O mundo inteiro parou graças a um vírus que se espalha com facilidade e tem colocado em xeque os sistemas de saúde de vários países. A recomendação contra o coronavírus é clara: FIQUE EM CASA. Neste texto, reunimos cinco relatos de pessoas que estão vivendo diferentes tipos de quarentena – forçadas ou auto-impostas. Relatos para nos lembrar o quanto é importante permanecer fortes, achatar a curva de contágio e torcer por dias melhores.
Observação: Recebemos esses relatos ao longo da semana. Como a situação tem mudado com muita velocidade, alguns fatos já não são os mesmos e acrescentamos atualizações.
Leia também nosso boletim atualizado da situação do Covid-19 no mundo e o que fazer em relação a viagens canceladas
Mariana, em Porto, Portugal
Instagram: @irmaodevaca e Youtube: Irmãos de Vaca
“Moro com meu marido na cidade do Porto e posso dizer que o momento aqui em Portugal é bastante delicado, já que os casos estão aumentando muito rápido e a população é muito envelhecida.
Fiquei bem impressionada com a atitude dos portugueses em adotarem uma quarentena, praticamente voluntária. Eu, particularmente, não saio de casa há quatro dias. Nesse momento, estamos à espera de notícias se o governo decretará ou não a quarentena obrigatória.
Saí de um emprego recentemente e começaria a procurar outra oportunidade em breve. Porém, com a pandemia do Coronavírus, é praticamente impossível encontrar alguma empresa que esteja contratando. Na verdade, o cenário tem sido um pouco desesperador para muitas empresas, principalmente nos setores de restauração e turismo.
Meu marido trabalha como motorista em plataformas de transporte e o movimento despencou na última semana. Nos últimos dias, aconteceu de, em cinco horas de trabalho, ele ter realizado apenas uma corrida.
Com certeza os próximos meses serão muito difíceis para nós e para muitos trabalhadores independentes e que não possuem um contrato de trabalho.”
Atualização: O Governo Português decretou estado de emergência e definiu recolhimento domiciliar. Há mais de mil casos confirmados no país.
Aline, em Oslo, na Noruega
Instagram: @linepereira11
“Estou escrevendo da Noruega neste momento, onde precisei estabilizar minha trip para respeitar as recomendações de contenção do coronavírus.
Passei quase um ano planejando essa viagem, que inclui roteiro em vários países, e fui infelizmente impactada pela proporção que o coronavírus tomou. Em janeiro, quando saí do Brasil, não tinha como saber o rumo disso. Quem coloca algo assim no roteiro, não é mesmo?
No ultimo dia 15 eu tinha um voo para Praga a partir de Oslo (Noruega) e já tinha recebido recomendação de ficar 15 dias recolhida, pois assim deveriam agir todos os turistas que chegassem. Tentei remanejar o voo, cancelar ou mudar a rota em direção ao Brasil, mas daí conheci o verdadeiro caos desde 3-4 dias antes. A companhia aérea Norwegian não tinha a menor condição de atender a todos. Não respondiam os canais de relacionamento e colocaram uma mensagem automática no telefone sobre o quanto eles estavam sobrecarregados. A orientação era que se não fosse urgente, não ligasse.
Sem nenhuma resposta, voltei pra capital e fui até o aero ver a situação do voo, que estava operando. Fiz o check-in e tudo ciente de que meus próximos 15 dias seriam em Praga, o que é três vezes mais econômico do que a Noruega. No aeroporto o exército estava checando os passageiros. Formulários pra preencher. Gravações pedindo pra manter um metro de distância de outras pessoas e lavar as mãos. Tudo aparentemente organizado.
Na hora do embarque, a minha surpresa. A companhia pegou os passaportes dos turistas, fez algumas ligações e não deixou ninguém avançar para dentro do avião sob argumento de que o aeroporto de Praga teria fechado nos últimos minutos para passaportes estrangeiros. Eu estava acompanhando o site de Praga que dizia que isso ia ocorrer só no dia seguinte, portanto, eu entendia que poderia ir. Mas minha palavra contra a da equipe não teve efeito.
Imagem de Reinhard-Karl Üblacker por Pixabay
Confusão entre todos ali, impedimento para embarcar, não reembolso de passagem e resultado: não me deixaram ir. Para piorar, recebemos a informação de que o aeroporto de Oslo estaria fechado pelos próximos 15 dias. O mesmo valia para trens, ônibus, estradas… Ou seja, “volta pra acomodação e fica lá”.
Passei o dia dentro do aeroporto tentando comprar qualquer passagem, mas a Europa inteira se fechou rapidamente, mesmo para voos de conexão, e as empresas não davam certeza sobre quem embarcaria ou não. Vi várias pessoas desesperadas tentando encontrar um destino. Muitas vezes, qualquer destino servia. Afinal, ninguém sabe por quanto tempo nosso direito de ir e vir vai ficar comprometido.
