O México é muito mais que Cancún

Uma promoção inacreditável de passagens aéreas me levou para o México, mas antes disso o país nunca tinha ocupado lugar de destaque na minha listinha de destinos dos sonhos. Não que eu desgostaste da ideia de ir, claro, mas eu preferia muitos outros lugares, inclusive na América Latina. Bastou descer na Cidade do México para eu perceber o quão equivocado eu estava.

Não é por acaso que o México é um dos líderes no ranking de países que mais recebem turistas estrangeiros. Nas Américas, apenas os Estados Unidos estão na frente. O México recebe anualmente seis vezes mais turistas que o Brasil, número que indica um trabalho turístico muito mais bem feito nas atrações que o país tem a oferecer. Mais: só Cancún, principal balneário do país, recebe um número de turistas por ano muito parecido com os que entram no Brasil inteiro no mesmo período.

O irônico é que era justamente Cancún que fazia meu interesse por terras mexicanas diminuir. As águas de tom azul-caribe que banham a península de Iucatã são mesmo lindíssimas, mas nunca vi muito sentido em cruzar oceanos apenas para ver um oceano de outra cor. Com um litoral tão grande e diverso como o brasileiro, prefiro fazer o programa sombra, água de coco e espreguiçadeira por terras verde e amarelas.

Akumal, na Riviera Maya

 

E, sei lá por que, mas boa parte da divulgação turística do México voltada para brasileiros é focada em Cancún ou nas praias da Riviera Maya, região litorânea que começa em Puerto Morelos, passa por Playa del Carmen e termina em Punta Allen, bem ao sul da península. Todos sabemos do passado pré-colombiano do México, com astecas, maias e vários povos, mas por algum motivo é muito mais fácil achar conteúdo em português sobre as praias do caribe mexicano do que sobre ruínas pré-colombianas ou cidades coloniais.

Foram 17 dias no México, incluindo nesse período cinco noites no litoral, divididas entre Play del Carmen e Akumal, na Riviera Maya. Embora os dias por lá tenham sido incríveis, me arrisco a dizer que o melhor do México está no interior. Em cidades como San Cristóbal de las Casas, repleta de casarões coloniais, igrejas no alto de morros, mirantes, bares e restaurantes. Em San Cris comi minhas melhores refeições no México – e isso significa muito.

San Cristóbal de las Casas

E olha que nem deu tempo para fazer alguns dos passeios mais recomendados dessa parte do Chiapas – estado mexicano que está quase na fronteira com a Guatemala – tanto do ponto de vista de caber no roteiro quanto falando do clima mesmo, já que choveu. Não estive no Cañón del Sumidero, em que paredões ao longo do rio Grijalv chegam a alcançar mil metros de altura. Palenque, segundo amigos as ruínas pré-colombianas mais interessantes do país e que costumam ser visitadas a partir de San Cris (apesar da distância), também não entrou no roteiro.

Por outro lado, o tempo foi suficiente para irmos até San Juan Chamula, uma vila colada com San Cris e onde fiéis entram diariamente numa igreja católica, mas que só recebe padres para ocasiões muito específicas, como batizados. Lá dentro ocorrem rituais que não podem ser fotografados. E nem precisam: basta descrevê-los.

Veja também: Puebla, casarões coloniais e o melhor da comida mexicana

Comida mexicana: pratos típicos do país

Teotihuacán, no México: visita e história das ruínas

Sentada no chão da igreja e cercada por sua família, uma menina abraçava carinhosamente uma galinha. Mas a presença da ave, que seria sacrificada em instantes, não era o que mais chamava minha atenção. Eram as garrafas de Coca-Cola. Diversos altares improvisados se espalhavam pela igreja sem bancos, onde o chão estava coberto com folhas de pinheiro. Neles, a mesma cena se repetia: fiéis ajoelhados, sacrifícios de animais, milhares de velas e, no meio do altar, garrafas de refrigerante.

Depois do sacrifício vinha o gole, depois do gole vinham os arrotos sem fim, usados para espantar os maus espíritos. San Juan Chamula talvez seja a maior prova de que os povos pré-colombianos não estão restritos ao passado, que rituais, idiomas e a cultura maia de misturaram com aspectos da cultura dos conquistadores, resultando num sincretismo e modo de vida únicos no mundo.

