Caçadores de botecos perfeitos: missão mundo

Não importa o quanto um país seja único, não me sinto em casa até achar um bar para chamar de meu. Em Madri, primeira parada da nossa viagem de volta ao mundo, a tarefa foi fácil: a capital espanhola tem tantos bares bacanas que o complicado é escolher o favorito. E, claro, a escolha varia de pessoa para pessoa, afinal boa parte do que faz um boteco fantástico vem dos frequentadores do local.

Belo-horizontinos que somos, crescemos (e aprendemos a beber) na capital mundial dos bares. Beagá tem 12 mil estabelecimentos desse tipo e até um dia municipal dos botecos, comemorado no terceiro sábado de maio. Com tantas opções, aprendemos desde cedo que bar é coisa séria, ambiente sagrado, onde todos têm liberdade de expressar sua opinião, mesmo que falando de forma desconexa e meio bêbada. Boteco bom é assim, uai.

Nossas raízes fazem com que iniciemos uma busca pelo boteco perfeito toda vez nos afastamos de BH. Em Madri, escolhemos como segunda casa a Cerveceria La Sureña, um lugar agitado, de gente jovem e onde a galera bebe em pé, pagando preços bem interessantes. Na época, pagamos dois euros por cinco cervejas long neck e menos de três euros por duas porções! Vai falar que não é um daqueles bares que te conquistam com no primeiro gole? Regra número um para achar o seu bar mundo afora: preços baixos são sempre importantes, aqui ou do outro lado do mundo.

Em Roma, nos hospedamos perto da estação Termini. Ou seja, no centro da cidade e longe de todas as atrações turísticas. Mas de cara descobri que nosso hotel ficava perto de um bar que vendia (é melhor você se sentar, caro leitor) uma garrafa de Birra Moretti de 600 ml por 1 euro! Eu já queria gritar habemus botecom, mas o bom senso feminino não topou beber no podrão perto da estação de trem. Por isso, passamos os dias seguintes procurando o nosso bar de Roma, enquanto fazíamos coisas menos importantes, tipo visitar o Coliseu e os monumentos da cidade antiga. Foi um encontro por acaso, enquanto caminhávamos pelo Trastevere, um bairro boêmio da cidade.

(Uma coisa importante: Os CBPs, ou Caçadores de Botecos Perfeitos, concordam que nem sempre é possível saber como o bar perfeito surgiu. É que muitas vezes o bar aparece do nada, sem aviso prévio, deixando os viajantes de bocas abertas. O que é ótimo, afinal ninguém bebe de boca fechada. Atenção: não confundir com alucinação de bêbado).

Foi isso que aconteceu conosco em Roma.

“Olha, que fonte bacana”, disse um.

“Que nada, legal mesmo é a fachada daquela casa, olha só!”, disso outro.

“Vocês não entendem de nada. Dá uma olhada na…”

E de repente o bar surge, sem aviso prévio, interrompendo a conversa. Fãs de Harry Potter diriam que se trata de uma chave de portal ou algo assim. Outros garantem que é uma falha na Matrix. Eu até acho que bares perfeitos curtem uma entrada cinematográfica, mas no melhor estilo Bollywood. Estão todos cuidando de suas vidas quando PUFFF, o bar surge no meio da cena e passa a dominar tudo que rola a parti dali. Resta aos figurantes dançarem ao redor do boteco, copos em punho. Regra número dois: você nunca sabe quando e onde o bar perfeito vai surgir. Fique atento.

Foi assim que o bar perfeito de Roma surgiu. Por isso, não faço ideia do nome, de onde fica e nem sei se um dia conseguirei achá-lo novamente. É por isso que todo caçador de bares perfeitos sabe que o dia que ele topar com o Boteco dos Botecos, o Rei de todos os bares, a perfeição em forma de copos de cerveja, o ideal é nunca mais sair de lá. Nunca.

Nós tínhamos 10 meses de viagem pela frente, então optamos por sair. Não sem antes tomar várias cervejas, bebermos ao lado de cidadãos romanos e mudarmos o padrão do bar para sempre, que naquela noite passou a servir pizza no palito (e não mais em fatias) por nossa causa. Não sei como anda essa moda lá agora, afinal a única pista que tenho desse bar é a foto abaixo.

Em Paris, terra de bistrôs, restaurantes e vinhos, foi complicado achar um bar com nossa cara. E olha que estávamos hospedados no Montmartre, um bairro boêmio da cidade. Foi só no último dia que encontramos esse boteco, outro que teve uma entrada triunfal e que certamente eu nunca mais vou encontrar – ele caiu no triângulo das bermudas dos bares celestiais.

Alguns CBPs dizem que quando alguém tenta anotar o nome e o endereço do bar, esse cara some para sempre. Tentar buscar a localização pelo GPS do celular pode ser pior ainda: há quem jure que o traidor é enviado direto para uma reunião dos Alcoólicos Anônimos. Regra número 3: os melhores bares perfeitos é que encontram os  CBPs, não o contrário.

Mas voltemos ao bar de Paris. A cerveja era barata, o ambiente legal, as pessoas solícitas. Não vendia comida, mas rolava de comprar alguma coisa na lanchonete ao lado e levar pra lá. Bar misterioso de Paris, sinto sua falta. Ainda mais desde que assisti ao filme Meia Noite em Paris, que me deu a certeza de ter divido o boteco com gente como Hemingway e o casal Fitzgerald. Aposto que eles vivem tentando nos encontrar de novo também.

Bares da Ásia: Missão quase impossível

Beber na Índia não é fácil. Acho que os bares perfeitos sabem disso, pois ficam bem longe de lá. Nossas poucas experiências na terra da vaca envolveram botecos lotados de homens, todos em choque pela quantidade de mulheres que bebiam com os estrangeiros. Na falta de um bar legal, transformávamos nossa casa numa festa interminável.

Por sorte, nem toda Ásia se comporta assim. Tivemos dificuldades de achar o bar ideal na Tailândia, em Hong Kong, na Malásia e em Cingapura, mas achamos no Nepal e na Indonésia. Em Katmandu, inclusive, são tantas opções de bares estupidamente baratos e com ambiente legal que CBPs costumam surtar.

Uma dica: se estiver no Nepal, procure o Thamel, um bairro da cidade. Acho que esse é o eldorado dos botecos, o lugar onde todos os bares se reúnem para tomar uma cerveja durante o happy hour, depois que os bares batem cartão e saem da firma. Ahhh, a poluição visual asiática, a cerveja Himalaia, os bares que servem porções de pipoca para quem enche a cara por lá. Sinto falta de vocês!

Choque cultural reverso: não há bares como os sul-americanos

Depois de nove meses do outro lado do mundo, desembarcamos no Chile. Foi um impacto. Na Ásia as coisas funcionam de forma diferente – raros são os casais que se tocam em público, por exemplo. Foi só chegar em Santiago para sentir o clima de azaração (locutor da Globo: mode on) que pairava no ar. E olha, sentimos falta disso.

Saudade de um continente onde se sentar numa cadeira de plástico e beber é sim um ótimo programa para uma noite de sexta, não importa seu sexo. De ver casais dançando ao lados das mesas, trôpegos, entre uma cerveja e outra. O Nepal pode até ser o paraíso dos bares perdidos; Madri pode até ser a Meca dos botecos, mas tenho uma certeza: o espirito botequeiro nasce aqui, na América do Sul. Principalmente em BH, claro.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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