Como é ser estudante em Coimbra

Em setembro de 2014 eu embarquei para Portugal com o propósito de fazer um mestrado em Intervenção Social, Inovação e Empreendedorismo, na Universidade de Coimbra. Já contei num post tudo o que você precisa saber para vir estudar em Portugal. Concluí esse mestrado dois anos depois e acumulei bastante experiência sobre como é ser estudante em Coimbra.

Em outro post, expliquei como conseguir uma bolsa de estudos no exterior. Também já falei das minhas experiências no primeiro mês morando na cidade. Agora, enfim, está na hora de contar o que eu achei de tudo, com um olhar de quem já não é mais caloura na faculdade ou na vida em Coimbra.

Como é a vida em Coimbra?

Coimbra é uma cidade pequena, que vive por conta da Universidade. Uma universidade muito antiga, cheia de tradições centenárias. Tipo os estudantes que andam com o traje acadêmico e capas negras, não só em datas especiais, no dia a dia mesmo. Eu não tive que usar isso, porque é só para graduação. Ainda bem, porque um traje desses não sai por menos de 250 euros.

A cidade também tem duas festas muito tradicionais relacionadas aos estudantes: a Latada, em Outubro, que é tipo uma calourada, com uns dias de shows, cortejo dos calouros e veteranos pela cidade e, claro, muito trote (alguns divertidos, outros questionáveis). E a Queima das Fitas, em Maio, que é uma festa de uma semana inteira, celebrando os veteranos que se formam e os calouros que deixam de ser calouros. Em geral, costumam rolar grandes shows, inclusive de artistas internacionais, um grande cortejo dos estudantes com carros alegóricos e uma serenata.

Os estudantes reunidos num dos trotes, ou praxes, como eles chamam por aqui.

A maioria dos estudantes não é de Coimbra. Então, nos finais de semana eles vão para suas casas e a cidade vira um deserto. Domingo quase tudo fecha e tem pouca oferta de ônibus, inclusive para coisas turísticas. Isso, na verdade, é um costume português, porque todos os lugares que eu visitei, com a exceção de Lisboa e Porto, fazem isso.

Mesmo sendo pequena, Coimbra tem uma boa estrutura de lojas, restaurantes, bares, academia, salão de beleza e serviços em geral. Já a vida cultural, tipo shows, teatro e exposições, é certamente menos movimentada do que em Lisboa e Porto. Felizmente, as duas cidades ficam bem perto daqui.

Balada tem todos os dias. Em geral, o tipo de música que toca é variado, mas com muita música brasileira e ritmos africanos, tipo Kizomba. A maioria dos frequentadores são os estudantes da graduação, então a faixa de idade é mais jovem.

Eu não curto muito baladas e sinto falta de um bar afetivo por aqui. É engraçado que tem poucos bares mesmo, mas muitos cafés/pastelarias que servem cerveja baratinha. Aliás, os portugueses têm o estranho hábito de tomar um café antes ou durante a cerveja!

Mas o grande defeito de todos os lugares, muito agravado agora no inverno, quando não dá para ir a lugares abertos, é o cigarro – aqui é permitido fumar em lugares fechados. Eu reclamo disso o tempo todo, é insuportável para mim que sou alérgica. Já tive que ir embora de um show de samba porque passei mal com a galera jogando fumaça na minha cara sem o menor pudor. Fora o fedor as roupas e o cabelo ficam depois. Ufa, acabei meu mini-ataque de raiva.

Por fim, há os morros. Já contei isso no meu primeiro relato. Coimbra tem várias ladeiras – e a minha casa fica num dos pontos mais altos da cidade. O ponto positivo é que não tenho nenhum problema com o barulho da rua. O negativo é que tenho sempre que subir para voltar para casa, já que todas as pessoas, a faculdade e os bares estão para baixo.

Como é ser uma brasileira em Portugal?

Antes de vir, eu tinha muito medo de sofrer com preconceito ou machismo por ser brasileira. Felizmente, até hoje isso não aconteceu comigo. Sempre fui muito respeitada por todo mundo, seja na rua, seja na faculdade. Aliás, um ponto positivo para Coimbra é que aqui eu nunca recebi cantada na rua, uma coisa que me irrita muito. Eu só me dei conta disso quando estive na Ilha da Madeira e em Lisboa e alguém mexeu comigo enquanto eu caminhava.

