A Alana F. M. K. Borges é psicóloga (CRP-10/03892) e trabalha com Orientação Psicológica Online para viajantes. Ela escreveu pra a gente este texto sobre como as experiências no exterior mudam a nossa vida. Para tirar dúvidas ou pedir orientações para ela, basta entrar em contato pelo link: https://zenklub.com.br/psicologos/alana-borges
A estudante saiu do Brasil dizendo que amava a cultura dos Estados Unidos, mas não estava preparada para as diferenças de hábitos da família que a recebeu no exterior. Ela foi morar no Texas, o segundo maior estado do país. E ficou chocada ao saber que seus hosts – sua família por alguns meses – tinham armas de fogo em casa. Some isso a outras diferenças culturais e o resultado foi que por pouco ela não comprou uma passagem de volta com apenas duas semanas de estadia.
Essa é só uma das muitas histórias semelhantes que já ouvi quando o assunto é viagem. Por mais independente e mente aberta que a gente se considere, ao nos depararmos com grandes mudanças, o tipo de coisa que um intercâmbio faz, é natural que outros lados de nossa personalidade venham à tona, muitas vezes até nos pegando de surpresa. Medos, aflições e comportamentos que nunca imaginamos ter frente a uma viagem de repente podem tomar conta da gente.
Enquanto psicóloga, atuei por um tempo em agências de intercâmbio realizando Orientação Socioeducacional e Psicológica a pessoas que estavam prestes a viver uma experiência no exterior. Os intercâmbios e destinos variavam: desde passar um mês estudando espanhol em um país da América Latina até passar um ano trabalhando como au pair (cuidador(a) de crianças) em um país da Europa. Independentemente do destino, do objetivo da viagem e da idade do(a) intercambista, uma característica sempre despontava em praticamente todos: a grande ansiedade pré-viagem.
Orientei pessoas nas mais diversas situações, tanto antes quanto após o embarque. Quando alguém decide vivenciar uma experiência em outro país, seja a turismo, trabalho, ou estudo, colocam-se na mesa os mais variados desejos e expectativas em relação a essa vivência. O viajante quer, obviamente, que tudo dê certo. E, à medida em que a data do embarque se aproxima, um mar de sentimentos conflituosos e inseguranças podem passar a dominar esse momento tão sonhado.
Pense em tudo o que pode dar errado na entrevista de imigração, as barreiras que o idioma traz, o lugar desconhecido e a possibilidade de se perder em determinados momentos, dentre muitas outras situações inesperadas. Quem realiza um intercâmbio e opta por se hospedar na casa de uma família ainda precisa se adaptar aos muitos choques culturais com os quais se depara no cotidiano; já quem começa a trabalhar no exterior deve compreender as diferentes relações de trabalho, expectativas quanto a horário e desempenho, apenas para citar alguns exemplos.
Você pode ter que, por exemplo, tomar poucos banhos ou banhos muito rápidos, devido à preservação da água ou alto valor da conta (hábito muito comum em países da Europa e no Canadá); ter que comer pratos que para nós são muito esquisitos, como frango no café da manhã (prato típico em alguns países da América Latina); ou até conviver com pessoas arrotando o tempo todo, durante as refeições, mesmo com muita gente em volta (comportamento corriqueiro nos Estados Unidos).
Imagine também que você vai estudar ou trabalhar no exterior: você precisará conhecer aspectos típicos do comportamento acadêmico e profissional do destino. Em alguns países é inconcebível atrasar-se, devendo o estudante ou funcionário chegar ao local cerca de 10 minutos antes, sem exceções. Em outros, ao faltar uma aula, você precisa sempre justificar ao professor por e-mail ou telefone no mesmo dia, mesmo que seja um simples curso de idiomas.
Há também países onde certos comportamentos no ambiente profissional e de estudo, que normalmente são vistos no Brasil como meras “brincadeiras”, são considerados crimes, passíveis inclusive de deportação. Já vi casos de estudantes brasileiros serem expulsos da escola e do país pela prática de bullying, por exemplo.
