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Os lugares mais incríveis do mundo estão perto de casa

Por mais destinos incríveis que eu ainda tenha o privilégio de visitar, meus lugares favoritos sempre serão aqueles que já chamei de lar. E como nenhuma cidade é mais casa pra mim do que aquela onde nasci e vivi a maior parte da vida, é natural que Belo Horizonte concentre quase todos os itens da minha listinha de lugares preferidos.

Posso achar uma paisagem da Toscana inesquecível; posso nunca me esquecer de um pôr do sol num mirante cercado por montanhas nevadas; posso guardar determinada viagem como especial, mas nem por isso esses lugares serão mais importantes do que aqueles que estão emoldurados pela Serra do Curral. Começando pelo quintal da casa dos meus avós, onde cresci e de onde tenho a impressão de nunca ter saído totalmente, tal qual Borges, que percebeu nunca ter deixado a biblioteca do pai.

A casa da nossa infância, mesmo quando a vida adulta e as contas chegam, com problemas e desafios também, sempre tem um lugar especial em nossas memórias. Sobre isso, inclusive, cito um livro que li esses dias: o Menino no Espelho, do também belo-horizontino Fernando Sabino. Já adulto e vivendo no Rio, que há poucos anos tinha deixado de ser capital do país, Sabino revisita o casarão em que viveu com a família, que ficava próximo à Praça da Liberdade, e reconta histórias do sua infância numa BH dos anos 1920.

Foto: Shutterstock

Se eu fizesse o mesmo, além da casa dos meus avós paternos e de outros endereços que tive na Pampulha, morando com meu pai, um lugar sobre o qual escreveria seria a antiga casa dos meus avós maternos, na Avenida do Contorno. Me criei entre passagens pela Savassi, piscina no Ginástico e passeios pelo Parque das Mangabeiras. Hoje, ao passar pela porta daquela casa, que há muito deixou de ser moradia da família, é complicado segurar a onda de lembranças que se forma e desce o tobogã da Contorno junto comigo.

Além de quintais, salas, cozinhas e paredes que testemunharam o nascimento e o fim de famílias, lugares públicos, onde passamos momentos importantes da vida, também ganham um ar místico em nossas cabeças, mesmo que a gente não se dê conta disso. Até quando resolvemos fazer a vida a milhares de quilômetros de distância. Temos na gente um pouquinho que seja de alma de aves migratórias, que conhecem o caminho de casa sem saber como, que vez por outra voltam para as raízes em busca da própria essência.

Nesse sentido também tenho meus cantinhos favoritos: as ruas do bairro onde cresci, a Praça da Liberdade e, claro, o Independência, estádio onde aprendi a gostar de futebol. A comemorar vitórias, aceitar derrotas inacreditáveis, entender que tudo é transitório e que o futebol, no final das contas, é a mais importante das coisas menos importantes, embora ainda assim seja importante pra caralho.

Os vinte e poucos e os vinte e muitos trouxeram outros dois lugarzinhos especiais, ambos também em BH. Um deles é o Campus da UFMG, onde passei quase dez anos, entre ensino médio, faculdade e primeiro emprego. Até hoje mantenho minha conta no mesmo banco, no coração do campus, mesmo tendo agências bem mais perto de casa – digo que não fiz a mudança por preguiça, mas a verdade é que assim tenho motivos para, nem que seja uma vez por mês, revisitar um de meus lugares favoritos. Já a Rua Sapucaí, com seus bares, restaurantes e vista esmagadora de BH e onde morei por dois anos, é o lugar que mais recentemente ocupou uma posição na listinha de favoritos da vida.

Vista do meu antigo apartamento, na Rua Sapucaí, em Belo Horizonte

Bares também merecem ser citados. Do Maletta ao Stad Jever; da Pity ao Bar e Boi, passando ainda por um ou outro endereço no Floresta e no Santa Tereza. Entre uma cerveja e outra, vi a roda do mundo girar – e nem sempre isso foi consequência do excesso de bebida. Por mais que eu adore conhecer botecos novos quando estou viajando, em casa eu simplesmente não quero isso. Bar bom, nesse caso, envolve tradição, mesmo que o lugar, tirando as lentes benéficas da nostalgia, não tenha nada de muito especial.

Antigo Independência

É claro que ela, a nostalgia, tem um papel nisso tudo. Num texto sobre a morte de John Lennon, publicado uma semana depois do assassinato do beatle, García Márquez falou sobre o assunto. “Como acontece sempre, pensávamos naquela época que estávamos longe de sermos felizes e agora pensamos o contrário. É a cilada da nostalgia, que desloca os momentos amargos dos seus lugares e lhes pinta de outra cor, e lhes coloca de volta onde já não doem. Como nos retratos antigos, que parecem iluminados pelo resplendor ilusório da felicidade, e onde só conseguimos enxergar, surpresos, o quão jovens éramos na época em que éramos jovens.”

De todos os desafios que o mundo atual proporciona, com suas fronteiras diminuídas e quilometragem transformada em pó, uma, que mereceria livros e livros, ocorre não quando tropeçamos num lugar legal para visitar, mas em que percebemos que poderíamos muito bem morar. As cidades mais marcantes não são necessariamente as mais turísticas, bonitas ou famosas, mas as que sentimos que poderiam nos acolher, onde poderíamos construir uma vida cheia de raízes nostálgicas, o que não fazemos pelo simples fato de só termos uma vida para gastar.  Em outro livro, Fernando Sabino explicou bem a questão: “O diabo desta vida é que entre cem caminhos temos que escolher apenas um, e viver com a nostalgia dos outros noventa e nove”.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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