Porém, nem tudo são flores. Mesmo não tendo acontecido nenhuma situação de machismo ou preconceito diretamente comigo, sei que aqui também tem muito machista, racista e gente preconceituosa. Algumas amigas brasileiras do mestrado me contaram de piadinhas idiotas que ouviram ou de situações mais chatas que passaram com portugueses com quem estavam ficando.

Eu já ouvi gente fazendo comentários racistas sem o menor pudor, mas acredito que o ambiente muito diversificado que a cidade vive nos últimos anos tem colaborado para que as pessoas superem esses preconceitos.

Com o Programa Erasmus, a Universidade de Coimbra é a instituição portuguesa que mais recebe estrangeiros vindos de toda Europa. Além disso, é enorme o número de brasileiros e brasileiras que vêm estudar aqui. Com as universidades portuguesas aceitando o Enem, essa quantidade de estudantes do Brasil só vai aumentar. E também existem vários programas de mobilidade com escolas africanas, então aqui tem muita gente de Angola, Cabo Verde e Moçambique.

Por fim, como estudante eu tenho os mesmo direitos que qualquer português. Ou seja, tenho acesso ao sistema de saúde público da Universidade, tenho descontos em atrações turísticas em Portugal e tenho direito a concorrer a bolsas do Erasmus para estagiar ou estudar um semestre fora de Coimbra, se eu quiser.

Como é o curso e a Universidade?

Para começar, preciso dizer que gostei muito do meu curso. Não podia ter feito uma escolha melhor. Mas aí é uma questão pessoal. Objetivamente, os professores são excelentes e são todos muito abertos para tirar dúvidas, conversar sobre a matéria e passar as informações.

No início eu tinha mais dificuldade para entender o português daqui, mas em pouco tempo já estava entendendo as aulas normalmente. Dizem que dependendo da área, tipo no Direito, os professores são mais pomposos e distantes, mas isso vária muito, acho que é mais uma questão de dar azar numa matéria específica do que regra geral.

Existe uma diferença bem grande entre o mestrado no Brasil e o mestrado em Portugal, ou melhor, na Europa em geral, já que a maioria das instituições da UE segue o Acordo de Bolonha. No Brasil, para você entrar no mestrado, já tem que ter um projeto desenhado e um professor para te orientar. Além disso, com algumas exceções, os mestrados brasileiros têm um foco mais acadêmico, para quem quer seguir carreira na universidade.

Já os mestrados na Europa, com esse tal de Acordo de Bolonha, são muitas vezes uma continuação da licenciatura. Ou seja, muita gente sai da graduação, que dura 3 anos (1º ciclo) e entra direto no mestrado, mais 2 anos (2º ciclo). Esses mestrados pós-graduação são chamados de mestrados de continuidade ou integrado.

Existem também mestrados como o meu, que é um curso de 2º ciclo, de dois anos, mas chama-se mestrado de Formação ao Longo da Vida (também existe o de Especialização Avançada). Esses cursos não são pensados para quem saiu da graduação, então você vai encontrar uma turma de idades, formações e experiências mais diversas.

A minha carga horária é medida em número de créditos, que são 120 no total. Eu tenho quatro disciplinas de 3 horas cada por semana, na sexta e no sábado, para facilitar a vida de quem trabalha. Isso no primeiro ano – no segundo eu só tenho duas matérias no primeiro semestre. Então, eu tenho todas essas disciplinas, leituras e trabalhos para ajudar a pensar a minha tese ou relatório de projeto para o ano seguinte. 

É uma lógica diferente do Brasil, já que tem muito conteúdo acadêmico, mas foco também na questão da prática e do mercado de trabalho. Porém, para quem pretende fazer o mestrado aqui e validá-lo no Brasil depois, essa diferença pode ser um problema. Minha sugestão é que você verifique, antes de sair do Brasil, o que precisaria para revalidar seu diploma português. Pode ser que você precise fazer umas disciplinas extras durante o mestrado, por exemplo.

Não se esqueça, quando terminar o curso, antes de voltar pro Brasil, de apostilar o seu diploma. Isso é fundamental depois para o processo de revalidação.

O custo de vida?

Depois de anos morando aqui e viajando dentro de Portugal, dá para ter uma clareza maior sobre o custo de vida. Sem dúvida, Portugal é o país mais barato da Europa para quem quer vir estudar aqui. Vamos falar na prática sobre os valores, tendo em vista que eu mantenho um app no celular e anoto absolutamente tudo o que eu gasto.