Houve também um rapaz que, em seus trinta e poucos anos, fez um programa de estudo e trabalho na Irlanda e, às vésperas da viagem, mesmo sabendo que iria morar sozinho, não possuía habilidades básicas do dia a dia, como a realização de tarefas domésticas, pedir informações na rua, abrir uma conta em um banco, etc. Obviamente essas pessoas passaram por muitos perrengues, mesmo com todas as orientações realizadas, tanto operacionais quanto comportamentais. Mas e aí? O que fazer em casos assim?
O que sempre me chamou atenção foi o fato dessas pessoas não desistirem da experiência. E mesmo com todos os medos e ansiedades, elas encararam de frente o que estava por vir. O resultado? Uma gama imensa de novas habilidades adquiridas pelo caminho e a descoberta de facetas que nunca imaginaram possuir.
Trago novamente como exemplo o intercambista que foi para a Irlanda: ao retornar, posso dizer com toda a certeza que ele havia evoluído em diversos aspectos, desde os mais básicos, como a manutenção de uma casa (dentre todos os seus serviços domésticos), até os mais complexos, como a habilidade de manter a calma e o controle frente a problemas inesperados com os quais nunca havia antes lidado.
O rapaz perdeu-se diversas vezes na rua, faltou aula por não ter seguido corretamente as instruções e comeu macarrão instantâneo por dias a fio. Após as duas primeiras semanas, período de adaptação, percebeu que se quisesse continuar a viver seu sonho, desistir não seria uma opção. Procurou, então, alternativas que o ajudassem com os problemas do dia a dia, tipo salvar mapas no aplicativo do celular, passar a prestar mais atenção e anotar os detalhes das instruções que lhe eram dadas e até procurar receitas práticas e baratas no youtube para começar a aprender a cozinhar.
Vamos falar a realidade? Viver uma experiência no exterior é como a nossa vida comum: coisas dão errado o tempo todo e sem prévio aviso; perdemos o caminho; ficamos doentes; gastamos às vezes mais dinheiro do que pretendíamos (e muitas vezes ficamos sem nada); sentimos saudades de pessoas e lugares; e passamos por momentos muito difíceis, nos quais parece que esquecemos tudo o que aprendemos e não sabemos mais o que fazer. A diferença é que você está em um lugar com uma cultura totalmente diferente – e esse é o “x” da questão!
Resolver problemas e se adaptar a novas situações quando estamos em casa, em nossa cidade e país, junto às pessoas que conhecemos, é algo que chamo de “viver na zona de conforto”. Nesse lugar você já sabe como fazer as coisas darem certo. E quando não dão, o que ocorre com certa frequência, existe uma rede de apoio para ajudar a segurar as pontas. Quando você decide viver uma experiência no exterior é diferente: você está se dando a oportunidade de romper essa barreira e entrar em um mundo totalmente novo.
Os mesmos problemas e alguns novos vão surgir, mas você vai vê-los com cores diferentes, pois o lugar, as pessoas, as normas e cultura são outros. A questão é que você terá que resolvê-los, de uma maneira ou de outra, com ou sem rede de apoio. É aí que você coloca na sua bagagem grandes e novos aprendizados. E o melhor: reconhecimento de novas e importantíssimas habilidades.
Quando você se esforça para se adaptar a uma configuração diferente fora da sua zona de conforto, você está mostrando para si mesmo que é capaz de solucionar questões novas e complexas, mesmo em meio a tantas dificuldades e novidades. Se você consegue fazer isso fora do seu ambiente confortável, não há mais nada que possa lhe impedir.
Ao sair do lugar comum rumo ao completo desconhecido, após vencer todas as barreiras, você descobre o seu verdadeiro poder interior. Pude ver e acompanhar isso de perto ao conversar com muitos viajantes e intercambistas que resolveram desbravar o mundo, muitos deles sozinhos, alguns pela primeira vez e sem saber sequer se comunicar no idioma local.
As principais dicas nesses momentos são: primeiro, não deixe os pensamentos negativos lhe dominarem, pois o medo, a angústia e as preocupações antes e durante a viagem, com o correto acompanhamento e direcionamento, podem se transformar em coragem e muito aprendizado em momentos em que se menos imagina; segundo, informe-se sobre tudo o que puder em relação ao país de destino, desde leis e normas, até aspectos culturais como alimentação e comportamentos.
