Hoje vou confessar uma coisa que provavelmente muitos dos nossos leitores não imaginam: a equipe do 360meridianos é barraqueira. Tal como nos consideramos viajantes profissionais, também somos barraqueiros profissionais. Felizmente, gastamos essa energia lutando pela justiça e não entre nós. Caso contrário, este blog nem existiria mais.
Este post é um convite à imersão na arte do barraco. Sim, caro leitor e cara leitora, queremos que você também desça das tamancas quando for necessário. E te garanto que numa viagem, eventualmente, isso acontecerá.
Uma coisa que a Índia me ensinou foi que tenho que escolher pelo que lutar. E não, não é porque lá é uma terra espiritualizada e voltada para a resistência pacífica. Na realidade, a Índia é uma terra de constante teste de paciência: em 99,9% do tempo vai ter alguma coisa ou alguém para te incomodar e te fazer ter vontade de rodar a baiana. Mas não dá para rodar a baiana 99,9% do tempo, porque isso gasta muita energia.
Então, é preciso avaliar por quais motivos você vai brigar. Por exemplo, problemas no restaurante, como a comida que demora ou conta que veio errada não são motivos para barraco: uma reclamação simples e educada costuma resolver bem o problema. Aliás, acho que em praticamente todos os casos essa é a primeira alternativa para tentar resolver qualquer questão. Mas se depois de umas três reclamações educadas nada for resolvido, aí é hora de chutar o pau, mas sem perder a classe, porque…
Existem barracos e barracos. Um bom barraqueiro até consegue vencer pelo grito, mas sem ameaçar ninguém – como diriam os manifestantes: sem violência.
A verdade é que levantar a voz às vezes já é sinal de falta de educação. Mas o que fazer quando a funcionária da companhia aérea só dá um jeito de respeitar os seus direitos e resolver o problema quando você grita, chora e se descabela? Ou se alguém está tentando te passar a perna? Numa viagem (ou na vida) existem vários momentos em que a forma de garantir seus direitos é mostrando que você realmente se importa com eles – isso, eventualmente, passa por um quê de destempero.
Gente passiva demais me incomoda. Entrou alguém furando fila na sua frente…. “Ah, deixa, ignora”. Estamos todos incomodados com a postura do guia da agência de turismo…”Ah, mas vai reclamar para quê? Não vai mudar nada”.
Foi graças a esse pensamento que nós ficamos 12 horas num ônibus sem ar-condicionado, que fedia a coco e ainda por cima exibia (no looping) o filme Guerra ao Terror na maior altura. As únicas pessoas que pediram para o ar ser ligado e o filme desligado foram eu e o Rafa. Todos os europeus a nossa volta estavam tão incomodados quanto a gente, mas não quiseram reclamar e deixaram como estava. Ou seja, um inferno.
A verdade é que pensar no coletivo também significa reclamar pelo coletivo.
Eu acho que a hora de partir pro barraco é quando vejo que a pessoa, na cara de pau, está tentando me enganar, roubar ou algo do tipo. Ou quando passam do limite do bom senso com atitudes machistas ou preconceituosas, por exemplo. E claro, com gente folgada demais – pena que eu não conheço a tradução de folgado para o inglês.
Na Índia, nós sofríamos muito com o assédio masculino indesejável. O tempo todo os caras, em geral grupos de homens jovens, tiravam fotos com o celular escondido ou vinham andando atrás da gente, nos cercando. Desagradável e desrespeitoso – e, na Índia, isso também é crime. Pra gente, a única solução nesse caso era um bom barraco. Já ameaçamos jogar celulares e câmeras longe. Já tomamos celular das mãos dos fotógrafos para apagar as fotos. Incontáveis vezes fizemos escândalo e chamamos alguma autoridade.
A fila da discórdia em Roma
Certa vez, na Itália, um guia turístico dos Estados Unidos, muito folgado, parou uma fila enorme de turistas para fazer o grupo dele passar sem fila. O coitado do funcionário da catraca ficou sem saber o que fazer e acabou deixando o cara cometer esse absurdo. Como gente que fura fila não merece perdão, nós começamos a reclamar e até que contagiamos alguns europeus que estavam revoltados, mas calados, a reclamar também. O resultado? Quem barracou conseguiu passar por outra entrada. Os demais ficaram esperando o folgado fura-fila.
