Eu estava numa van na Bulgária, cruzando o rio Danúbio em direção a Romênia. No veículo, eu era a única mulher, além do motorista e outros quatro viajantes. Eventualmente, um deles começou a conversar comigo, vinha de algum lugar do norte da Europa, queria saber o que eu estava achando dos países onde estive, enfim, uma conversa comum entre dois viajantes.
Outro cara entrou na conversa, começou a fazer perguntas mais pessoais, me senti incomodada. Quando chegamos em Bucareste, esse cara estranho começou a me perguntar onde eu estava hospedada. A cada resposta evasiva que eu dava, ele perguntava mais insistentemente. Por fim, consegui sair de perto dele. Dei umas voltas numa praça e quando entrei no metrô: lá estava ele. Mais uma vez, ele insistiu em saber meu hostel. Eu inventei um nome qualquer e pedi licença para ir ao banheiro. Fiquei enrolando lá até me sentir segura e seguir meu dia.
Meu hostel em Bucareste, afinal
Eu também lembro que na Grécia, em Meteora, eu estava hospedada num hotel fora do centro, nas montanhas. Era muito tranquilo, mas para chegar no restaurante mais próximo, tinha que passar por alguns caminhos escuros. Eu jantei no restaurante enquanto conversava com os garçons. Eu tinha almoçado por lá também e eles achavam curioso o fato de eu ser uma mulher viajando sozinha. E ainda vinda do Brasil, um lugar muito longe.
Enquanto eu ria e contava piadas para os garçons, percebi que alguém me observava. Um homem mais velho havia chegado no restaurante, sentado a duas mesas da minha, pedido uma bebida, e me encarava sem parar. Fiquei constrangida. Perdi o apetite. Terminei de comer rápido e depois pensei, meio em pânico. “Meu deus, esse cara vai ver qual o caminho eu farei para o hotel. Aquele caminho escuro e deserto.”
Eu acho que dei umas mil voltas na praça tentando descobrir outra forma de voltar para minha hospedagem sem passar na frente do cara. Por fim, sem sucesso, fiz meu caminho previsto, rezando para que nada acontecesse. Felizmente, dormi tranquila naquela noite.
Onde eu estava, no meio das montanhas
Não estou contando essas histórias para assustar ninguém. Pelo contrário, é para falar sobre medo. Diariamente recebo comentários de mulheres dizendo que têm medo de viajar sozinhas. Medo é o que as impede de seguir seus sonhos. E esse medo só aumenta quando lemos notícias como a das duas argentinas que foram assassinadas no Equador, na semana passada. O texto “Ontem me mataram” está circulando na internet nos últimos dias e a hashtag #viajosola bombando no Twitter.
A primeira coisa que me passou pela cabeça – além da profunda tristeza – foi por que tinha gente falando que essas meninas estavam viajando sozinhas. Como sozinhas, se elas estavam em dupla? A Escreva Lola Escreva fez um texto que resume bem meu sentimento ao ler essas notícias. Basicamente, se não tem um homem ao seu lado, parte da sociedade considera que você está sozinha, mesmo que esteja com uma amiga ou até mesmo com um grupo delas.
Eu não sei vocês, mas sei de histórias de grupos de amigas que foram importunadas em bares por “estarem sozinhas”. Ora, pelo visto não basta a companhia de outras mulheres. Eu escrevi um pouco sobre isso na época da Copa do Mundo e foi uma das poucas vezes que recebi comentários neste blog que me fizeram ter vontade de vomitar.
Além disso, só causa horror (apesar de não me causar surpresa) o fato de ter gente que acha que a culpa era das argentinas assassinadas, porque estavam num país diferente. Querer saber que roupa elas estavam usando ou se elas tinham bebido é uma forma bem babaca de dizer: ninguém mandou você sair de casa.
Eu tenho certeza que vai ter gente que vai ler as minhas histórias ali em cima e questionar por que eu peguei a van ou por que eu estava rindo com os garçons, chamando atenção para mim. Ninguém questionaria isso se a história fosse relatada pelo Rafa. Nós, mulheres, nos acostumamos a viver com um medo e uma culpa que nunca nenhum dos meus amigos homens, mesmo o mais empático deles, tem a menor noção do que será.
