Entrei pela segunda vez na vida no Metropolitan Museum of Art (MET), em Nova York, desta vez determinado a pelo menos conseguir botar os olhos sobre a coleção inteira (que é diferente de apreciá-la, veja bem). Como o Louvre, em Paris, o Rijksmuseum de Amsterdam, ou o British Museum de Londres, é um desses supermuseus cuja coleção tão grande e impressionante precisa ser vencida em dias de exploração curiosa. É quase uma batalha mesmo, sinto até palpitação.
No imenso saguão de entrada, um cartaz anunciava a exposição temporária em comemoração aos 80 anos de David Hockney, o artista britânico que é um dos meus favoritos na vida. “Danou-se”, pensei, prevendo que ficaria imerso em sua obra por tempo suficiente para dar W.O. no desafio autoimposto. Estava certo: a mostra que vai até 25 de fevereiro de 2018 no MET promove uma linda leitura da obra dele, de diversas fases, incluindo alguns de seus quadros mais famosos.
David Hockney, 80 anos, numa exposição na Austrália. Foto: Allan Henderson (CC BY 2.0)
Mesmo sabendo que Hockney era gay, eu não imaginava o tamanho da influência desse traço de sua personalidade na obra – que a exposição revela pelos textos que acompanham os quadros. Sua produção é profundamente influenciada pela proibição da homossexualidade no Reino Unido, retirada só em 1967. As obras mostram os primeiros amores clandestinos do artista, sua relação doméstica com o amado, Peter Schlesinger, e amigos gays.
Foto:Victoria Pickering (CC BY-NC-ND 2.0)
Em “My Brother is Only Sventeen”, de 1962, David mostra no centro do quadro o encontro ambíguo de dois homens meio fantasmagóricos, e acrescenta referências literárias e códigos secretos para o que chamaria de “propaganda do desejo gay”. Em uma época em que atos sexuais homoeróticos eram crime, ele pintou “Cleaning Teeth, Early Evening”, também em 1962, com duas figuras em posição de sexo oral, substituindo os genitais por tubos de pasta de dente. Em “Domestic Scene”, de 1963, o britânico apresenta com toda naturalidade um homem esfregando as costas de outro, nu, durante o banho.
Da relação com Schlesinger, que foi sua maior paixão e seu aluno na UCLA (University of California), dois quadros são mais marcantes. “The Room, Tarzana”, de 1967, mostra Peter deitado de bruço em uma cama, vestindo camiseta e meias brancas apenas. O sol invade o quarto, e a cena caseira ganha força artística justamente por sua simplicidade. Já “Pool and Steps, Le Nid du Duc”, de 1971, mostra o canto de uma piscina e alguns degraus, que pertenciam à casa de veraneio de um amigo de Hockney em Saint-Tropez, na riviera francesa. Passa quase despercebido o par de chinelos à beira da piscina, abandonados por Peter, como uma metáfora do casal naquele momento (eles se separariam no retorno a Londres).
O quadro “Pool and Steps, Le Nid du Duc”, na exposição do MET.
Foto: Victoria Pickering (CC BY-NC-ND 2.0)
Para o pintor, seu modelo de relacionamento de sucesso era o casamento do amigo, o escritor Christopher Isherwood, com o artista Don Bachardy, trinta anos mais novo. Por isso ele os pintou sentados em um sofá em 1968 em uma troca de olhares que tornou este um de seus quadros mais célebres.
A mostra ainda passeia pelas colagens, abstracionismos e deliciosos estudos mais recentes de um Hockney maduro. Aprendi que é impossível dissociar sua obra da proibição da homossexualidade em sua terra natal, e percebi que qualquer pessoa LGBTQI+ vai se identificar imediatamente com a angústia inicial representada nas obras. Quanto ao MET, da próxima vez eu dou cabo nele (acho).
Exposição 82 Portraits. Foto: Allan Henderson (CC BY 2.0)
O site oficial do David Hockney lista todas as exposições em cartaz com a obra do artista:
“DAVID HOCKNEY”, no Metropolitan Museum of Art em Nova York, até 25 de fevereiro de 2018;
“DAVID HOCKNEY RA: 82 PORTRAITS AND 1 STILL LIFE”, no Guggenheim Museum, em Bilbao, até 25 de fevereiro de 2018
“DAVID HOCKNEY: THE ARRIVAL OF SPRING”, em Salts Mill, Saltaire, West Yorkshire, Reino Unido, até 6 de maio de 2020 (essa exposição fica próxima a casa onde David vive)
O site também indica quais serão os próximos museus pelo mundo a receber os trabalhos de Hockney.
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