Perto do Aeroporto de Confins há uma kombi. Todos os dias, dezenas de passageiros que passam por ali no esquema bate-volta procuram pelo veículo, que comercializa o item número 1 de Minas Gerais: queijo. E também doce de leite, goiabada, café e tudo que faz do estado um local de comilança sem fim. Essa é a última (e, em alguns casos, a única) chance que um viajante tem de levar produtos mineiros na bagagem.
Não são poucos os que fazem a feira antes de realizarem o check-in, algo mais ou menos parecido com o que acontece em Belém. Há um ano, numa viagem para a capital do Pará, travei a guerra dos cotovelos com um paraense que mora em Minas. Ele me contou que, a cada passagem pela cidade natal, volta com um grande carregamento de produtos amazônicos, começando por jambu e pelo tucupi, mas às vezes traz até um peixe aqui e outro ali.
E por mais que erva-mate seja encontrada Brasil afora, não faltam gaúchos transportando a mercadoria em voos que partem de Porto Alegre – até eu, que sou mineiro, mas namoro uma gaúcha, trouxe erva na mala algumas vezes. Que os cães farejadores não me entendam mal.
Mais que eletrônicos, roupas ou suvenires, estou convencido que os campeões na preferência dos viajantes em compras são – e ainda bem – comida. Afinal, se é pra pagar excesso de bagagem, que seja com itens que rapidamente são convertidos em excesso de pança.
Outro bom exemplo é Santiago, uma das únicas cidades do mundo onde aquela regra de líquidos em voos internacionais parece não valer. Na teoria as (muitas) garrafas de vinho compradas nas férias precisariam ser despachadas, mas na prática não faltam relatos de gente que traz a bebida na mala de mão mesmo. E sem problemas.
Por Macca Sherifi, shutterstock.com
Esses, quando aparecem, estão na alfândega. Tipo o do conhecido que tentou sair do Brasil para a Colômbia com um grande carregamento de doce de leite. Foi parado e perdeu a mercadoria, mais ou menos como aconteceu com a seleção uruguaia, que, ao chegar para a Copa do Mundo de 2014, teve quase 40 quilos de doce de leite apreendidos em Confins. Para a sorte da celeste, doce de leite é o que não falta por ali, e logo apareceu uma fábrica doando o produto.
Foi só outro dia que o Ministério da Agricultura legalizou o transporte de itens como queijo, salame, doce de leite e pescado nas bagagens, em viagens internacionais. E o queijo Minas, que é patrimônio cultural e imaterial do estado, fez carreira na ilegalidade, ao ter que “se submeter a uma complexa rede de contrabando que envolve atravessadores, desvio das rodovias principais por estradas de terra para fugir da fiscalização, falsificação de rótulos e esquemas para esquentar o queijo”. Palavras do jornal Estado de Minas, que em 2011 fez uma longa reportagem sobre o tráfico de queijo, mostrando como a maior parte do produto vendido fora do estado era comercializado de forma ilegal.
Em geral, há razões sanitárias para a proibição de entrada de produtos alimentícios em países. Uma praga que cruze fronteiras pode acabar com a agricultura de nações inteiras, o que explica por que lugares isolados, como a Nova Zelândia e o Chile (separado do resto do continente pela Cordilheira dos Andes, pela Patagônia e pelo Atacama) têm um controle tão rígido na entrada de produtos alimentícios. Cruze a fronteira com uma maça e você pode pagar caro, literalmente, por isso.
Granadilla (Foto: Por Mauricio Acosta Rojas, shutterstock.com)
Mas se muitos viajantes levam alimentos na bagagem para matar as saudades de casa, outros tantos querem é matar em casa a saudade das férias – nada como levar para a própria cozinha os sabores, digamos, exóticos que encontramos por aí. Foi assim com os dois brasileiros que, ansiosos, transportaram para casa uma erva colombiana chamada cilantro, um sabor que eles acharam que era exclusividade dos Andes. O contrabando de cilantro teve direito a questionamentos na alfândega e tremedeira na hora de justificar o produto. Depois da tensão, a descoberta: cilantro é coentro em espanhol.
Veja também: Amor, ódio, coentro e a maior polêmica da cozinha brasileira
A crônica de um viajante desesperado por dinheiro
Outra história maravilhosa sobre comida na bagagem pipocou esses dias no Facebook, contatada pela Fernanda, uma fotógrafa que mora em São Paulo. Ela fazia a trilha de Salkantay, que envolve cinco dias de caminhada e segue para Machu Picchu, no Peru. No terceiro dia, ao parar numa vila, ela viu uma senhora vendendo uma fruta típica chamada granadilla – que lembra um maracujá e tem uma casca meio dura.
Ela comprou e gostou, a ponto de comer várias. Pensando no pai, que adora testar sabores novos e “cuja diversão em outro país é supermercado”, a filha comprou um saco da fruta e fez o resto da trilha com ele na bagagem.
Voltou ao Brasil, sem problemas, e correu para enviar o saco de frutas por Sedex, já que o pai vive em outra cidade. Ao sair dos correios, dobrou a esquina e passou no supermercado – e deu de cara com uma pilha de granadillas nas prateleiras. Em promoção.
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