Mas a verdade é que os riscos relatados no texto, os medos que eu possa sentir numa viagem, eu também sinto em casa. Eu sinto em qualquer lugar. Diariamente, eu e praticamente todas as mulheres do mundo fazemos escolhas relativas à nossa segurança: “não vou entrar naquela rua, não vou usar essa roupa, não vou falar com essa pessoa, vou colocar a chave entre os dedos porque tem um cara cruzando a mesma rua à noite…” Mesmo dentro de casa, já vivi situações chatas com o cara da empresa de internet que veio consertar o modem. Ou seja, sentir medo e praticar cautela não são nenhuma novidade para uma mulher que habita este planeta Terra.
Infelizmente, o que aconteceu com a María José Coni e a Marina Menegazzo, acontece diariamente, em qualquer lugar do mundo, quando estamos longe ou perto de casa. Há uma epidemia de violência contra a mulher e estudos globais mostram que essa violência, em cerca de 50% dos casos, foi perpetuada por pessoas que a vítima conhecia. Mas não vai ser isso que vai me fazer viver numa bolha, nenhuma de nós. Já que não podemos deixar de ter medo por enquanto, precisamos aprender a viver com ele. Deixar de viver não é uma opção. E deixar de viver como quisermos, deixar de fazer o que quisermos e estar onde quisermos também não me parecem opções válidas.
Isso não significa ignorar os perigos da vida. Muito pelo contrário. Numa situação de perigo, talvez você só tenha a sua própria intuição para te salvar. Mas significa, de certa forma, lutar para mudar a sociedade e fazer as coisas que você ama ou sonha. Eu já disse e continuo repetindo: viajar sozinha é uma das experiências mais libertadoras e empoderadoras que se pode ter. Muito porque vivemos num mundo que constantemente nos diz que não deveríamos ser capazes de fazer isso, que não deveríamos ser felizes estando sozinhas, que nós não nos bastamos. São tantas cobranças sobre ser mulher que só o fato de poder fazer o que diabos der na sua telha, nem que seja por uma semana, é fantástico.
Mas voltando ao medo, o que fazer com ele? Identifique de onde vem o seu medo, descubra porque ele está te paralisando e veja se isso é racional ou não. Ter medo de estar sozinha, por exemplo, é uma coisa que você deve buscar superar, seja pesquisando relatos na internet (esse post do Viaje Sim reúne algumas blogueiras que falam sobre viajar sozinha), meditando, fazendo terapia, enfim, corra atrás disso.
E tem gente que tem medo de não ser capaz de ser virar sozinha: acredite, você é! Além disso, estar sozinha não é doença, talvez você conheça pessoas, talvez não. Mas o mundo não está esperando para te engolir, pelo contrário, no final das contas a gente descobre que há mais boas pessoas do que más.
Crédito: Ed Yourdon – CC BY-NC-SA 2.0 – Flickr
Já para as questões práticas eu diria para que você confie sempre na sua intuição e na sua agressividade. Se alguma coisa te incomodar, mesmo que pareça inofensiva, dê atenção a isso. Não tenha vergonha em ser mal educada ou inconveniente quando for necessário para sua segurança (leia essa entrevista, em inglês, que o Gavin de Becker, um especialista em violência, deu para a Lenna Dunham).
Sempre pesquise muito antes de ir: essas pesquisas vão te ajudar a saber onde é recomendável ou não ir e ainda vão te dar a confiança de saber o que está fazendo. E tenha um plano B, seja para dinheiro, para trajetos, para acomodação, emergências. Não é problema depender de alguém, mas dá segurança saber que você terá como se virar. Vale a pena dar uma lida também no texto que a Naty fez com algumas dicas legais (para qualquer sexo) para quem viaja só.
E, sei lá, feliz dia da mulher! Desejo muitas viagens, coragem e liberdade a todas vocês.
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Amei o texto!!! Tenho 18 anos e estou fazendo intercambio no Mexico, foi muito difícil vencer todas as barreiras pra chegar aqui e a sociedade aqui ainda consegue ser mais conservadora e machista que a brasileira, então por ser tão novinha escuto muita coisa e muita pergunta que incomoda, como o fato de ser mulher supostamente só me permitiria fazer intercambio depois da faculdade ou como meus pais tiveram a ousadia de me deixar viajar. Mas essa experiência é completamente libertadora, te faz ver que sim você pode se virar sozinha e em qualquer canto. Um abraço, amo o blog
Que sucesso Larissa!
