Eu entendo o fascínio que sentimos pelos bichos. Queremos ficar próximos a eles, tocá-los, aprender como eles vivem, entender suas linguagens, dar e receber carinho. Eu também sinto tudo isso, em especial por animais mais inteligentes, como elefantes, baleias e golfinhos. No entanto, na ânsia de ter esses desejos atendidos, muitas vezes incentivamos e financiamos atividades que podem ser tudo, menos legais.
Eu não acredito, de verdade, que as pessoas que participam de certas atividades envolvendo animais sejam pessoas ruins. São, muitas vezes, ingênuas, desinformadas e até enganadas pelos discursos de marketing repetidos por organizações multimilionárias que só se importam com o bem estar animal até o limite de seus lucros. Acredito que se as pessoas parassem para refletir o que está por trás do uso de animais no turismo, jamais topariam alguns passeios. Muitas delas se recusariam a trocar poucos minutos de satisfação própria e algumas fotos no álbum por uma vida inteira de privações para esses bichos.
E é por isso que informação é uma arma poderosa. Eu já fui essa pessoa. Já montei em avestruzes, elefantes, visitei inúmeros aquários e tirei fotos com golfinhos. Foi só quando eu passei a refletir sobre os impactos e sobre sustentabilidade que algumas questões morais vieram à tona. E, a cada pesquisa sobre o assunto que faço, mais minhas antigas convições caem por terra.
Essa questão é complexa e cheia de variáveis econômicas, socais, éticas, ambientais e morais. Longe de querer dar um parecer final sobre o que você deve ou não fazer nas suas férias, minha intenção é oferecer reflexões para que possamos construir juntos um melhor entendimento sobre os impactos do uso de animais na indústria turística.
Os animais podem ser feridos em algum estágio do processo
Vamos começar do básico. Se, para desempenhar aquela atividade turística, o animal precise passar por agressões ou torturas, seja durante a etapa de treinamento, execução ou após as atividades, isso não pode ser legal, certo?
O caso típico é o treinamento aos quais os elefantes asiáticos são submetidos para permitirem que turistas montem neles. O processo, que já foi descrito neste post, envolve semanas de tortura de elefantes bebês, além de privação de sono e comida. O mesmo vale para situações em que os animais são obrigados a conviver com outros animais que os atacam com frequência, causando lesões ou risco de morte.
Os animais são expostos a cargas extenuantes de trabalho e condições precárias de vida
Animais de diversas espécies são expostos a sol e chuva e precisam dar conta de longas jornadas de trabalho, com pouco descanso, de forma que eles estão sempre exaustos. Os exemplos mais comuns são os burros, cavalos e camelos que trabalham altas horas por dia puxando charretes turísticas que levam quatro, cinco, seis pessoas; carregando toda a carga de mochileiros em certas trilhas ou levando pessoas nas costas por longas horas.
Muitas vezes, esses animais precisam transportar cargas maiores que o próprio peso. E como chamamos mesmo quem trabalha até a exaustão a troco de comida e água? Isso mesmo, escravos. Por que não pensar que existe também uma forma de escravidão animal que gera enorme sofrimento?
Os animais estão fazendo algo que não é natural ou que sirva a um fim humano
Alerta vermelho se o bicho estiver fazendo qualquer coisa que não seja da natureza dele. Isso pode ser desde o exemplo dos burros de carga citados acima até casos menos intricados em nossos cotidianos. Tigres e leões são animais selvagens, predadores. Se eles se deitam feito um gatinho no seu colo, algo de errado aconteceu em algum momento para que eles permitissem isso. Você imaginaria um elefante selvagem abaixando as costas para você?
Eu entendo – e aceito – o uso de animais para fins humanos em tribos nômades, comunidades esquimós e sociedades remotas. Mas fazer isso por uma foto para compartilhar no Facebook me parece fútil.