Por medo de ficar sem dinheiro ao comprar nova passagem, aluguei uma hospedagem por uma semana aqui em Oslo e tento acompanhar qualquer novidade.
Nessa hora posso perceber que mesmo um país desenvolvido como a Noruega pode se desorganizar mediante um fato novo. Não tem testes para todos, o que provavelmente dá uma dimensão equivocada sobre o número de infectados. Os turistas financeiramente incapazes são encaminhados para hotéis públicos, onde também estão pessoas que apresentam sintomas. O aeroporto manda confirmar com a companhia aérea. A companhia aérea manda falar com a embaixada. Há informações divergentes o tempo todo, mesmo dos órgãos oficiais. A embaixada brasileira não está operando presencialmente e nem respondendo emails.
Minha situação atual é de completa incerteza. Não sei se compro ou não uma passagem pela dúvida de se vão me deixar embarcar ou se o aeroporto de conexão estará funcionando. Não sei em que fonte de informação confiar. Não sei se alugo por mais tempo algum lugar ou se converto mais dinheiro.
Nessa hora, não tem empresa de aviação vendendo bom atendimento. Não tem seguro viagem. Aliás, o seguro foi o primeiro a implementar comunicado de que em caso de pandemia não há cobertura. Omissão atrás de omissão.
A parte boa é que os supermercados e farmácias têm orientação de se manterem abertos e, por isso, não há corrida maluca das pessoas para estocar itens. Tudo ainda disponível. E a água da torneira é ótima para beber. Talvez uma das mais puras do mundo, o que já faz eu economizar uns 12 reais em cada garrafa de água por aqui.
Para alguém que já dedicou tanto tempo planejando uma trip dos sonhos, abrindo mão de emprego e rebatendo duras críticas na decisão de ir, isso é o mais próximo de um pesadelo que se pode chegar. Vou usar esse tempo de isolamento para me reorganizar e extrair o melhor disso. Acredito que a gente sempre sai mais forte de uma situação como essa.
A Noruega é um país dos sonhos. Todo tipo de natureza tem por aqui e, com um roteiro planejado, sem esse tipo de caos, continuo recomendando a qualquer um que um dia sonhe em conhecer. Neve, praias, montanhas, natureza intocada. Imagina ver aurora boreal ou sol da meia-noite?
Acho que aqui – e em todos os lugares do mundo – estamos vivendo algo semelhante a uma guerra. Talvez mais impactante pela dimensão e invisibilidade. Um vírus bagunçou nossas vidas! Se cuidem, viajantes. Logo mais estaremos por aí de novo.”
Thiago, em Madrid, Espanha
Instagram: @thiagocalmon
“Há quatro dias colocaram a Espanha em estado de alarme, que significa mais ou menos a restrição de nosso direito de liberdade. O governo pede para que as pessoas não saiam de casa se não for um caso de extrema necessidade, que são: ir ao supermercado, farmácia, médico e, se não tem outra maneira, ir trabalhar e logo retornar à casa. E sim, isso é necessário, porque somos nós quem transmitimos o vírus uns aos outros.
Ontem fui ao médico e no meu trajeto fui parado três vezes por policiais perguntando aonde ia e se tinha como provar. Assim foi com todas as pessoas que saíram nessa manhã. Todo o comércio está fechado. Sim, fechado. Você passa pelas ruas e está como uma cidade abandonada.
Não faltam alimentos nos supermercados, muitos colocam vídeos de que não tem nada nas prateleiras, mas tem tudo o que precisamos. Mas como os supermercados só estão repondo as coisas duas vezes ao dia, talvez por isso essas pessoas postem isso, mas como sempre sem perguntar e entender o porquê. Só querem espalhar imagens sem estar seguros do que falam.
Emprego? Empresas? Tudo um caos, o governo está apoiando muito para que os danos sejam os menores possíveis nessa crise temporal. Buscando que os prejuízos dos trabalhadores sejam os menores possíveis, dando suporte ecônomo e procurando opções junto às empresas para não ter um drástico aumento do desemprego.
Por que eu escrevo isso aqui? Porque existe muita gente que não acredita e acha que tudo não passa de uma palhaçada. Nós, que estamos vivendo isso, sabemos que não é. Temos a mania de achar que nada ocorre com a gente até o iminente que acontece é já pode ser tarde pra prevenção.
Como estamos por aqui?
Estamos em quarentena, quase sem poder sair de casa. Estamos com as fronteiras fechadas. Temos muitas pessoas morrendo por conta desse vírus. A cada dia aparecem mais e mais casos. Um caos na saúde. Um desastre econômico. As pessoas estão lutando para parar esse vírus, respeitando as ordens do presidente do governo.
Por isso, vocês que estão no Brasil, levem a sério as quarentenas. Não são férias, é uma medida para que o vírus não se espalhe de maneira absurda. Não queira ter o seu direito de ir e vir bloqueado por vírus e por falta de prevenção. Pensem e vamos agir antes que se forme o caos.
