Na primeira cena de “Paris is Burning” (disponível na Netflix, corre), a drag Pepper LaBeija entra no salão com um vestido dourado pomposo, e a plateia vai à loucura. Lançado em agosto de 1991, o documentário sobre os “bailes” de drags nova-iorquinas nos anos 1980 se tornou um marco para a comunidade queer de todo o mundo ao mostrar a cultura tão viva e resistente da comunidade LGBTQI+. E, pasme, secular!
Os primeiros bailes de montação aconteceram no Harlem, em 1869(!), como conta o livro “Gay New York: Gender, Urban Culture, and the Making of the Gay Male World (1890-1940)”, de George Chauncey. Ótima leitura para quem se interessa no assunto além das passarelas do reality RuPaul’s Drag Race, como eu falei nessa coluna aqui. Ao reunir a comunidade LGBTQI+ da época, foram chamando atenção e, com o tempo, passaram a incomodar. Adivinha o que aconteceu? Foram reprimidos, como sempre, mas resistiram até chegar aos dias retratados no documentário, mais de um século depois.
Foto: Shutterstock, por Lukas Maverick Greyson
“Paris is Burning” também tem tudo a ver com resistência. Esses bailes undergrounds aconteciam no bairro do Bronx, na periferia de Manhattan e vizinho do Harlem, onde tudo começou. Eram comandados por jovens negros, latinos e trans, com atitude que não cabia na ilha. Desfiles, poses e batalhas de danças aconteciam em frente a um júri que elegia as melhores em cada categoria (não sem muito bafafá, faz parte do show).
Os bailes oficializaram o “Voguing”, um estilo de dança que se mistura com desfile e carão, inspirado nas poses da revista de moda. Sim, Madonna absorveu essa cultura para a música e o clipe dos anos 1990. A edição anual do Latex Ball é um dos eventos mais importantes da cidade para ver tudo isso acontecer, e aulas da dança podem ser agendadas no Broadway Dance Center. Também saiu daí a maioria das gírias do reality de RuPaul e as “casas”, tipo de irmandades de onde nascem representantes das famílias Xtravaganza, LaBeija e Ninja, só para citar as mais famosas. Família mesmo, que se protege, se empurra para frente.
Lançado no aniversário de 25 anos de “Paris”, o documentário “Kiki” atualiza o cenário, mostrando o cotidiano de sete personagens. Retrata, também, um lado triste da história: a contaminação do HIV continua alta nos círculos de jovens negros e periféricos, quase 40% deles são moradores de rua, e o número de homicídios contra essa população segue batendo recordes. Mas, mais importante ainda que esses bailes continuem existindo como forma de acolhimento.
Kiki é o nome do circuito júnior para aspirantes aos grandes bailes. Muitas drags gostam de se aprimorar para escapar do “shade” (os comentários ácidos). Dizem que o clima é de mais experimentação, e assim acabaram caindo no gosto dos gays novaiorquinos. Parte da cena se deslocou para a Christopher Street, em Greenwich Village, perto do monumento de Stonewall Inn. Procure eventos em sites como o Performance Space New York, que costuma postar com antecedência sobre Kiki Balls. E não deixe de visitar os bares que recebem Drag Queens mainstream, a maioria na região de Hell’s Kitchen, em Lower East Side, como o Barracuda, o Therapy e o Pieces. Drag é arte e cultura, mas, acima de tudo, sobrevivência.
Crédito foto destacada: Shutterstock, por John Arehart
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Adoro Drags, são divertidas e amáveis , meus melhores amigos são gays ...