Os animais vivem enjaulados ou em compartimentos
“Ah, mas vê como eles são bem cuidados aqui! Têm comida farta, são saudáveis, parecem felizes!” Esse é um dos argumentos mais repetidos por turistas que se importam e querem justificar os motivos pelos quais determinada atração não é ruim para os animais. Eu também já proferi essas frases, realizando saltos de lógica necessários para que o nado com golfinhos se encaixasse dentro do meu sistema de valores. Eu tenho verdadeira fascinação por mamíferos aquáticos e essa foi a forma que eu encontrei de me enganar para saciar uma vontade egoísta.
Mas a verdade é que todo cativeiro é uma agressão. Mesmo que a jaula seja espaçosa e simule perfeitamente as condições ambientais nas quais o animal viveria. Eu só fui entender isso meses depois, quando finalmente assisti ao documentário Blackfish (é excelente, assistam!). Você se contentaria em viver trancafiado em uma mansão com as melhores instalações possíveis, recebendo alimentação de primeira, cuidados médicos e a companhia de seus captores? Nós nascemos para ser livres. Nosso espírito clama por liberdade – e também clama o espírito dos animais.
Por mais bem tratados que fôssemos em nosso cativeiro, jamais seríamos completos, pois estaríamos privados de algo inerente à nossa natureza. Imagine uma baleia, que tem o oceano inteiro como casa, ser condenada a viver em um tanque pelo resto da vida? Não são raros os casos de comportamento psicótico registrado nesses e em outros animais criados em cativeiro. E isso me lembra o casal de periquitos que eu ganhei quando era criança. Eu era doida para que eles tivessem filhotes, mas toda vez que a fêmea botava um ovo, ele era devorado na manhã seguinte. Pergunto-me se eles faziam isso por loucura ou depressão ou para impedir que seus filhos tivessem o mesmo destino cruel que eles, trancafiados em uma gaiola.
Há chance de os animais terem sido capturados ilegalmente ou comprados no mercado negro
Tente responder a uma pergunta sincera: de onde vieram esses animais? Frequentemente a resposta será uma das três alternativas abaixo:
a) Foram capturados ainda filhotes e retirados de seu habitat natural
b) Foram traficados e comprados no mercado negro
c) Nasceram em cativeiro e nunca conheceram a liberdade
Nenhuma dessas opções me soa legal.
Os guias usam de artifícios para atrair os animais para perto de você e do seu grupo
Taí algo que eu sempre achei que era inofensivo: mergulho com tubarões. Os bichos estão livres em seu próprio habitat, nós somos enjaulados e mergulhados para vê-los vivendo sua vida naturalmente. Que mal pode haver, certo? Mas não precisa ser nenhum gênio para saber que o tubarão não tá nem aí pra programação dos tours e não vai viver pensando que tem um compromisso com turistas às 15h.
O que eu não sabia é que, para garantir a presença da estrela do show e que o valor pago pelos turistas valha a pena, muitas agências que operam esse tipo de passeio jogam sangue e óleo de peixe na água. Eles acabam atraindo o animal, que busca comida, sem entregar o banquete que ele veio buscar e, dessa forma, desviando-o de seu percurso natural.
Esse impacto pode parecer pouco para você. Mas, agora, imagine uma localidade onde os mergulhos de tubarão são a grande atração, como a África do Sul, onde o majestoso tubarão branco costuma dar as caras. Estima-se que, nessas localidades, cerca de 5 mil humanos desçam às profundezas oceânicas por semana. Imagine quanto sangue e óleo foi despejado no oceano para satisfazer essa galera toda? Quem tiver interesse, esse artigo da National Geographic explica o problema.
Ao fazer snorkeling em Maragogi, o Rafa teve uma experiência semelhante. Próximo a ele, havia apenas alguns peixinhos bonitinhos. Quando ele se aproximou de um casal, percebeu que eles estavam rodeados por um cardume. Sem saber o porquê dessa preferência dos peixes, ele foi questionar o garçom em um restaurante. “Muitos guias jogam comida na água para garantir fotos bonitas aos clientes”, confessou o moço. “Se o Ibama pega, eles ficam anos sem poder trabalhar com isso. E, de vez em quando, ele pega”.
