Terminou a Copa e eu concluí meu último texto sobre a turbulenta relação entre nós, pessoas LGBTQI+, e o futebol, com uma frase profética: as pintosas vão dominar o mundo da bola (MUAAA HA HA HA). Pois descobri que minha previsão já está atrasada em cerca de um ano. A gente já dominou. Enquanto eu aprendia o beabá, outras pessoas já disputavam campeonatos nacionais e integravam a Champions LiGay, a liga nacional de times LGBTQI+.
Atualmente, 15 clubes do Brasil participam da liga, com nomes tão criativos quanto o da própria associação: tem o Alligaytors e os BeesCats, do Rio, os Sereyos, de Santa Catarina, os Bharbixas, de Minas Gerais, a única equipe declaradamente afeminada. É no time mineiro que joga o Rodrigo Gosling, de 33 anos, que conversou um pouco comigo só quando terminou uma partida que ele estava assistindo com afinco: “desculpa, não consigo me concentrar”. E contou sobre a relação dele com o futebol, sobre a criação do time em que joga, e sobre esse campeonato maravilhoso que tem uniformes cropped e gente montada e termina em festança pop bate cabelo.
Eu sempre gostei de futebol, minha família inteira é fã, meu avô foi presidente de um clube grande aqui de BH. Tenho meu time do coração, mas a gente não fala por questão de segurança. Ia muito ao estádio, acompanhava os jogos, fiz escolinha de futebol, mas por volta de 15 anos eu estava começando a entender minha sexualidade e acabei abandonando o esporte. As piadas eram muito homofóbicas e machistas e isso acabou me afastando. Me chamavam de gay e eu nem sabia o que era. Fiquei até agora sem jogar futebol e voltei ano passado no Bharbixas. Estou achando sensacional participar de um time que é basicamente formado por homens gays e bissexuais. É muito legal eu poder ser quem sou e praticar o esporte que sempre gostei. Estou tendo que reaprender a técnica que perdi, mas o Bharbixas já mudou minha vida completamente.
A Champions LiGay, uma brincadeira com a Champions League [campeonato entre clubes da Europa], é o Campeonato Brasileiro das bichas. A primeira edição aconteceu em novembro de 2017 e contou com oito times, e agora em novembro desse ano vai ter outra edição, em São Paulo. Antes da LiGay já teve um campeonato, a Copa Hornet [patrocinada pelo aplicativo de pegação], que contou só com quatro times, mas foi o primeiro movimento nesse sentido.
A LiGay foi criada justamente para integrar os clubes que estavam surgindo no país inteiro, e nós dos Bharbixas (MG) ganhamos. A gente tinha acabado de ser criado, estávamos completando 5 meses no dia em que fomos campeões. Foi uma surpresa pra gente e uma experiência incrível, o primeiro campeonato da vida de muitos atletas, inclusive eu. Agora os times estão se preparando mais, o nível da competição vai ser muito mais alto do que a primeira, com jogos mais disputados.
“A maioria dos nossos atletas hoje são pessoas que sofreram homofobia no futebol, alguns pararam por isso. Outros nem tinham começado por trauma de infância”.
Entrei umas duas semanas depois dele ter sido criado. O fundador viu na televisão sobre times LGBTQI+ do Rio e de São Paulo e se animou. Entrou em contato com essas pessoas e conseguiu juntar umas 50 pessoas interessadas já no primeiro final de semana. Pouco tempo depois foi criado o nome, mas nosso objetivo até então era só jogar a peladinha do final de semana. Então surgiu a LiGay e fomos convidados a participar, começamos a treinar com mais frequência, fomos em amistosos e começamos a crescer. Como a gente foi campeão teve uma repercussão grande na mídia, aparecemos em programas de TV importantes, portais famosos do Brasil e também alguns dos Estados Unidos e Europa.
Essa repercussão obrigou a gente a reorganizar o time. Antes tínhamos uma comissão que fazia tudo, depois precisamos criar núcleos e dividir as funções. Agora temos núcleos como os de ética, saúde, técnico, jurídico, financeiro, social, e até as novas modalidades, o handebol e o vôlei. Todo mundo é voluntário e a maioria dos nossos atletas hoje são pessoas que sofreram homofobia no futebol, alguns pararam por isso. Outros nem tinham começado por trauma de infância. Temos histórias sensacionais. O Mineirão, que é o maior estado de Minas Gerais e o segundo maior do Brasil, entrou em contato com a gente dizendo que queriam organizar um evento em junho de 2018 para celebrar o mês do Orgulho. Tivemos um jogo de comemoração, que foi o primeiro de um time formado por jogadores homo e bissexuais no Brasil em um estádio de futebol profissional e de Copa do Mundo.
Foi uma experiência maravilhosa. As pessoas entravam no campo e ninguém acreditava, todo mundo chorando, as arquibancadas com as cores do arco-íris. Depois fizemos uma festa com atrações do Carnaval de BH, todos saíram falando super bem e que amaram, foi emocionante!
Conhecer uma liga de futebol LGBTQI+ é algo que as pessoas precisam viver. Nós temos uma técnica lésbica ligada ao futebol desde criança, e diz que que nunca viu nada parecido. O clima é muito legal, a gente sempre joga com música, descontraído, as pessoas se dão bem. Tem a rivalidade em campo, mas acabou o jogo disputado é todo mundo amigo, se abraça. Nos campeonatos, à medida que a gente foi passando de fase, a torcida dos times derrotados passavam a apoiar a gente. Um time ajuda o outro, tem conversas entre os diretores para saber o que dá certo porque o objetivo comum é crescer junto.
Para acompanhar os jogos da Champions LiGay pelo Brasil e o campeonato nacional em São Paulo, fique ligado na página deles no Facebook: facebook.com/ligaybr
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