Igreja de San Juan Chamula

De San Cris muitos turistas seguem para Oaxaca, cidade que tiramos do roteiro para que a viagem seguisse sem pressa, mas lá também há museus, igrejas, mercados, ruínas e atrações para viajante nenhum reclamar. E isso sem falar em Hierve el Agua, cascatas petrificadas que ficam acima de piscinas naturais e tem até 30 metros de altura. As cachoeiras de pedra se formaram há milhares de anos e ficam em San Lorenzo Albarradas, a 70 quilômetros de Oaxaca de Juárez, capital do estado de mesmo nome.

Puebla, por outro lado, é o tipo de lugar que valeria uma viagem inteira para o México por si só. Quarta maior cidade do país, Patrimônio da Humanidade, 2600 construções históricas, incluindo na conta duas dezenas de igrejas, alguns museus, prédios públicos e incontáveis casarões coloniais. E não dá para esquecer da Catedral, que já teve as maiores torres do Novo Mundo, e da Biblioteca Palafoxiana, que foi a primeira das Américas. Ou dos vulcões que cercam a cidade, como o Popocatépetl, e da vista incrível da cidade vizinha, Cholula, onde vulcão, templo católico e pirâmide pré-colombiana formam juntos um dos grandes cartões-postais do México.

Cholula (Foto:  Cristobal Garciaferro / Shutterstock)

Não bastasse tudo isso, Puebla é o coração gastronômico do México, terra natal de dois dos mais importantes pratos do país, o mole poblano e o chiles en nogada. O tipo de lugar que você vai para comer bem, caminhar por ruas de casinhas coloridas e ver a vida passar num dos bancos do Zócalo – e vai embora feliz mesmo sem fazer nada além disso.

De Puebla para a capital são apenas 2h30. E aí a coisa fica séria: estamos falando de uma das maiores metrópoles do mundo, uma cidade que já era gigante quando os espanhóis chegaram por ali. Conquistada em 1521, Tenochtitlan virou Cidade do México. O lago da capital dos astecas foi drenado e as pedras dos templos e palácios de Montezuma foram reutilizadas nas construções de Hernán Cortés.

Hoje, é difícil imaginar tudo que ocorreu onde agora há um misto de arranha-céus e prédios seculares. Por sorte Teotihuacan, cidade gigantesca que já estava em ruínas quando os astecas surgiram, também está por ali, a menos de uma hora da capital mexicana. E ainda há o Museu de Antropologia para contar um pouco mais dessa história.

Teotihuacan

Assim nasceu o México, da mistura entre as várias civilizações que passaram por ali. Coloque na conta ainda a Independência da Espanha, uma guerra com os Estados Unidos, em que o México perdeu parte significativa de seu território, uma invasão francesa, que terminou com o recém empossado imperador Maximiliano sendo tirado do poder pelo mexicanos, e várias revoltas, revoluções e movimentos, aquele tipo de coisa que faz da América Latina, digamos, latina.

O México é caos, comida, cultura. É um pouco de Europa e muito de América. É, afinal de contas, onde o Velho e o Novo Mundo se debateram, duelaram e se fundiram de forma mais marcante, o que está refletido em cada aspecto da vida no país. O México é tudo isso que falei aqui e muito mais – eu precisaria de bem mais que 17 dias para conhecer o país. Tudo bem. Já resolvi voltar. Até para as praias, que são sim lindíssimas.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

Ver Comentários

  • Eu visitei a Cidade do México este ano (finalmente) e voltei completamente apaixonada. Já está na minha agenda voltar pra ver mais do país.
    E, fracamente, achei a capital muito menos perigosa do que eu imaginava.
    Vou ficar esperando os posts sobre as demais localidades mexicanas pra montar meu próximo roteiro :)

    • Eu gostei muito da capital também, Cyntia! E no geral também achei seguro.

      Logo logo os outros posts aparecem por aqui.

      To invejando é essa sua viagem para a Guatemala. :)

  • O México é um dos meus sonhos, mas tenho um pouco de medo porque sou mulher e viajo sola. A fama de país perigoso é dura... Acho que pior do que o Brasil.

  • Ai, que ótimo o timing desse post <3 Ainda tenho um bom tempo de estrada antes de voltar pra o Brasil, mas já tou planejando as viagens do ano que vem hahah. A primeira delas seria pra o México, mas ontem antes de dormir tava pensando em talvez deixar pra depois... Esse texto me encheu de empolgação de novo; acho que o país vai continuar no roteiro :)

    • Pois é, o texto foi feito antes do terremoto. E que coisa horrível isso! Mas acho que não é o caso de mudar os planos mesmo não, ainda mais se a viagem não for por agora.

      Você vai adorar. :)

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Rafael Sette Câmara

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