A instituição resgata animais traficados e maltratados e trabalha para reinseri-los na natureza
Visitar instituições que resgatam animais do mercado negro ou que tenham sofrido maus-tratos em algum tipo de atividade é uma forma de financiar iniciativas que trabalham para dar mais dignidade a esses bichos. Nem sempre, no entanto, os animais estão aptos a serem devolvidos para a natureza e vão passar o resto da vida ali.
Em geral, animais que nasceram em cativeiro ou que tiveram ferimentos muito graves, como mutilações, estão condenados a nunca conhecerem a liberdade. Sei que não é a situação ideal, mas temos que lembrar que esses animais saíram de uma situação horrível para uma melhor. É o caso dos refúgios de elefantes na Tailândia, como o Elephant Nature Park, que salva os simpáticos paquidermes de casos de exploração.
E se a instituição for séria mesmo, ela vai trabalhar para reinserir o maior número possível de bichos e, com alguma sorte, os filhotes desses animais maltratados terão uma vida bem melhor.
O lugar é uma área de proteção ambiental, um santuário ou um parque nacional
Esses lugares costumam ser uma boa forma de se colocar na presença dos animais, desde que seu papel seja apenas o de observador e que você não vá interferir na vida selvagem, seja dando comida ou com interações engraçadinhas. Safáris, programas de observação de vida marinha, mergulho, snorkel, observação de pássaros e trilhas são muitas vezes opções éticas se você se preocupa com o bem estar animal.
Além de serem áreas oficialmente protegidas e isoladas da atividade humana, elas ainda são importantíssimas na preservação da fauna e da flora locais. A presença de visitantes, desde que controlada e bem planejada, ajuda a manter esses lugares preservados e funcionais. Quem tiver interesse, leia essa reportagem do The Independent sobre safáris éticos e sustentáveis.
A instituição trabalha para evitar a extinção de uma ou mais espécies
Não é segredo para ninguém: nós, humanos, fizemos uma bagunça danada nesse planeta ao longo do nosso processo de desenvolvimento. Por nossa causa, espécies sumiram do mapa e muitas outras estão em vias de desaparecer. Por isso, nada mais justo que nós, humanos, trabalhemos para evitar que mais estragos sejam causados e que mais bichos encerrem seus ciclos de vida na Terra por nossa causa. Concordam?
Esse é o caso do Sichuan Giant Panda Sanctuaries, que abriga cerca de 30% da população de pandas gigantes do mundo. Há, no entanto, uma polêmica envolvendo essa questão. Para que os programas de conservação e reprodução existam, é preciso, muitas vezes, retirar alguns exemplares da espécie da natureza e movê-los para um cativeiro. Para complicar a equação, existem até mesmo zoológicos que desenvolvem um trabalho importante na preservação das espécies. Instituições que, no entanto, não são um bom exemplo de bem estar animal.
Alguns ativistas pelos direitos dos animais argumentam que esses programas não são capazes de manter um número grande o suficiente de indivíduos para promover uma variedade genética ampla, de forma a não causar problemas futuros para a espécie (da mesma forma como acontece com os cachorros de raça que aprofundam problemas de saúde por que os mesmos genes, com as mesmas características, são perpetuados continuamente entre os indivíduos).
Além disso, eles afirmam que, em casos em que os animais são raros e enfrentam dificuldades para se reproduzir em cativeiro, como os pandas, retirá-los da natureza para esse tipo de programa pode, na verdade, acabar resultando em uma diminuição da população e que retornar esses animais para a natureza é muito difícil. Por fim, muitos acreditam que os benefícios desses programas para as espécies como um todo não compensam o sofrimento individual causado aos animais pelo cativeiro. Eu confesso que não tenho uma opinião formada sobre isso. O que vocês acham?
O fator econômico
“Esses animais são um problema. Ninguém sabe o que fazer com eles”, disse uma amiga que me acompanhava por um passeio pelo Central Park, em Nova York, apontando para um espaço onde algumas charretes puxadas por cavalos estavam paradas. “Por quê?”, eu perguntei. “Porque eles trabalham muito, puxam um peso enorme e não têm locais apropriados para descanso. A prefeitura queria proibir os passeios, mas, além de acabar com o emprego dessas pessoas, há também a preocupação de quem vai cuidar dos cavalos quando não houver mais motivação econômica”.