Espero que você aproveite muito seu intercâmbio e não se irrite tanto com esses papos bestas que jogam para cima de vocÊ
bjs
Eu viajo sozinha a algum tempo e sempre tento entrar em contato com alguma menina que já fez a viagem ou que mora e pergunto sobre como é o lugar. Até hoje graças a Deus nunca tive problemas. A noite eu acho mais complicado e costumo não sair muito, fora isso foi tudo bem.
É uma boa dica Gisele.
Fazer contatos com outra meninas dá um pouco mais de segurança e outras perspectivas
Luíza, tudo bem?
Eu me identifiquei muito com o seu texto porque costumo viajar sozinha na grande maioria das vezes. Aliás, achei super relevante você tocar neste assunto considerando a data de ontem e o caso recente das turistas argentinas.
Eu também tenho um blog de viagens e enviei um e-mail para o contato do 360. Tem como você dar uma olhadinha depois?
Obrigada.
Abraços,
Mari.
Oi Mari,
Obrigada por comentar!
Nossa caixa de emails é meio caótica, mas já te respondi!
bjs
Muito bom , Lu querida! Vc sempre escreve pra emocionar. Adoro vc!
Ounnn fica meu abraço virtual Helô!
Te admiro demais
bjs
Massa o texto Luiza!
Usei seu texto e o “Ontem me mataram” pra fazer uma reflexão aqui serviço agora a tarde. Pessoal tá discutindo sobre até agora ;-)
Acho super válido mostrar o outro lado da moeda, quando na verdade, muitos se referem a este outro lado apenas para fazer piada.
Um abraço!
Fiquei mega curiosa para ouvir essa discussão
Eu era a rainha de gerar polêmica no escritório que trabalhava em São Paulo. Não dou conta de ficar calada
Sem falar quando vamos sozinhas a um consultório medico, de um médico! Já fui constrangida nessa circunstância... Em viagens solo, graças a Deus, até agora, nunca! Mas, já tive de lidar com o estranhamento, até mesmo de mulheres, por estar viajando só. Se precisar ser curta e grossa, sou!
É muito triste Cândida passar por essas situações. Mas seguimos vivendo e viajando, pelo menos
Texto libertador! Obrigada Luiza.
=D
Acabei de ler esse texto e achei libertador.
Em setembro do ano passado, resolvi que nas minhas férias do emprego, eu Erika, com meus 24 anos, iria fazer um intercâmbio. Iria viajar sozinha pela primeira vez.
Depois de muito pensar e repensar, coloquei meu medo de lado e resolvi realizar o meu sonho. Em julho embarco para Vancouver no Canadá e não poderia estar mais animada.
Continuo tendo medo? Sim. Minha mãe também está com medo? Sim. Mas preciso viver meu sonho, vou estudar inglês e passar um mês em uma cidade maravilhosa.
Obrigada por esse texto. Muito obrigada.
Que legal Erika! Muito sucesso e coragem na sua jornada. Tenho certeza que será uma experiência incrível.
bjs
Oi, Luiza, tudo bom?
Um post muito bom para o dia internacional da mulher.
Eu sempre viajo sozinha e acho uma experiência ótima. Recentemente fui para a Turquia e recebi muitas mensagens de amigos e famílias dizendo que eu devia repensar, que lá não era lugar de mulher ir sozinha, etc. Fui e fui muito bem recebida e tratada em todos os lugares. A hospitalidade do povo lá é incrível.
Uma coisa que eu tenho certeza é que o povo acha que "se tivesse em casa estudando nada tinha acontecido" mas no Brasil 70% das mulheres são estupradas por caras que elas conhecem e 50% são assassinadas por família. Então esse raciocínio não tem nem um pingo de verdade.
Agora, fiz mal em ler os comentários do post da copa depois que você avisou que davam vontade de vomitar. Desisti no terceiro, mas só falar que o post é muito bom.
Oi Júlia, tudo bom?
Obrigada por comentar!
Olha, se alguém fala esse argumento "se tivesse em casa estudando" perto de mim, eu acho que sou capaz de esganar a pessoa, rs. Nem tanto, mas certamente daria um xingão. Aff, fiquei irritada só de pensar...
Que texto! Hoje é dia de ler muitos como este, mas falar sobre a importância de viajarem sozinhas é especial depois do que aconteceu no Equador. Continuem viajando sempre!
obrigada por comentar Fábio