Aluguel:  Pagava 187,50 para dividir o apartamento com uma amiga na região da Rua do Brasil. Além disso, com as contas de luz, internet, gás e energia, meus gastos giravam em torno de 230 euros por mês. Eu fiz um post bem explicativo sobre como alugar apartamento em Coimbra LEIA – tem até dica de cupom de desconto no aluguel!!!

Alimentação: Nos três meses que morei aqui, gastei por volta de 180 euros com comida. É uma média boa, cerca de 25 euros por semana com supermercado. Eu certamente podia gastar menos, cortando restaurantes eventuais e os lanchinhos da cantina da faculdade.

Celular: Eu tenho um celular pré-pago, porque eles não me deixaram abrir uma conta aqui. Eu tentei usar o plano mais barato, mas em menos de 20 dias eu já tinha consumido todos os dados de internet. Resultado, agora eu pago 3,90 por semana para ter 5 GB todo mês.

Eu posso ligar de graça para qualquer número Vodafone e ter um plano de ligações para o Brasil que custa 6 centavos por minuto. Ainda assim, acho meu gasto por mês aqui com celular elevado. O pessoal do Erasmus gasta uns 10.

Mensalidade: Aqui não tem mensalidade. A propina da Universidade é cobrada por ano e eles dividem o valor em quatro vezes, o que dá 106 euros por mês. Isso é válido especificamente para o meu curso, já que vários cursos de Coimbra adotaram a lei que permite cobrar mais caro de estrangeiros. Nesse caso, a propina total seria de 7000 euros, dividida em 10 vezes.

Outros custos: Tenho outros gastos gerais, como as impressões de textos do mestrado, sair a noite e pequenas compras. Esse tipo de gasto varia muito para cada pessoa. Para mim, a média é de 50 euros por mês.

Viagem: Outro custo que é muito pessoal, mas como vocês podem perceber, esse também é o meu trabalho e um dos motivos que me fizeram estudar na Europa. Confesso, porém, que tenho gasto acima do previsto inicialmente. Nesses três meses em Portugal gastei, em média, 200 euros com viagens.

Total de gastos: Por volta de 775 euros por mês, somando tudo. Para quem não viaja e economiza em outras áreas consegue gastar uns 500 euros por mês tranquilamente.

Vai viajar? O Seguro de Viagem é obrigatório em dezenas de países da Europa e pode ser exigido na hora da imigração. Além disso, é importante em qualquer viagem. Veja como conseguir o seguro com o melhor custo/benefício e garanta promoções.

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

Ver Comentários

  • Oi, Luiza.

    Queria uma informação:

    no site da UC, diz-se que, no caso do 2o ciclo, durante o 1o ano é obrigatória a presença em Coimbra e no 2o ano é possível fazer a dissertação do Brasil

    Aí, há uma informação ao lado: 1o semestre ( inicio 12/09 - fim 21/12) e 2o semestre (inicio 06/02 - fim 31/05), ou seja, os semestres relativos ao 1o ano.

    Quero saber, por favor, se, nesse periodo de 21/12 até 06/02, eu poderia voltar ao Brasil e passar o mês com minha família, isto é, se são férias mesmo ou se há atividades.

    Obrigado.

  • Adorei o post Luiza!! N sei se vc sabe, mas agora os estudantes podem ir para Portugal com a nota do ENEM e depois de ter lido esta notícia eu fiquei bastante animada, pois estou no segundo ano do ensino medio e sempre sonhei em fazer faculdade fora. Penso em fazer jornalismo aí. O que vc acha disso? Acha q é uma bos ideia eu tentar uma vaga em Coimbra com a nota do enem?

    • Rafaela,
      Mesmo não sendo a Luiza acho que posso te ajudar com a pergunta. Na minha cidade muita gente está indo pra Coimbra graças ao ENEM. Coimbra usa um método diferente do Brasil para apurar o resultado da sua nota final -mais justo do que o do Brasil, na minha opinião- onde de acordo com o curso que você vai seguir algumas das áreas terão mais peso do que outras. Segue o link que explica:
      https://www.uc.pt/brasil/graduacao/enem/notas-enem
      Caso tenhas feito o ENEM para treino, tens como simular se terias ou não passado no curso com o cálculo que eles fazem!

