Crônicas de uma viagem à mão inglesa

Não sabíamos como fazer para entrar no carro. Éramos cinco e muitas malas tentando caber no veículo mais barato da loja. Por fim, com bagagem na altura da cabeça e espremida no banco de trás, começamos a viagem que saiu da porta do nosso hotel em Auckland e seguiu rumo à cidade vulcânica de Rotorua.

No dia anterior, tínhamos concluído que alugar um carro na Nova Zelândia era mesmo a maneira mais barata de viajar por lá. Além dos preços serem muito em conta, o país não exige carteira internacional de habilitação. A brasileira mesmo serve. O problema era só um: quem iria se voluntariar a dirigir na mão inglesa. Do nosso grupo, duas pessoas não tinham carteira (incluindo eu), uma tinha, mas não estava com ela na viagem e uma tirou carteira aos 18 anos e nunca mais pegou num volante. Sobrava apenas uma, que estava morrendo de medo de dirigir tudo ao contrário.

– Tudo bem, ninguém vai te culpar se algo der errado.

– É, mas se for bater, bate em outro carro. Se você bater em um poste a gente paga mais caro, porque o seguro não cobre.

– Tudo bem, o cartão de crédito que demos lá na loja não é seu mesmo.

Esses foram alguns dos argumentos que convenceram a nossa motorista, além do fato de termos conferido à outra pessoa habilitada o cargo de motorista reserva. O próximo passo foi pesquisar entre as inúmeras lojas de aluguel de carro nas proximidades da Queen’s St. e encontrar a que melhor se adequava ao nosso bolso.

Assim que botamos o pé na estrada, percebemos que tínhamos feito a escolha certa. A Nova Zelândia é um país para se conhecer por terra. Pegar aviões é perder toda a beleza das estradas, que parecem um pouco pinturas ou fotografias de lugares que nunca pensamos que veríamos realmente. O contraste do céu azul, do sol de inverno, das pastagens, fazendas e casinhas que mais parecem de boneca me fizeram levar aquele velho clichê de “o que importa não é o destino, é o caminho” a sério. E olha que eu adoro estar nos lugares, mas costumo detestar o processo de chegar até eles.

De Rotorua, seguimos para o parque Tongariro. Vez ou outra, éramos surpreendidos com a pergunta vinda do lado direito do banco da frente: “Eu devo pegar a direita ou a esquerda mesmo?”. Segundos de silêncio, nossas mentes em confusão, tentando pegar a lógica de direção contrária à que estamos acostumados. Vez ou outra, nos surpreendíamos com carros na contramão, só para rapidamente percebemos que quem estava na contramão éramos nós mesmos. Mas em geral, pelo menos na minha percepção de passageira, nos saímos bem.

Já dentro do parque, quando estávamos certos de que os maiores perigos já tinham passado e depois de fazer duas conversões proibidas sem querer porque não conseguíamos entender a lógica que os seguidores da rainha usam para entrar em um posto de gasolina, protagonizamos uma cena que antes só tínhamos visto em filmes e séries de TV. Um carro de polícia surgiu do nada, escondido em algum lugar, e começou a andar atrás da gente, com as luzes ligadas. Será que deveríamos parar? Como no Brasil as blitzes são bem menos sutis, não sabíamos muito bem se os sinais luminosos eram pra gente.

Qualquer dúvida foi dissipada quando o carro da polícia emitiu um breve som de sirene. Paramos. Pânico. Será que fizemos alguma coisa errada? Não temos dinheiro para pagar multas! O policial se aproxima do carro. De onde vocês vocês são? Deixa eu ver sua habilitação? Quanto tempo vão ficar na Nova Zelândia? Todo mundo de cinto? Tudo certo, podem ir.

Alívio. Toda aventura tem um clímax e esse só não foi maior do que quando, de volta a Auckland e a três quarteirões do hotel, não acertamos em cheio o carro em um poste por apenas alguns centímetros. Não, dessa vez a culpa não foi da mão inglesa, mas da luz do sol poente, que nos cegou por completo. Teria sido um fim de história no mínimo irônico.

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na newsletter Migraciones e no Youtube. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Você encontra tudo isso e mais um pouco no meu Site Oficial.

Ver Comentários

  • Parabéns, menina! Se eu fosse mais jovem começaria a ser igual a você, no sentido de matar a curiosidade viajando pelo mundo aprendendo e ensinando.

  • Oi. Vou para Nova Zelândia no final do ano e estou super feliz por ter informações aqui! Obs. também vou alugar carro e estou super apreensiva com a mão inglesa.

  • Olá! Tenho lido em diversos sites q é necessário uma tradução da carteira de habilitação, feita por um tradutor credenciado...vcs precisaram desse documento?

    • Olá Rejane, não é necessário traduzir. Muita gente prefere fazer a carteira internacional por precaução, porque o guarda que te parar pode não saber do acordo entre os países e implicar com sua carteira em português, mas nós fomos parados por um e não tivemos problemas.

      Abraços

      • Obrigada Natália! Pretendo fazer a viagem em novembro e minha carteira vence em janeiro, por isso acho que não compensa tirar a internacional agora. Com certeza vou providenciar uma depois da renovação!!! Valeu!

  • Não é tão mais dificil, depois de um tempo acostuma, mas que dá um medinho e a gente estranha ao fazer as curvas no início isso dá!

    Já dirigimos na Africa do Sul que tb é mão inglesa e foi tudo OK. Ajudou muito o fato dos motoristas serem muito educados e cautelosos, tanto na estrada quanto na cidade. O trânsito de todas as cidades por onde passamos era tranquilo, e tudo bem sinalizado. É uma experiência bacana.

    • O fato das estradas serem bem sinalizadas e os motoristas educados tbm ajudou na NZ. Eu não dirijo, mas só deu um pouco de medo na hora que entramos sem querer na contramão.

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Natália Becattini

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