Se você tem ou não os sintomas, fique em casa, porque você pode ter o vírus e não ter os sintomas. Boa sorte a todos nós e que possamos vencer esse vírus.”
Janka, em Budapeste, Hungria
Escrevo essas palavras de casa, onde tenho estado com meu marido e nossos dois filhos (3,5 e 2 anos), desde segunda-feira. Hoje é uma tarde ensolarada de primavera e todos sentimos como se essa fosse a calmaria antes da tempestade.
Tudo começou no dia 31 de janeiro de 2020, quando o governo húngaro criou um grupo operacional contra a pandemia do coronavírus. O primeiro caso na Hungria foi anunciado em 4 de março e a primeira morte aconteceu 11 dias depois.
No dia 7 de março, a situação já havia escalado rapidamente e o governo agiu rápido. Toda a programação pública do feriado nacional de 15 de março foi cancelada. No dia seguinte, os hospitais foram reorganizados, camas livres foram montadas para potenciais pacientes e as visitas foram restritas.
Ainda, todos os voos de e para o Norte da Itália foram cancelados. Nós tínhamos programada uma viagem para Nápoles no final de março, foi quando nos demos conta que as nossas férias em família não aconteceriam. Poucos dias depois, todas as escolas, universidades e creches foram fechadas, o que nos afetou diretamente.
Enquanto tudo isso acontecia, assistimos à distância: estávamos numa viagem de esqui na Áustria, entre 11 e 15 de março. Voltamos para casa tranquilamente de carro, mas foi o último dia antes de todas as fronteiras serem fechadas, o hotel e a estação de esqui onde estávamos fecharem.
Então, decidimos trabalhar de home office, dividindo turnos com meu marido: tentamos balancear o trabalho, o cuidado com as crianças, a limpeza e a cozinha, enquanto tentamos não enlouquecer.
Estamos em casa, não podemos encontrar com nossos pais e estamos ansiosos com quais serão as próximas informações. Não estamos nada otimistas com o futuro.”
Arthur, em Lima, Peru
“Me chamo Arthur Vido Silva, sou empresário e estou em reclusão social em Miraflores, Lima, junto com minha esposa Elisa. Chegamos em Lima no dia 15 de março pela manhã e no fim desse mesmo dia houve o decreto do governo peruano dizendo que as fronteiras seriam fechadas em pouco mais de 24h. De fato, isso ocorreu à meia-noite do dia 17.
Tentamos ir ao aeroporto e pegar um voo para sair no dia 16 de março, sem sucesso. A Avianca, assim como outras empresas que fariam os trechos Lima-BH, Lima-SP e Lima-RJ, cancelaram os voos pois a tripulação era peruana e eles não conseguiriam voltar para o Peru em tempo.
A região de Miraflores está bem tranquila, estamos autorizados a circular para comprar alimentos e também para atendimento médico.
Com o fracasso ao tentar agendar um voo no dia 16 de março, fomos direto pra embaixada brasileira. Lá, já havia um grupo de vinte brasileiros e mais pessoas chegavam o tempo todo.
Nesse dia, não fomos atendidos, conseguimos falar apenas com um segurança peruano que pediu que voltássemos dia 17. Foi o que fizemos. Nessa ocasião, três brasileiras entraram e conversaram com o embaixador. O resto do grupo, aproximadamente 30 pessoas, ficaram de fora e nos serviram água. Nessa conversa, ele informou que a embaixada:
1. Atuaria junto ao governo peruano para autorizar a saída de estrangeiros
2. Disponibilizaria formulários na página deles no Facebook para aqueles que tivessem interesse em sair daqui
Um formulário pegava informações pessoais e, o outro, informações do voo originalmente agendado. Naquele momento eles ainda não estavam disponíveis e, inclusive, nos avisaram que levaria algumas horas. Voltamos para o hotel, próximo à embaixada, e tivemos acesso tanto ao decreto, quanto os formulários. Preenchemos e agora estamos aguardando os próximos passos.
Importante ressaltar que a embaixada também nos orientou a procurar as cias aéreas. A tentativa de contato com eles tem sido um fracasso, filas de espera em ligações que nunca são atendidas, falta de orientações e respostas padrões.
A maioria das informações foram obtidas graças a criação de grupos no whatsapp, iniciativa dos brasileiros. Por ora, as cias informam que as operações serão retomadas em 1º de abril. Temos a impressão que a embaixada está atuando, já as cias aéreas parecem fora de contexto.”
Atualização: O Itamaraty já está organizando o retorno dos brasileiros presos no Peru. Entretanto, o Arthur nos conta que ainda estão na briga para conseguir voltar, pois os voos de repatriação são para clientes Gol e Latam. Ele, a esposa e centenas de brasileiros clientes da Avianca continuam presos em Lima, em Cusco e em outras cidades peruanas.
Arthur afirma que estão bem, com um hotel que fez um preço melhor e serve café da manhã. Mas lembra que há brasileiros espalhados pelo Peru em situações mais complicadas, sem ter como chegar em Lima.
Inscreva-se na nossa newsletter