Como aprender a esquiar nos Estados Unidos

O vento frio batia em meu rosto enquanto eu descia rapidamente a montanha nevada. Quer dizer, nem tão rápido assim, afinal um grupo de pequenos esquiadores, crianças de no máximo quatro anos, descia a mesma pista que eu, no mesmo ritmo, mas com muito mais desenvoltura – não vi nenhuma delas cair. Eu, bem, digamos que tive que ser levantado do chão algumas vezes pela Shannon, a instrutura que me acompanhou por dois dias.

As crianças que vi esquiando em Jackson Hole, vila de 10 mil habitantes que fica no Wyoming, parecem ter nascido adaptadas para isso. Em geral esse não é o caso de crianças ou marmanjos brasileiros, que crescem só conhecendo a neve fake de árvores de natal de plástico. Mas isso, claro, não quer dizer que a gente não possa se divertir com esquis nos pés. Para mim, os dois dias esquiando no Jackson Hole Mountain Resort foram inesquecíveis – uma das experiências de viagem mais divertidas que já tive. E olha que sou um sedentário assumido, do tipo que nunca se deu bem com esportes.

Descendo a pista (Foto: Tiago Caramuru)

Há algo mágico em conseguir descer a pista pela primeira vez: o branco onipresente, o frio, o vento gelado no rosto e a sensação de deslizar montanha abaixo. Gostei tanto que não perdi uma oportunidade sequer de repetir a dose. E assim esquiei dois dias inteiros. Numa pista para inciantes, claro, mas com o mesmo prazer que vi estampado nos rostos de muitos esquiadores de nível avançado.

“Hoje é o primeiro dia de esqui deles”, contava orgulhosamente a Shannon, toda vez que dividíamos a gôndola com mais esquiadores. A maioria deles seguia para outras pistas. Nós – eu e o Tiago Caramuru, do 3em3, ficávamos sempre na primeira parada. Fizemos esse percurso dezenas de vezes. Os elogios vinham toda vez que tinha mais alguém subindo com a gente. “Vocês estão indo muito bem”, disse um esquiador. “O importante é se divertir. Não se esqueçam disso”, ensinou o outro.

É, fui ao chão (Foto: Tiago Caramuru)

A Shannon concordou. “Você só deve se preocupar em se divertir”, ela me disse várias vezes, sempre que eu sofria alguma queda bizarra e ficava nervoso com isso. Não me machuquei uma única vez e logo aprendi a rir desses momentos. Que não demoraram a ficar mais raros, ao mesmo tempo em que minha técnica com esquis nos pés foi melhorando. “Você gosta de velocidade, não é?”, perguntou ela. Eu concordei, para ouvir de volta: “Percebi. É quando você está descendo a pista, com o vento batendo mais forte e olhando para a montanha, que seu sorriso fica maior”.

Além de contratar um instrutor, necessário para quem nunca esquiou, é preciso alugar o equipamento. Para isso, no primeiro dia fomos na Jackson Hole Sports, onde descobrimos o tamanho dos esquis, alugamos roupas apropriadas e equipamentos de proteção, como o capacete e os óculos para esquiar. Tudo pronto e com o andar meio robótico, por conta das botas de esqui, pegamos o passe dos elevadores – a gôndola, necessária para te levar ao topo da pista depois da descida – e começamos a aula.

Em poucos minutos a Shannon nos ensinou a andar com os esquis, a deslizar e a parar. Descemos algumas vezes a pequena pista da escola de esqui, subindo de volta na esteira. Aprender a virar também estava no programa, com direito a cones que precisavam ser devidamente driblados. Após algumas horas, a instrutora achou que estávamos prontos para descer a pista de verdade. E lá fomos nós, sentir o vento gelado nos empurrando montanha abaixo.

Por falar no frio, eu levei do Brasil as roupas mais quentes que tinha no armário, incluindo as únicas luvas e touca que tenho. Não eram muitas, mas, junto com a calça e a jaqueta impermeáveis que peguei na estação de esqui, foi tranquilo aguentar o frio. Que estava forte: vi os termômetros marcarem -9°C. “A ordem é se vestir como uma cebola”, sintetizou um guia, durante um dos passeios que fizemos nos arredores de Jackson. Tem sentido. Quanto mais camadas, melhor. Se ficar com calor é só remover uma delas.

