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Navios Assistência: a Marinha do Brasil levando atendimento médico ao interior do Amazonas

“A população ribeirinha é carente de tudo. E você poder levar atenção e carinho, medicamentos e instrução a quem realmente precisa é muito gratificante. Nós nos sentimos essenciais e agradecidos por ajudar ao próximo”, diz a Primeiro-Tenente (RM2-S) Fernanda, da Marinha do Brasil, que trabalha em um dos Navios de Assistência Hospitalar.

Em 1541, o capitão espanhol Francisco Orellana olhou pra aquela imensidão de água e a batizou como ‘Amazonas’. É tanta água que, no maior estado do Brasil, de cada três cidades, duas não têm acesso rodoviário. No Amazonas, o rio é mais estrada que próprio o asfalto.

E se não podemos chegar de carro, como levar assistência médica e hospitalar para mais de 728 mil pessoas que vivem na área rural do estado? Através dos NAsH, sigla usada para designar os quatro Navios de Assistência Hospitalar da Marinha do Brasil, que navegam pelo Amazonas e em mais três estados da região Norte.

Nessa edição da Vozes, a Tenente Fernanda nos conta como é o trabalho da Marinha no Amazonas e como é viajar pelas águas do maior rio do mundo em extensão e volume de água.

Navio de Assistência Hospitalar: o trabalho da Marinha do Brasil

De acordo com um estudo publicado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em 2017, do total de 4.844 médicos do Amazonas, 4.508 (93,1%) estão na capital. Os 336 (6,9%) restantes se dividem para atender 62 municípios espalhados por uma área de 1,57 milhão de quilometros quadrados.

Manaus abriga pouco mais da metade dos cerca de 4 milhões de habitantes do estado. A razão médico por 1.000 habitantes do Amazonas é de 1,19 e coloca o estado entre os cinco com a menor relação de médicos por habitantes no país.

Para ajudar a levar atendimento médico às regiões mais isoladas, onde só se chega depois de dias de navegação, os Navios de Assistência Hospitalar da Marinha do Brasil são a principal alternativa. Eles realizam atividades de promoção, cuidado e de atenção à saúde básica das comunidades ribeirinhas da Amazônia. São feitos atendimentos médicos, odontológicos, de enfermagem, exames laboratoriais e de imagem, tudo planejado de acordo com o período de navegabilidade dos rios (seca e cheia).

É um trabalho de extrema importância, pois eles levam atendimentos em lugares onde as pessoas não têm acesso aos serviços de saúde da rede pública (SUS). Os NAsH atracam em cidades mais próximas e, de forma itinerante, atendem as comunidades isoladas.

“Uma de nossas preocupações durante as missões é atender todas as casas das comunidades, especialmente as isoladas, mesmo aquelas em lugares onde os navios não chegam, devido à baixa profundidade. Para isso, as equipes se deslocam de lanchas ou mesmo de aeronave. São feitas visitas domiciliares com equipe de saúde (médico e técnico de enfermagem) e, quando necessário, é feita a remoção do paciente para o navio”.

Atualmente, quatro NAsH são subordinados ao Comando da Flotilha do Amazonas e atuam na área de jurisdição do Comando do 9° Distrito Naval, que compreende os estados do Acre, Amazonas, Roraima e Rondônia. São eles: Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Doutor Montenegro e Soares de Meirelles.

Fernanda conta que mesmo oferecendo basicamente os mesmos serviços, os navios possuem algumas diferenças entre si. Os Navios de Assistência Hospitalar da Marinha do Brasil- Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, possuem convoo, o que permite a realização de evacuações aeromédicas. Os NAsH Carlos Chagas, Doutor Montenegro e Soares de Meirelles possuem aparelho de mamografia e atuam diretamente na prevenção do câncer de mama.

Como é feito o planejamento para atendimento da população ribeirinha

Antes de zarpar, a Marinha faz um planejamento com base nas condições de navegabilidade dos rios. A meta é visitar cada polo ao menos duas vezes por ano. Toda a logística é responsabilidade do Comando da Flotilha do Amazonas, onde são feitos pedidos de medicamentos, materiais de consumo médico, odontológico e laboratorial, de acordo com os dias de duração da comissão para abastecimento do navio.

Também são formadas as equipes de saúde (médicos, dentistas, enfermeiros, farmacêuticos, técnicos de enfermagem, técnicos de raio-x e técnicos de higiene dental) que irão atuar nas comissões.

Entre os procedimentos oferecidos nas embarcações, a Tenente explica que os mais comuns são “consultas, exames físicos, pequenos procedimentos cirúrgicos e, algumas vezes, partos. A maior necessidade é de médicos especializados, como ginecologistas, dermatologistas, pediatras e oftalmologistas”.

Os navios já levam um estoque de medicamentos para distribuição, de acordo com uma expectativa de atendimentos e pelo histórico de doenças prevalentes da região visitada. Necessidades extras, tanto de medicamentos, quanto de exames, são encaminhadas ao hospital de referência mais próximo da comunidade e/ou município.