  • Olá Luiza,
    Moro em Belém do Pará e um dia estava assistindo uma reportagem na televisão sobre brasileiros que escolheram estudar fora do país e uma das universidade citadas foi a de Coimbra. Ao final da reportagem corri para o computador e visitei o site da universidade e me encantei com o curso de tecnologia e mestrado que são oferecidos. A grade curricular é diferente da nossa e possui disciplinas que eu adorei. Fiquei com muita vontade de tentar algo na minha área novamente desde o primeiro ciclo e seguir em frente. Mas existe um problema, sou um homem de trinta anos e nunca sai do meu estado e neste aspecto de viver fora assusta. Muitas perguntas estão na minha mente: Será que é uma ilusão, sonho estúpido, ou uma aventura boba ? Tenho muita vontade de sair do Pará (para estudar e pesquisar), mas tenho medo. Nesse caso escrevo pois agradeceria a sua opinião nesse asapecto, pois você já viajou e enfrentou diversas situações nas quais hoje me fazem pensar muito se devo ou não sair daqui.

    • Oi Tadeu,

      Essa é uma decisão só sua, mas não, eu não acho bobagem de forma alguma querer estudar e ter uma experiência no exterior.

      O que eu não entendi é porque você gostaria de estudar novamente o primeiro ciclo se a sua área de estudos já é de tecnologia. Não seria mais interessante, e barato, partir diretamente para o mestrado?

  • Olá Luiza,
    Sabe como é o procedimento pra ingressar em um mestrado da UC
    Existe uma prova, dissertação ou é por currículo?

    Acabo de me formar em Direito, passei na OAB e agora o proximo passo é uma especialização/intercâmbio.

    Gratidão! ^^)

  • Olá Luiza

    Obrigado pelo texto, tem ajudado muito, fiquei com a seguinte dúvida, é possível ter algum trabalho remunerado durante intercâmbio de ensino superior? Algo como meio turno para ajudar nos gastos. abçs

  • Olá ,
    parabéns pelo blog,muito explicativo. Gostaria de obter informação sobre graduação na área de arquitetura, tenho 18 anos e quero estudar em Portugal.Soube que os melhores cursos estão ai. É fácil conseguir apt p dividir? Preciso levar qt em euros para o primeiro ano?

    • Oi Rafaela,

      sobre o curso de arquitetura especificamente não tenho como te informar, porque não é a minha área. Sugiro que você envie um email para a coordenação do curso pedindo mais informações.

      Sobre encontrar lugar para dividir: sim, é bem tranquilo. E você pode deixar para procurar quando já estiver aqui, se quiser. Explico mais sobre isso nesse post: https://www.360meridianos.com/2015/04/como-alugar-apartamento-coimbra-portugal.html

      Em euros, para o primeiro ano, eu calcularia 500 euros por mês mais o valor da propina do seu curso.

  • Olá
    estou querendo estudar em Coimbra, mas não tenho recursos financeiros suficiente para isso.
    Você já foi com uma boa quantia guardada? Arrumou dinheiro trabalhando lá? Como conseguiu se sustentar?

    • Oi Maria Eduarda,

      Eu trabalho com o blog, que é como se fosse um trabalho a distância do Brasil.
      Mas a grande maioria dos brasileiros que conheço por aqui juntou o dinheiro antes de vir. Bolsa de estudos só vi rolar depois de um ano de curso e emprego nem todo mundo consegue.

      Abraço

  • Oi Luiza, adorei o seu site, estou fazendo uma pesquisa para fazer um mestrado de direito em Portugal, e estou achando excelente as dicas!!!
    Por isso, gostaria de saber se há possibilidade de trabalhar e estudar ao mesmo tempo?
    Será que eu teria mais facilidade em um subemprego do que na minha área, mesmo que seja um estágio? Sei que o trabalho está difícil, para advogada brasileira deve ser pior ainda....
    Você tem conhecimento de advogados brasileiros alunos de mestrado, trabalhando na área em Portugal?? Poderia comentar...

    • Oi Ana Paula,

      É possível achar emprego e conseguir uma autorização do SEF? Sim, mas não é fácil! Portugal está em crise há muitos anos, mas você pode tentar conseguir, seja subemprego, seja na sua área.

      Não conheço ninguém da área do direito por lá, então não sei se dizer se os alunos brasileiros conseguem emprego na área.

  • Boa noite Luiza,

    Pretendo me instalar próximo a faculdade de direito, não sei bem qual seria a melhor localização para locação. Você tem alguma sugestão? Consigo fazer pesquisa por sites que sejam fieis em sua publicação?

    Obrigada.

    Giulia

  • Olá Luiza! pretendo estar começando meus estudos na UC, fui aprovado e ingresso no início do semestre em agosto. Gostaria de saber, é relativamente fácil arrumar emprego em shoppings,comércios de rua e afins?

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Publicado por
Luiza Antunes

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