Dona da segunda maior rede ferroviária do mundo, com 121 mil quilômetros, a China facilita o deslocamento do turista. De uns tempos pra cá, então, a coisa tem ficado cada vez mais simples. É que o boom econômico resultou na ampliação das linhas e estações e fez com que o país se tornasse também a maior referência em trens de alta velocidade no planeta.
Trens confortáveis, rápidos e pontuais contrastam com a malha aérea mais impontual que existe por ai. Segundo um relatório do governo chinês, 30% dos voos domésticos atrasam, número referendado pelo o site FlightStats, que coloca 14 aeroportos chineses dentre os 20 que mais registram atrasos no globo. A explicação para o problema está numa mistura entre clima instável, aumento no número de voos nas últimas décadas e, principalmente, na grande restrição militar do tráfego aéreo. Apenas 30% do espaço aéreo chinês pode ser usado pela aviação comercial – nos Estados Unidos, a estimativa é que a liberação chegue a 80%, diz a BBC.
Números que só reforçam uma coisa que você vai perceber na prática. Na China, viajar de trem quase sempre vale mais a pena que voar. Há exceções, claro, até porque a malha ferroviária pode ser ampla, mas ainda não chega em todos os cantos do gigante asiático. Além disso, às vezes viajar de avião pode ser mais barato. Pesquise bem antes de montar seu roteiro. Se a opção pelos trilhos for a melhor para você, então siga nosso passo a passo sobre como viajar de trem na China.
Veja também: Como tirar o visto da China e preencher o formulário
Quanto custa viajar para a China?
O site oficial do sistema ferroviário chinês tem um nome esquisito e fama de ser quase impossível para forasteiros: é o www.12306.cn. Os problemas começam pelo idioma, já que o site só tem a versão na língua local. Dá até para resolver isso se você falar mandarim, mas restarão dois desafios – para fazer a compra, só com um cartão de crédito emitido por um banco chinês e com um chip de telefone local. Essa é, inclusive, uma das poucas vantagens de viajar de avião, já que as empresas aéreas têm sites em inglês e não fazem esse tipo de restrição.
Para driblar o problema, o jeito é fazer a compra via agências de turismo. Isso aumenta o valor da passagem, afinal há uma comissão envolvida, mas simplifica seu trabalho. Nós compramos com China Highlights, que tem serviço em inglês e um site detalhado com informações sobre o país. Outra agência conhecida que faz esse serviço, mas que não testei, é a Travel China Guide.
O procedimento nos dois sites é simples e parecido. Procure a opção “trains”, escolha a estação de saída, a de destino, a data e aperte procurar. Você pode pesquisar um trem de cada vez ou vários, usando a opção “add”. As imagens abaixo são do site da China Highlights, que vai servir de exemplo aqui.
A tela seguinte mostrará as opções encontradas para o trecho. Além dos horários, note que há vários tipos de trens e de classes. Falarei disso no próximo tópico, mas note que clicando em cada tipo de bilhete, como Business Class ou 1st Class, aparece uma foto dessa opção.
É possível refinar a busca por tipo de trem, horários e estações (as grandes cidades têm mais de uma). Ao lado do preço, que está estimado em dólares americanos, um número indica quantos tickets ainda estão disponíveis naquele trem. Se no lugar deste número estiver um asterisco é porque a venda para aquele trem ainda não abriu – isso costuma ocorrer 30 dias antes da data da viagem. Ainda assim você pode comprar, já que a agência faz uma lista de reserva e adquire os tickets no momento em que a venda é liberada pelo sistema ferroviário chinês.
Após escolher, basta apertar “Book”. Na próxima tela você precisa preencher os dados dos passageiros e os de pagamento. Importante: preencha as informações sem erro e exatamente iguais ao que está no seu passaporte. Em caso de divergência, o fiscal pode implicar e impedir o seu embarque. Isso quase aconteceu comigo, mas num aeroporto, porque o espaço fornecido para preenchimento não era suficiente para meu nome completo.
Nessa tela você pode escolher também se prefere receber seus tickets num endereço na China (seu hotel, por exemplo) ou retirá-los na estação. O serviço de entrega no hotel tem algumas restrições. Não vale para compras de última hora e em feriados nacionais, por exemplo. Se optar pelo delivery, será necessário fornecer o nome, endereço do estabelecimento e datas de check-in e check-out. Esse é o método mais cômodo e compensa a taxa extra, que é de cerca de 10 dólares.