Por último, lembre-se que uma viagem é composta de várias etapas, tanto logísticas quanto emocionais e é preciso atravessar todas elas. Quando você estiver pronto para iniciar essa travessia, não pense duas vezes. Faça as malas com toda a determinação e boa viagem!
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Realmente a questão da adaptação em um país estrangeiro não é nada fácil. Uma das barreiras a serem quebradas é compreender os costumes locais, totalmente diferente do nosso. Como diz nesse artigo, ser forte por dentro( psicologicamente ), é o primeiro passo para uma vida mais parecida com você.
Sim Eduardo, é preciso estar aberto as mudanças e emocionalmente preparado para os altos e baixos da adaptação
Obrigada Alana!!!
É, acho que a ansiedade faz parte do pacote né? rs
Mas na verdade eu uso a psicologia inversa, vou com pensamento de: "Tudo vai dar errado! E ai quando as coisas começam a dar certo se torna uma grande surpresa e eu fico feliz, e se algo der errado eu penso: "ah, eu já sabia" então não fico tão frustrada... meio louco isso né? Mas funciona! kkkkk
Obrigada pelo respaldo!
Beijo Grande
Ah se eu tivesse lido este texto antes.... Infelizmente sou descolada em perrengues com casa de família no exterior. Já passei por muuita coisa ruim que me trouxe um grande aprendizado na seleção de casa de família. Sou uma pessoa muito disposta a entrar na cultura do local e dos donos da casa, mas há de se dizer que há gente muito estranha se cadastrando como host family e que os interessados tem que tomar muito cuidado. Conheci brasileiro que foi roubado no primeiro dia pela dona da casa e voltou para o Brasil depois desta grande perda financeira. Também conheci colegas de aula que estavam com famílias de drogados, alcólatras, etc. Eu e estas pessoas que conheci, contratamos o serviço de hospedagem em uma renomada agência de viagem aqui no Brasil (que anos depois eu processei, por me venderem um seguro de viagem e me deixarem sem atendimento no exterior). Pais que desejam enviar filhos (principalmente menores e inexperientes) ao exterior tem que ter muito cuidado.
Oi Cláudia! O que você falou faz todo o sentido. Existem diferenças e choques culturais, mas também existem infelizmente host families se cadastrando em programas de intercâmbio sem estarem verdadeiramente aptas a receber intercambistas. Em muitos países isso se torna até um comércio, algumas famílias vivem disso e não querem abrir mão. É muito importante que as escolas façam o controle de qualidade adequado pra que os seus estudantes não sejam colocados em famílias despreparadas. Trabalhei por um tempo fazendo Orientação Psicológica a intercambistas que viveram situações parecidas às que você mencionou e o suporte psicológico, além do operacional, foi importantíssimo para que as experiências ruins não atrapalhassem a experiência das pessoas. Fique à vontade para entrar em contato comigo, se quiser. Abraços!
Excelente texto! Já aconteceu comigo quando fiquei alguns meses na Australia, mas no final deu tudo certo, foram meses inesqueciveis!
Que bom que você gostou, Olga! E que bom que deu tudo certo no final, você deve ter aprendido muitas coisas pra vida e relembrar com carinho até dos perrengues, né?
Texto sensacional!! Li e reli porque pra mim esse tipo de artigo é muito precioso nesse momento da minha vida!
Estou com viagem marcada para Londres daqui dois meses e nesse momento não tenho mais unhas e meus dedos estão em carne viva tamanha ansiedade... Vou sozinha sem conhecer ninguém por lá e com um inglês péssimo... Pretendo ficar por 6 meses e aprender tudo o que puder!
Vou transformando meu medo em coragem e levando apenas o que couber em uma mala!
Preciso ser forte!
Obrigada pelo texto
Oi Kátia! Deixei um comentário antes, mas não apareceu aqui, então vou comentar de novo. Que bom que você se identificou com o texto. Essa ansiedade pré-embarque é comum entre os intercambistas, muitos receios e medos surgem, né? O importante é que você irá sair da sua zona de conforto, viver muitas experiências novas e que vão te ensinar muito daqui pra frente! Parabéns pela coragem e não deixe o nervosismo estragar a sua experiência. Fique à vontade para entrar em contato comigo, caso sinta necessidade. E boa viagem!