“Tem coisa mais difícil que falar sobre si? Posso resumir dizendo que sou uma pessoa que gosta de viajar, como a maioria das pessoas aqui”, diz a criadora do blog No Mundo da Paula.
É assim que a baiana de Salvador, Paula Augot, começa o nosso bate-papo. A vontade de viajar veio há muito tempo. Desde criança ela sempre teve curiosidade de conhecer o mundo. Paula conta que adorava ouvir histórias sobre os costumes das pessoas de outros países e sonhava com o dia em que iria conhecer alguns desses lugares.
E foi dessa vontade que nasceu o blog. Hoje, ela vive em Hong Kong.
Paula já viveu em lugares que várias pessoas gostariam de morar. No seu blog, ela conta um pouco das experiências e de como foi a vida, nesses quase 10 anos longe da Bahia.
“Antes de Hong Kong, eu morei em Paris e Londres, e foram experiências incríveis. Poder morar em cidades tão antigas, tão ricas em artes e história faz você apreciar ainda mais essas coisas. Acho que começou com uma paixão pela França, quando eu tinha 15/16 anos e que me levou a estudar francês. Em 2008, eu saí do Brasil com um visto de estudante rumo à França”, conta Paula.
Da Bahia, além da ancestralidade, ela guarda outros ótimos atributos. “Acho que ainda tenho um sorriso bem baiano (risos) e com certeza a musicalidade está sempre comigo. Hong Kong entrou na minha vida devido ao emprego do meu marido. Ele recebeu uma oferta de trabalho, e eu, que adoro lugares diferentes, não me opus”.
Entre os 17.000km que separam Salvador de Hong Kong, um mundo.
“A verdade é que todos lugares têm coisas boas e ruins, apesar dessa parecer ser uma resposta clichê. Entre Brasil e Ásia, há diferenças enormes, é claro, mas acho que a diferença maior é que aqui eu sou muito mais diferente das pessoas que morando no Brasil ou na Europa. Uma vez que sua cabeça aprendeu a lidar com as diferenças, tudo se torna mais fácil”.
Ela nem consegue lembrar um grande choque com a mudança para o outro lado do Mundo: “Hong Kong é muito mais ocidentalizada que outros países asiáticos. Uma das coisas que me encanta aqui é a mistura do moderno com o antigo. Ver arranha-céus misturados com lojinhas tradicionais de chá. É ver muitas diferenças conviverem relativamente bem em um só espaço”.
“Istambul é uma dessas cidades que eu já amava antes de conhecer, e no dia que eu pisei os pés nela o amor só cresceu. Istambul é uma confusão, é amor, é ódio, é moderna e tradicional, tudo isso mesclado a algumas imagens que eu já tinha na mente sobre a cidade”. Esse é um trecho da Carta de Amor que a Paula escreveu para Istambul.
“Não dá muito para ter uma resposta racional quando o assunto é amor, não é? Poderia falar da comida, da simpatia das pessoas e da importância histórica da cidade, mas tudo isso é secundário”.
Paula diz que, além de Istambul, há vários lugares preferidos no coração dela, e um deles é guardado especialmente para a Coreia do Sul. “A Coreia do Sul representa muito do que o nosso imaginário tem de Ásia, com educação e organização, e mais pessoas falando inglês que no Japão e na China, por exemplo, o que facilita para os tristas. Do ponto de vista histórico, é um país muito rico também, e só em Seul há 5 palácios para se visitar”.
Ao encontrar poucos relatos falando sobre como é a experiência de blogueiros negros, Paula viu nascer aí uma oportunidade de conversar com uma parcela grande da população de viajantes e agregar a experiência dela a esse debate.
“No começo, tinha um receio de escrever sobre, afinal não é fácil escrever sobre algumas memórias doloridas, não é? Com o passar do tempo, me senti um pouco na obrigação de mostrar que para nós, negros, viajar passa quase sempre por pesquisar sobre racismo e sobre violência racial em alguns países”.
Compartilhar experiências e dicas sobre destinos fez com que o público respondesse de forma positiva, na esmagadora maioria das vezes.
“Muitos leitores negros me mandam comentários, agradecem, se solidarizam e dividem comigo as experiências deles. Há também os haters, as pessoas que minimizam, e pasmem: aquelas que querem me ensinar o que é racismo, e também tentam me convencer que não existe racismo no Brasil”.
Essa representatividade tem uma importância fundamental a quem se propõe a debater o racismo e a mostrar que é, sim, possível colocarmos uma mochila nas costas e conhecer o mundo.
“É saber que não estamos sozinhos no mundo (e na luta!) é ver que as preocupações que eu tenho, outras pessoas negras também têm. É mostrar para outras pessoas negras que nós também podemos viajar”.
No canal do YouTube, Paula conta um pouco sobre as experiências dela em diversos locais espalhados pelo mundo. Vale a pena conferir o vídeo abaixo.
Como mulher negra e que muitas vezes viaja sozinha, Paula já sofreu racismo em viagens e compartilhou a experiência no blog dela. E chama a atenção para uma questão que nem todo mundo consegue compreender.
“A relação racismo x viagem é algo que nunca passa pela mente de uma pessoa branca, mas com que nós negros sempre nos preocupamos. Um viajante negro sempre tem dúvida e receios se sofrerá racismo em certos lugares – e em alguns casos até troca de destino”.
Paula conta que passou por um episódio de racismo na Finlândia que foi um tanto dolorido. “A Finlândia encabeça minha lista de países mais racistas da Europa, porque foi o único lugar que temi pela minha integridade física, senti muito medo e pensei que fosse virar mais uma estatística dos crimes de ódio que têm voltado com força”.
Ela conta a experiência nesse texto aqui: “Os finlandeses são racistas”?
“Depois disso, passei alguns meses com receio de viajar sozinha. Minha primeira viagem sozinha depois disso tudo me fez ver que, apesar dos pesares, ainda tem muitas pessoas hospitaleiras no mundo”.
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