Só que essa opção não estava disponível em nossa viagem, porque fomos em pleno Ano Novo chinês. Por isso, tivemos que pegar os bilhetes na estação de trem. Fora a perda de tempo, é tranquilo – e as agências costumam enviar um guia explicativo de como fazer isso, após a compra da passagem. Há uma taxa de 5 yuans para a emissão de tickets cuja a viagem comece em outra estação. Como é baratinho, numa mesma estação você consegue imprimir todos os tickets da viagem.
Na sequência é possível escolher os assentos preferidos. Há uma opção em que você indica que aceita outros lugares, caso os de sua preferência não estejam disponíveis. No tópico abaixo você fala também se aceita lugares mais caros ou baratos no mesmo trem, lugares idênticos em trens que partam uma hora depois ou antes do que você escolheu ou trens similares, desde que no mesmo dia. Essas opções são importantes para quem viaja na alta temporada chinesa – foi só ticando algumas delas que garantimos todos os trechos que tentamos.
Depois de revisar tudo, é só seguir para a tela de pagamento. Leve o mesmo cartão de crédito nessa viagem, já que em teoria ele pode ser cobrado na hora de retirar os bilhetes na estação de trem – não me pediram, mas é bom seguir as regras.
O preço vai depender da classe escolhida e época da sua viagem. Apenas para você ter uma base de comparação, nós fizemos três viagens de trem, que totalizaram 2800 km e pelo menos 20 horas nos trilhos. Todas as viagens foram em trens de alta velocidade, mas nas classes mais baratas. Gastamos cerca de R$ 1000 por pessoa ao comprar pela agência.
Sim. O único risco é os lugares estarem esgotados, o que é mais provável para trechos longos, mas menos comum para trechos que envolvem cidades próximas, no esquema bate-volta. Além disso, vale ficar atento ao calendário. Se sua viagem for na alta temporada, quando os chineses também fazem as malas, não deixe para comprar na estação.
Tenha atenção especial com dois feriados: o Ano Novo chinês, que ocorre entre janeiro e fevereiro, dependendo do ano, e o da fundação da República Popular da China, que é celebrado na primeira semana de outubro. Nesses dois períodos, comprar a passagem pela internet pode não bastar – é preciso reservá-la o quanto antes, com meses de antecedência.
Se não for o seu caso e você resolver comprar as passagens por conta própria, na estação de trem, tenha as informações básicas, como data, destino, tipo de trem, tipo de ticket e classe, anotadas num papel, em mandarim. Não há nenhuma garantia que a pessoa responsável pelo guichê de vendas fale inglês. Use e abuse da mímica e dos aplicativos de tradução simultânea. Baixe o Google Translate antes de sair de casa, já que ele não está disponível para download lá, por conta da censura.
Bilheteria da estação de trem, em Xangai
G – Os melhores que você pode pegar. Eles viajam a até 350 km/h e são modernos e confortáveis. Essa categoria se divide em duas: os trens de alta velocidade mais antigos e, até o momento, mais comuns, são os chamados “hexiehao”. E há os melhores de todos os trens chineses, chamados de fuxinghao, que foram lançados em 2017. Esses trens alcançam 400 km/h e têm comodidades como rede de wi-fi e mais espaço entre as cadeiras.
D – Também rápidos, mas nem tanto: só 250 km/h.
C – Viajam a uma média de 200 km/h e são muito comuns em trechos menores.
Z – 160 km/h e paradas apenas em grandes estações (ou sem paradas entre o local de partida e o de destino).
T – Trens que atingem 140 km/h.
K – Os mais lentos da turma – apenas 120 km/h.
Os trens G, D e C são considerados de alta velocidade; os trens Z, T e K são os normais. E há outras diferenças. A mais importante delas é o banheiro: nos trens do primeiro grupo existe a versão ocidental; nos do segundo apenas o banheiro chinês, ou seja, o famigerado buraco no chão. Além disso, os trens do primeiro grupo são mais novos e limpos. Os do segundo são mais baratos e podem ter cheiro de cigarro, mesmo que não seja permitido fumar dentro dos vagões.
