeiro. hehehe

      abs

  • Luiza, tudo bem?

    Estou indo para a Índia semana que vem, e gostaria de saber como posso ir de lá para a Thailandia.

    Sabe me dizer, por favor, se existe a possibilidade de ir pegando trens, ônibus? Ou só aviao mesmo ?

    Obrigado!

    • Oi Henrique,

      Sinceramente não recomendo que você faça outro caminho além de avião. A Air Asia costuma ter ótimos preços.

      Ônibus você vai correr risco de vida por estradas bem ruins. Outro jeito que você pode tentar é ir de barco, saindo de Chenai, mas não sei se isso é factível.

      Abraço

  • Nossa a hitoria do trem é maravilhosa, eu também nao pretendo virar estatistica, mas seguramente vou a Mumbai e vou andar de trem...e na segunda classe...se eles sobrevivem...por que eu saindo ai do brasil nao resistiria...que bom q vc foi!

    • Não sei se você é homem ou mulher, mas se for homem, te sugiro não ir de segunda classe... eles também sobrevivem tomando a água do Ganges, nem por isso você tem que beber, rs!

      Foram isso, boa sorte na Índia, Mumbai é bem legal e interessante.

  • oi meninos, tô passando pra dizer que o blog está ótimo! já me choquei diversas vezes com as histórias que vcs contam... as fotos do tumblr também são lindas!
    beijos e boa sorte!

  • Thanks dear! Your face in that photo expresses exactly how we felt in that train... at least it was a good story.

  • Just seeing the pictures makes my stomach lurch and reading the story makes me fear for my life all over again. Great write up!

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Publicado por
Luiza Antunes

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