Leia também: Como se vestir para neve e frio

Como todo exercício físico, esquiar cansa. Fui dormir cedo todos os dias e na manhã seguinte senti músculos que não sabia que existiam. As panturrilhas, acionadas para diminuir a velocidade dos esquis, saíram fortalecidas da montanha. Bom que queimei as calorias que encontrei nos restaurantes da cidade – e nos copos de chocolate quente, entre uma esquiada e outra.

(Foto: Tiago Caramuru)

Esqui em Jackson Hole Mountain Resort no EUA

Por falar nisso, a estrutura turística da região é ótima. Nas últimas décadas a cidade se converteu num dos maiores destinos de inverno do Estados Unidos e o Jackson Hole Mountain Resort foi eleito cinco vezes seguidas como o melhor resort de esqui do país, pela revista Forbes. Com isso os hotéis, sejam os do centro de Jackson ou na Teton Village, aos pés da montanha e a apenas 20 minutos do centro, estão sempre cheios no inverno. A cidade também viu o surgimento de um monte de restaurantes interessantes.

Minha estadia foi no novíssimo Hotel Jackson, que fica no centro da vila. Eles oferecem transfer diários para a estação de esqui, o que facilita o deslocamento. Assim, toda vez que sobrava tempo, eu aproveitava a localização para perambular pelas ruas de Jackson, em busca de lugares legais. Já quem opta por ficar no pé da montanha tem a disposição o Four Seasons, que fica dentro do complexo e de frente para as pistas de esqui.

A proximidade com o Parque Nacional do Yellowstone, o primeiro do planeta, e o Parque Grand Teton, mantêm a cidade movimentada no restante do ano. Quem vai no inverno costuma dividir seu tempo entre esquiar, ir de snowmobile até o Yellowstone e conhecer as belezas e a vida selvagem da região. A noite quase sempre termina nos bares estilo cowboy – Jackson respira a Velho Oeste.

Além das pistas de esqui e das atrações nos arredores, a facilidade de acesso é outro ponto positivo. Jackson Hole tem um aeroporto, de onde partem voos para várias cidades norte-americanas. A conexão com o Brasil é fácil e explica por que os turistas verde e amarelos já são um grupo relevante. Fui com a American Airlines, que tem um voo de São Paulo para Dallas. De lá basta outro, com pouco mais de duas horas de duração, para chegar em Jackson Hole. Saiba como é o voo nesse post aqui – o avião que faz o trecho São Paulo – Dallas tem até internet.

E tome um pouco de geografia, afinal ela pode ajudar a entender melhor esse cantinho especial do planeta: o Wyoming é um dos maiores estados do país, mas tem apenas 563 mil habitantes, sendo o menos populoso dos Estados Unidos.- até o Alasca tem mais gente. Cheyenne, capital e maior cidade do Wyoming, tem só 60 mil moradores.  A consequência disso pode ser vista na paisagem que invade a janela do avião: natureza sem fim.

Acordamos cedo no penúltimo dia da viagem. Iríamos de van até uma das entradas do Parque Nacional de Yellowstone, que fica a cerca de 1h30 de Jackson. Lá, pegaríamos snowmobiles – motos para neve, numa explicação simplificada – e entraríamos no parque que serviu de casa para o Zé Colmeia e se tornou famoso em todo o mundo por suas belezas naturais.

Tudo certo, até que o excesso de neve atrapalhou os planos. O parque foi fechado por questões de segurança justo naquele dia, algo que é raro. “Antes desse inverno, a última vez que isso ocorreu foi há seis anos”, explicou o Jonh, guia que nos acompanhou. Um tremendo azar.

Aguardando a estrada reabrir 

Esperamos pela reabertura das estradas para voltar para o hotel, frustrados, mas certos de que esse pedaço do mundo merece uma segunda visita. Enquanto esperávamos, observamos o começo, o meio e o fim da vida de um boneco de neve. Quem disse que é só brasileiro acostumado com neve de plástico que se empolga num cenário assim?

Fui embora cinco dias depois de chegar. Trouxe para casa a vontade de esquiar mais vezes, de sentir novamente a sensação incrível de descer a montanha.

Atenção: Não é uma boa ideia viajar para os Estados Unidos sem um seguro de saúde internacional, já que os custos hospitalares lá são altíssimos. Leia aqui como achar um seguro com bom custo/benefício.

*A viagem do 360meridianos para Jackson Hole foi patrocinada pela American Airlines.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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