A intenção desse tópico não é justificar a exploração de animais pelo viés econômico, mas sim incluir mais uma variável nessa questão complexa. Não há como querer resolver esse problema e ignorar que a utilização de animais no turismo representa uma importante fonte de sustento para diversas pessoas ao redor do mundo.
E eu nem estou falando de empresas multimilionárias, como a Seaworld. Estou falando do tailandês que, sei lá como, conseguiu uma cobra cascavel e ganha trocados para permitir que os turistas toquem e tirem fotos com ela. Estou falando dos moradores de Jaisalmer, na Índia, que não têm outro meio de vida a não ser levar turistas pelo deserto em cima de um camelo. Estou falando da velhinha andina que leva uma llama a um ponto de ônibus todos os dias e fica esperando que os turistas paguem 10 pesos por uma foto, ou que eles se interessem em comprar as esculturas de llama que ela faz, imaginem, com os pelos da própria llama.
Eu não consigo, de verdade, julgar essas pessoas ou achar que elas estão fazendo algo errado. Elas também constituem um elo fraco nessa cadeia toda. Meu problema é com as organizações que lucram com esse tipo de atividade, não com as pessoas que se viram como podem.
Mas, então, qual a saída? Empregos surgem e desaparecem todos os dias, modelos de negócio florescem e morrem em um piscar de olhos. E, ao que me parece, há um grande regente nessa orquestra: o consumidor. Enquanto houver quem pague por esse tipo de exploração, ela existirá.
Não adianta cobrar políticas públicas de proteção ambiental dos governos se a demanda por esse tipo de serviço ainda for alta. Se mudarmos a forma como viajamos (e vivemos) para uma perspectiva mais sustentável, a indústria turística vai se mover nessa direção. Quem não o fizer, vai ser naturalmente retirado do jogo.
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Seu artigo foi o grande divisor de águas para que eu tivesse certeza do tema que eu usaria para fazer minha iniciação científica. Obrigada por compartilhar dessas experiências!
Olá Carol,
Que incrível! Fico feliz que você vá se aprofundar nesse tema! É de extrema importância! E mais feliz ainda que tive um dedinho nessa decisão!
Um grande abraço!
Bom dia
Você saberia dizer se os parques Indalu, Knysna Elephant Park e Zorgfontein Eco & Wildlife Reserve na Garden Route na Africa do Sul utilizam tais métodos com elefantes e leões?
Obrigado
Bruno, não sei especificamente sobre esses parques, mas fico com o pé atrás quando você consegue chegar muito perto e interagir com leões, por exemplo. Não parece algo natural, não é? Enfim, eu li que os animais ali foram resgatados do cativeiro e não podem ser reinseridos na natureza, o que é um ponto positivo, por outro lado, mas não sei se eles são dopados de alguma forma… Se alguém nos comentários tiver mais informações sobre esse parque, agradeceria.
Sobre os elefantes, o Knysna me pareceu uma oportunidade ética. Eles eliminaram os tours em que os turistas subiam neles e agora a interação é mais natural, dando comida para os animais, que também são resgatados… Acho que a melhor forma de interagir com animais é observá-los livres na natureza, de longe, mas essas fazendas de resgate e recuperação (quando bem feitas) não me parecem anti-éticas.
No mais, gostaria de te parabenizar por procurar saber sobre os passeios antes de se comprometer! 🙂
Abraços!
Oi Natália!
Vc sabe dizer se há algum local de recuperação de elefantes na África do Sul que possua essa consciência com o trato com os animais? Pois já li que existem vários locais que se dizem “santuários de elefantes” mas que permitem que os turistas andem em cima deles, por exemplo.
Irei para a África esse ano e gostaria de conhecer um local de recuperação de animais, mas com consciência! Obrigada! Adorei o post!!
Bárbara, na áfrica do sul eu não conheço. Lá o recomendado são os safaris.
Abraços!