Fernanda conta que as missões costumam durar entre 15 e 30 dias. Uma em especial, conhecida como Operação Acre, dura quatro meses. De janeiro a abril, o Navio de Assistência Hospitalar Doutor Montenegro leva atendimento às comunidades no Alto Juruá, no estado do Acre. A Operação Acre completou este ano a sua 20ª edição.

“É uma experiência incomum. Porque além de você ficar longe de quem ama, também tem que aprender a conviver com outras pessoas que nem sempre fazem parte de sua rotina”. E essa é a realidade encontrada por cada um que embarca nas missões. Pai, mãe, companheiros, filhos… todos ficam pra trás, em uma distância que rio algum pode mensurar. Muitas das vezes, eles ficam sem contato por dias, já que no meio do rio, sinal de celular é artigo de luxo.

Os desafios da Marinha do Brasil para a promoção da saúde

Qualidade de vida é um direito básico de todo cidadão. De acordo com o IBGE, 12% da população amazonense sofre com algum tipo de restrição ao acesso a serviços de saneamento básico e ausência de banheiro no domicílio.

A Agenda 2030 da ONU é um plano de ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade. Os objetivos e metas vão estimular a ação, nos próximos anos, em áreas de importância crucial para a humanidade, como a região amazônica.

Uma das meta é atingir a cobertura universal de saúde, incluindo a proteção do risco financeiro, o acesso a serviços de saúde, vacinas e medicamento essenciais, seguros, eficazes, de qualidade e a preços acessíveis para todos.

Além disso, também é preciso assegurar para todos a disponibilidade e gestão sustentável da água, alcançar o acesso a saneamento e a higiene adequados e equitativos e acabar com a defecação a céu aberto, com especial atenção para as necessidades das mulheres e meninas e daqueles em situação de vulnerabilidade social.

Sem dúvidas, o trabalho realizado pela Fernanda e pelas equipes da Marinha do Brasil ajudam a levar qualidade de vida a essa parcela da população brasileira. Mas não se engane: não é tarefa fácil. Além das dificuldades logísticas, é preciso também muito jogo de cintura pra poder trabalhar com comunidades tão isoladas dos grandes centros.

A Tenente Fernanda conta que isso ocorre principalmente na interação com os ribeirinhos. “Por serem tão isolados eles acabam tendo dialetos e gírias próprias, que podem dificultar o exame clínico e o diagnóstico de uma doença. Mas, com o tempo, a equipe de saúde acaba se adaptando e, a partir daí, fica mais fácil o trato com os pacientes”.

Além de levar o atendimento médico, outra função dessas equipes é a de conscientizar a população sobre a importância de dar prosseguimento aos tratamentos que eles necessitam.

“Durante nossas missões, tão importante quanto os atendimentos de saúde em si, é o trabalho de conscientização das comunidades nos cuidados básicos com a saúde: escovação dental diária, higienização das mãos, do banho diário, etc. São feitos trabalhos educativos e palestras com adultos, jovens e crianças sobre esses temas e todos são sempre muito receptivos. A mensagem passada é que é fundamental que cada um faça sua parte, observando a si mesmo e ao outro (filhos, cônjuge, pais, avós) nos cuidados com a saúde”.

A Tenente conta dois casos que ficaram registrados na memória: “Foi feito um atendimento médico para coleta de preventivo numa paciente de 38 anos. Ela relatou nunca ter feito esse tipo de exame e ficou muito emocionada e grata por ter tido a oportunidade de realizá-lo. Em outra ocasião, foi atendida uma paciente de mais de 50 anos em que, através do exame de mamografia, foi identificada uma lesão de câncer de mama. Essa paciente foi encaminhada pela equipe de saúde para a Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas. Hoje, já está em tratamento. Tudo isso só foi possível devido ao diagnóstico precoce da paciente, feito no navio”.

O trabalho dos Navios de Assistência Hospitalar da Marinha do Brasil durante a pandemia

“Na atual conjuntura, em face da pandemia causada pela Covid-19, as ações primárias de saúde e os atendimentos eletivos não são indicados”.

Os Navios de Assistência Hospitalar da Marinha do Brasil, subordinados ao Comando do 9°DN destinam-se ao atendimento de saúde de nível primário, sendo capacitados para realizar atendimentos eletivos e ações básicas relacionadas à diminuição do risco de doença e à promoção da saúde, não possuindo área de isolamento de pacientes com doenças de alta transmissibilidade.

“Continuamos realizando o planejamento de nossas comissões de atendimento hospitalar, mantendo nosso estoque de medicamentos, realizando a manutenção de rotina dos equipamentos de saúde e apoiando a unidade de saúde que é a Policlínica Naval de Manaus”.

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Fernanda Pádua

Tenho BH como meu ponto de partida e o meu porto seguro. Entrei pela primeira vez em um estádio de futebol aos 10 anos e ali descobri que queria ser jornalista. 20 anos depois, me tornei repórter esportiva e viajante nas horas vagas. Fiz intercâmbio na Irlanda em 2016/2017, pra estudar inglês. Tenho um objetivo de visitar todos os estados brasileiros e metade dos países do mundo e já percorri boa parte do trajeto, mas várias histórias e paisagens legais ainda estão por vir.

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Fernanda Pádua

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