Já na Nova Zelândia, o dono do hostel cobrou 10 dólares a mais de cada um de nós (éramos um grupo de cinco). Quando a gente conferiu a conta, reclamamos muito educadamente, porque achamos que foi um erro dele – e todo mundo erra. Sabe o que o folgado respondeu? “Ah, só 10 dólares de cada um não vai fazer diferença para vocês. Não quero refazer a conta não!” O jeito, claro, foi rodar a baiana de novo. Quem merece?
Só de contar esses casos meu sangue já ferve. Infelizmente, não vivemos num mundo em que as pessoas sempre respeitam os direitos e os espaços das outras. Então, quando falha o diálogo, o bom senso alheio e nem uma série de reclamações bem educadas funcionam, junte-se a nós e desça das tamancas. Afinal, não tem nada de errado em lutar pelos seus direitos.
E aos barraqueiros de plantão, contem aí para a gente seu caso de barraco viajante na caixa de comentários.
Crédito imagem destacada:Chiltepinster/Wikimedia Commons
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Oi, Luiza! Acho que um bom termo para folgado em inglês seria "self-centred". Afinal, uma pessoa folgada nada mais é do que uma pessoa egoísta.
Adorei as histórias dos barracos, já passei por diversas situações parecidas e hoje em dia avalio quais valem o gasto de energia e quais não.
Oi Angela,
Self-centred até funciona em alguns casos, mas não é a mesma coisa do que tascar um "ô folgado", porque os significados são meio diferentes hahaha
Adorei a matéria. Na Itália, exceto no norte, em todos os lugares na Toscana, Roma etc, em restaurantes, lanchonetes, mercearias sempre nos roubavam na conta. (Deviam pensar que mulher de mais de 50 anos, não sabe fazer contas) Um saco ter que reclamar toda vez. A partir da setima conta Já escrevia num papel o valor, antes deles apresentatem o total.
Meu maior barraco foi com a empresa de ônibus que faz o trajeto da minha cidade até a cidade dos meus pais. Eles oferecem uns 6 horários por dia para a cidade dos meus pais, mas somente um deles é ônibus direto. Esse ônibus direto nunca era respeitado. Sempre que possível os motoristas paravam nas cidades que tem no caminho. Hoje em dia eles fazem o trajeto corretamente, mas já chamei a polícia para poder resolver essa situação.
hahaha eu tenho uma amiga que é a barraqueira que sempre chama a polícia. Pode ser por assunto sério igual o seu, ou assunto mais besta (tipo uma vez ela chamou por conta de uma história de uma coxinha).
No aeroporto de Atenas, eu estava esperando o check-in da Turkish abrir. Era a segunda da fila. Na minha frente, uma senhora japonesa. Na hora que abriu o guichê, descobri que ela era guis de excursão e estava na fila "representando" 40 passageiros. Argumentei, educadamente (eu tava uma fofa, na Grécia) que não seria razoável passar 40 pessoas na frente de quem estava disciplinadamente na fila. Ela respondeu que aquelas pessoas *estavam* na fila. Aí aflorou a baiana que eu sou: "Lady, no fucking way!!!". Bastou. Fiz check-in antes dela :)
Nossa, como eu odeio esses guias de excursão folgados. Na Itália uma vez, entrada do Forum Romano, um guia parou uma fila quilométrica que estava esperando há quase uma hora para entrar para passar o pessoal do ônibus dele na frente! Quem fez barraco, adivinha? Os brasileiros aqui! Xingamos muito e o cara do guichê nos deixou passar, mas ficou um monte de europeu lá quieto esperando ainda mais os 60 fura-fila...
Muito bom esse post!
Uma vez, por causa de uma informação errada passada pela telefonista da empresa, perdi meu ônibus para Muqui, no Espírito Santo.