Todos os trêns, independente da categoria, têm vagão-restaurante e água aquecida para o noodles. Dá para comprar comida no trem, mas a maioria dos chineses leva um pacote de casa e usa a água para aquecer a marmita.
As classes disponíveis variam de trem para trem. A sleeper, por exemplo, só está disponível nos trens Z, T, K e D, em viagens noturnas. O valor dos tickets, claro, acompanha o conforto disponível.
Business Class – A mais cara e confortável – está disponível apenas nos trens-bala tipo G. As cadeiras costumam estar distribuídas de três em três, no esquema de ônibus leito, duas de um lado e outra isolada, separadas pelo corredor. Cada assento reclina totalmente, virando uma cama. Os vagões têm TV e esse ticket costuma dar acesso a uma sala VIP nas estações, quando o serviço existe.
Superior Class – As cadeiras também seguem o esquema 2×1. Elas reclinam bastante, mas não deitam, e há espaço razoável para o passageiro.
First Class – Tem quatro cadeiras por vez, duas de cada lado do corredor. O serviço inclui um pequeno travesseiro e cada assento tem um descanso para os pés. Viajamos uma vez nessa classe, no trecho entre Xangai e Shenzhen, que durou 14 horas. Era um trem D, que atingia 250 km/h. Apesar de longa e diurna, foi uma viagem tranquila e confortável.
Second Class – Tem cinco cadeiras por vez, três de um lado e duas do outro. Viajamos duas vezes nessa classe, nos trechos entre Shenzhen e Guilin e Pequim e Xangai, ambos com cerca de quatro horas de duração. Foi uma opção boa para viagens que não eram tão longas assim.
Cabine da Second Class, na viagem entre Shenzhen e Guilin
Soft Sleeper – Os vagões mais antigos estão separados em cabines com quatro camas cada, no formato beliche, duas de cada lado. Nos mais modernos a disposição das camas muda: estão em pares e paralelas ao corredor, uma acima da outra, sem cabines. Há tomadas para carregamento de eletrônicos e até pequenos televisores. Inclui travesseiro e roupa de cama.
Deluxe Soft Sleeper- A mesma lógica, mas com apenas duas camas, uma acima da outra, por cabine. A porta da cabine pode ser trancada e há ainda um sofá e uma mesinha, além de banheiro particular. Estão disponíveis apenas em alguns trechos e as cabines são mais modernas nos trens de alta velocidade. Inclui travesseiro e roupa de cama.
Hard Seat – Tickets baratos, mas a segunda opção mais desconfortável disponível. Os vagões não têm ar-condicionado e costumam estar lotados, com gente viajando em pé no corredor. Três cadeiras de um lado e duas do outro.
Soft Seat – Duas cadeiras de cada lado, ar-condicionado e ninguém viajando no corredor. Tickets um pouco mais caros.
Hard Sleeper – Cabines com seis camas, três de cada lado, mas sem divisória para o corredor. Durante o dia as camas do meio e do topo são fechadas e todo mundo viaja sentado na cama de baixo, que vira um banco. À noite as camas são armadas. O espaço entre os treliches é pequeno: quando armadas, não dá para ficar sentado, apenas deitar. Inclui travesseiro e roupa de cama.
Soft Sleeper – Apenas quatro camas por cabine, dois beliches de cada lado. São mais confortáveis e as cabines têm portas.
Deluxe Soft Sleeper – Duas camas por cabine, uma acima da outra. A porta pode ser trancada e há ainda um sofá e uma mesinha, além de banheiro particular.
Standing Ticket – Você não tem um assento e vai viajar em pé no corredor do vagão do hard seat, mas pagando o mesmo que um passageiro que comprou assento. É a opção quando tudo se esgota. Você se deu mal, mas vai chegar ao destino.
Com seus tickets em mãos, verifique de qual estação de trem começa a viagem. Esses dados estão no bilhete, que estará quase todo em mandarim, mas por sorte o sistema numérico é universal. No mostrado na imagem abaixo, as estações são Beijngnan e Shanghai Hongqiao.
