“O Janelas Abertas não é falar só de viagens, de roteiros. É falar do processo de transformação que acontece quando a gente se abre para o mundo. Abrindo as janelas para o mundo”.
Foi desse jeito, e com um sotaque recifense pra lá de gostoso e arretado, que a Luísa Ferreira, do blog Janelas Abertas, começou a nossa conversa. A voz ressaqueada já mostrava, no melhor estilo, que a noite anterior tinha sido de agitação.
“Viajar me permitiu descobrir quem eu sou longe das pessoas que já me conhecem, criar laços mais fortes com os amigos que fiz nos intercâmbios. Uma amiga me disse que eu era extrovertida, tinha vários amigos, vivia saindo à noite. Coisa que pra Luísa pré-intercâmbio seria improvável de alguém dizer. É sair das histórias que você contou pra si mesmo, sobre quem você é”.
A primeira viagem internacional veio ainda na adolescência. A menina tímida entrou sozinha em um avião e desembarcou na Califórnia, para visitar os tios. A tensão foi tanta que ela passou mal do embarque até o final do percurso. E se você pensa que foi só pelo avião, se engana. Ela também morria de vergonha de ter que se comunicar com os americanos, mesmo dominando o inglês. Mas quem disse que só de más memórias vive a mulher destemida e atrás de novas aventuras? Esse caso serviu pra mostrar que, por mais que o medo esteja ali do lado, sair da zona de conforto é um caminho sem volta. Ainda bem!
Tanto é que, em 2009, quatro anos depois da primeira viagem, lá estava ela de novo, indo viajar sozinha. A bola da vez foi um intercâmbio de um mês em Buenos Aires, para estudar espanhol e criar coragem pra encarar um intercâmbio maior na Espanha. E depois desse, ainda teve um mestrado na França. Desde então, ninguém segura mais essa mulher!
Luísa diz que sempre foi tímida e que não entendia a ansiedade como um problema com tratamento. Sempre achou que tinha algo errado com ela. Quando alguma coisa a tirava de sua zona de conforto, ela tinhas reações físicas, de passar mal, como aconteceu na primeira vez que foi para os Estados Unidos. Para conseguir se encontrar, além de ajuda profissional, ela resolveu viajar.
A primeira vez viajando sozinha, na verdade, não foi legal. Ela conta que não estava pronta, precisava resolver uns problemas consigo mesma antes. E para muitas pessoas que viajam sozinhas pela primeira vez a situação também pode ser a mesma. Você pode ter azar, as circunstâncias não serem das melhores ou simplesmente não se sentir plena o suficiente. Mas não desista, diz a Luisa, tenha paciência que, mesmo que aos poucos, você vai acabar sabendo o que quer. E vai até descobrir que o não se sentir plena todo o tempo também faz parte do aprendizado.
A constatação de que a Luísa é a melhor companhia da Luísa veio em Buenos Aires, quando ela estava andando sozinha pelas ruas, com um fone de ouvido e a mais pura sensação de liberdade. E esse sentimento, esse poder, quando sentido pela primeira vez, não tem nada no mundo que o repita.
Para grande maioria das pessoas viajar não é somente colocar uma mochila nas costas e sair por aí, a vida não é toda cor de rosa. E várias questões envolvem viajar sozinha, principalmente se você for mulher. Segurança para nós sempre será um dos principais motivos de preocupação. É preciso ter prudência, é claro, mas não podemos nos tornar reféns desses medos. “A maior parte do mundo é mais segura do que a sua própria cidade”, diz Luísa.
“Muitas mulheres escrevem no blog e nas redes sociais falando que elas não achavam que iam conseguir, que não tinham pensando que elas poderiam viajar sem esperar alguém que pudesse ir com elas. Veio uma sensação de liberdade, e isso pra mim é super recompensador. Perceber que eu pude dar esse estímulo”.
Claro que há vantagens e desvantagens em viajar sozinha. Quando a coisa é você com você mesma, tudo pode ficar mais caro. Seja na hora da hospedagem, de pagar o táxi, de comer aquele prato enorme no restaurante ou até mesmo ter alguém pra olhar as suas coisas quando você vai ao banheiro ou sai pra um mergulho no mar. Parece que falta alguém até pra conversar ou tirar uma boa foto com aquela paisagem maravilhosa.
Na opinião de quem se acostumou a viajar solo, tudo isso é contornável e as vantagens acabam se sobressaindo. Quem não gosta da liberdade de poder fazer o que quiser, na hora que quiser, sem precisar se preocupar se está agradando quem estiver do seu lado? Sem contar que sozinha você fica mais aberta a novas amizades, novas experiências e pode passar um tempo maior com quem realmente importa: você mesma. É estar aberta a se entender, se conhecer melhor. É estar em contato consigo mesma e descobrir as suas reações em situações diferentes. Uma sensação de empoderamento em conseguir resolver as coisas. São os pequenos prazeres que te dão um gás.
O Janelas Abertas não nasceu pensado em ser um produto comercial – a Luisa Ferreira nem sabia que podia se viver disso. Depois de algum tempo postando e vendo os depoimentos de outros blogs, ela decidiu que poderia, sim, fazer do blog o seu meio de vida. Para que isso desse certo, ela teria que dar um passo muito importante, e que para muitos é o mais assustador: largar um emprego estável, bacana e se arriscar no desconhecido. E foi isso que a Luísa fez. Largou o antigo emprego, pegou a grana e foi viajar por um ano. Com as viagens, conseguiu muito material para poder escrever no Janelas Abertas.
“Sou privilegiada, não tenho uma família que dependa de mim, então eu tive sorte. Adorava o meu trabalho, só que era um trabalho que me exigia muito. Quando eu não estava no trabalho, estava trabalhando no blog ou me sentindo culpada por não estar trabalhando no blog. Foi um salto no abismo. Super esquisito. No primeiro dia que eu estava em casa, senti um vazio”.
Por ser jornalista, o texto já fluía naturalmente. Nos posts, ela aplicava as noções que já tinha de construção de uma narrativa, por mais que não fosse 100% adaptado à linguagem da internet. SEO, mecanismos de buscas e outros detalhes ela foi aprendendo com o tempo – e na marra. Afinal, em 2012, quando o blog começou, eram outros tempos…. Ahhh, hoje em dia, o Janelas Abertas vai muito bem, obrigada!
“Tá tudo bem se você tiver vontade de se desesperar. Às vezes, dá vontade de sentar na sarjeta e chorar, querendo a sua mãe. Mas aí você sente essa vibe do ‘ai meu Deus’ e depois você respira fundo pensa: ‘como eu vou lidar com isso?’. Assim como tudo na vida, viagens não são diferentes. Quase tudo é contornável”.
A Luísa dá dicas preciosas e conta perrengues que já teve que enfrentar, sozinha, longe da sua zona de conforto:
* deixar cópias dos documentos salvas na nuvem;
* deixar todo mundo avisado do seu roteiro. Sobre voos, hotéis, passeios;
* ter sempre um chip internacional;
* um cartão de crédito extra, para caso emergenciais (emergências, viu? Não é pra voltar pra casa com mais um cartão de crédito estourado e uma fatura astronômica)
* seguro viagem, SEMPRE!
Gostou do projeto Janelas Abertas e já está querendo botar o pé na estrada? Que tal então conhecer um pouco mais do trabalho da Luísa Ferreira pra se inspirar ainda mais? Bora lá acompanhar o trabalho dela:
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