Quando comprei a passagem pelo telefone ela informou que o ônibus pegaria passageiros em Niterói depois de sair da rodoviário do Rio, o que descobri faltando 30 minutos para o horário de embarque ser uma informação falsa.
Sem notar que quem deveria tomar providências para me ajudar seria a empresa, peguei um ônibus comum, desesperada de Niterói para o Rio. Cheguei lá e meu ônibus havia partido (e só saía um por noite para Muqui)
Quando percebi todo o absurdo, bati o pé, armei barraco, xinguei, gritei e só faltou chorar, até que decidiram me colocar num ônibus pra uma cidade vizinha e de lá o motorista me levou para meu destino.
Sou tímida e fazer isso foi bem marcante pra mim, mas valeu a pena kkkk
hahaha realmente, tem coisa que ou fazemos barraco ou não resolve!
Com o tempo a gente aprende que se não formos firmes algumas pessoas se acham no direito de passar por cima. Ai realmente não dá. O importante é mesmo depois de algo chato, não desanimar da viagem ou passeio. Bola pra frente e vida que segue!
Exatamente Santos. Não dá para passar a odiar um lugar ou estragar a viagem por conta de uma situação chata!
Esse post tá ótimo! HAHAHA Me identifiquei, tenho tantas histórias pra contar que poderia ficar aqui duas horas escrevendo, sou muito educada, mas tenta me fazer de otária pra ver...
;)
Adorei! E aprendi. Agora também vou usar a tática do "me leve pra delegacia". ;)
ahha, funciona viu!
Ah, que minha mae nao me escute, mas tb sou barraqueira. O mais recente foi em Buenos Aires. Meu marido e eu estavamos no Caminito e ficam os garcons assediando para voce almocar em algum daqueles restaurantes. COmo estavamos com fome e loucos para comer uma parrilha, aceitamos almocar em um dos restaurantes. O preco estava bom demais. Nao pagariamos couvert, 10%, entrada nem nada. Ok. Na hora da conta, adivinhem: estavam nos cobrando tudo. Comecamos a reclamar e o cara de pau do cara disse que nao tinha prometido nada. Odeio isso. Nos tinhamos mais dinheio, mas nao pagaria pelo simples fato de nao ser o combinado. Eles queriam chamar a policia. Dai nos chamamos. Eles queriam nos coagir com a policia. Dissemos que eles nos enganaram e que eles deveriam ser presos. Dai meu marido solta a perola: entao me prende, pq eu nao tenho mais dinheiro. O que aconteceu: nada!!! A poilicia falou que nao era motivo para nos prenderem. Mas esse eh o tipo de coisa que eu jamais faria na minha cidade, pois ficou todo mundo nos olhando. Passo vergonha, mas para tras nao me passam!!!
Abraco
tripsincriveis.blogspot.com
Adorei Cláudia! Tb passo vergonha, mas não me passam para trás!
Sou barraqueira quando precisa também. Uma vez, voltando do Rio, a empresa de ônibus enviou um veículo diferente do que era para ser enviado, e que estava apresentando defeitos. Resultado: depois de duas horas, o ônibus parou na estrada e ficamos mais duas horas esperando o ônibus substituto chegar. Por causa desses atrasos, minha chegada em Belo Horizonte, que estava prevista para o final da noite, aconteceu só de madrugada, num horário que eu não tinha mais ônibus para voltar para casa. Exigi que a empresa desse um jeito nisso, me pagasse um taxi até em casa ou minha estadia num hotel para que eu pudesse passar a noite, pois na rua da amargura era que eu não ia ficar! Depois de muita conversa, a história terminou com o motorista deixando os passageiros na rodoviária de BH e seguindo lindo para Ibirité, para me deixar em casa. E eu ainda levei comigo uma francesa que estava completamente perdida nessa confusão, coitada.
Ei Jênifer, saudades de você!
Adorei seu barraco. Não falei no post, mas em geral, empresas de transporte, aéreos e rodoviários, tratam os passageiros feito lixo, só porque eles não sabem exigir os próprios direitos! Espero que você tenha ensinado também para a francesa a arte do barraco, rs
bjs