Além das estações, ali está o nome do trem (G7, acima da seta, com a letra G indicando que é um de alta velocidade e o número 7 quase apagado), a plataforma (13, no canto superior direito), data da viagem, hora, preço, cabine (o 06, no meio do canto direito) e lugar (02a). Por fim, aparecem seus dados, que eu cortei da foto abaixo.
Em teoria não é preciso chegar com muita antecedência na estação, já que a entrada na plataforma só vai ser liberada minutos antes da partida, mas tenha em mente que você passará por uma inspeção de raio-x e terá que mostrar seu ticket e passaporte. Além disso, as estações chinesas são grandes e costumam estar lotadas, principalmente em feriados, por isso não deixe para chegar ao local em cima da hora. Se você for pegar o ticket na estação, o ideal é fazer isso no dia anterior ou chegar bem antes do trem partir. Os tickets param de ser emitidos meia hora antes da saída.
Estação de trem em Xangai durante o Ano Novo chinês
Eu estive nas estações de Xangai, Pequim, Hong Kong, Shenzhen e Guilin. Todas elas tinham placas indicativas em inglês. Todas tinham opções de restaurantes e lojinhas. Aproveite para comprar um lanche, principalmente para viagens mais longas.
Todo trem tem um vagão-restaurante. Um carrinho com comidas e bebidas e até sorvetes passa de tempos em tempos, mas os preços são um pouco mais elevados do que na estação.
Comida vendida no trem (também tem lanches, bebidas e até sorvete da Häagen-Dazs, que parece ser uma obsessão local)
Leve agasalho, pois o ar-condicionado costuma ser forte, e papel higiênico (só por precaução). Não jogue o ticket fora após o embarque, já que fiscais vão pedir a documentação novamente durante a viagem. Além disso, você precisará do bilhete para passar por uma catraca na saída da estação de destino.
Não há restrição para bagagem, mas o espaço é limitado. Malas menores podem ficam no compartimento acima das cadeiras; malas maiores ficam no bagageiro, na entrada da cabine. Se quiser garantir espaço, chegue mais cedo e entre na fila antes dos outros passageiros. Fique atento aos avisos sonoros e ao nome da sua estação de destino, caso ela não seja a última da linha.
Dica esperta: como Hong Kong não é totalmente China, mas uma Região Autônoma Especial, não existe ligação de trens com a cidade, mas apenas com a vizinha, Shenzhen. Dá para ir ou voltar de HK para a estação de Shenzhen usando os metrôs das duas cidades, mas é preciso passar pela imigração. Fique atento, porque a fronteira não funciona 24h e os metrôs dos dois lados também fecham de madrugada. Ou seja, dependendo da hora da sua viagem, vai ser necessário passar a noite em Shenzhen.
O seguro de viagem é obrigatório em dezenas de países e indispensável nas férias. Não fique desprotegido na China. Veja como conseguir o seguro com o melhor custo/benefício para o país – e com cupom de desconto.
*Imagem destacada: cyo bo, shutterstock.com
Poucas regiões do mundo combinam tanto com uma viagem de carro como a Toscana. Habitada…
Kashan foi uma das cidades que mais me surpreendeu no Irã. Pequena, charmosa e repleta…
Fussen é um bate-volta comum para quem visita Munique e uma parada estratégica para quem…
Se você gosta de história e curte cidades com muitas atrações de graça, você vai…
Alguns lugares que a gente visita parecem nem pertencer a esse planeta. Foi bem assim…
O que fazer em Hong Kong? A metrópole asiática é um daqueles umbigos do mundo…
Ver Comentários
Oi.. tudo bem.. gostaria de saber se o trem tem inspeção da polícia.. tipo o trem não para ser revistado?
Oi, Danilo. Não me lembro de ter passado por inspeção não. Mas isso não significa que não exista: pode ocorrer.
Olá amigo, seu blog é um achado!!!
Gostaria de ir de Taiwan para Japão e muralha da China, qual seria mais barato, pois minha viagem é economica, rssss
Abraços,
Oi, Eliane. Só foi na China, então não sei a comparação. Mas imagino que o Japão seja mais caro.
Na estação de trem eles verificam se tem visto no passaporte?
Verificam o passaporte sim, Elindson. Não posso te garantir que vão procurar o visto, mas pedirão o passaporte.