Como viajar pelo mundo durante um ano

Minha mãe sonhou que eu ia viajar o mundo inteiro. Como eu só fui entrar num avião aos 23 anos, é óbvio que não acreditei nas premonições dela. Até que eu trombei com uma viagem de volta ao mundo, algo que eu não achava ser uma possibilidade real antes de agosto de 2011. Primeiro como brincadeira, depois levando a sério, eu, Natália Becattini e Luíza Antunes cogitamos comprar uma dessas passagens de volta ao mundo e largar tudo para viajar durante um ano.

Alguns dias depois que uma mesa de bar testemunhou essa conversa, compramos a passagem. Eu só tinha dinheiro para pagar metade do valor dela e nada para pagar os outros gastos de um ano sabático inteiro. Só compramos as passagens. Ponto. Inconsequente? Muito. Mas esse ato irresponsável mudou nossas vidas para sempre. Neste post eu vou te contar como é possível viajar ao redor do mundo por um ano, uma experiência que eu sinceramente desejo que você tenha.

Como conseguir o dinheiro?

Eu resolvi fazer um empréstimo para pagar a viagem. Antes que você torça o nariz para isso, pare e pense em todos que financiam carros, casas e produtos que eles não necessariamente precisam para levar um estilo de vida que eles não necessariamente querem.

Eu escolhi financiar um sonho e não me arrependo disso. Numa sexta-feira, assinei o empréstimo no banco e recebi a certeza de que o dinheiro chegaria na segunda. Com o dólar começando sua escalada, optei por comprar a passagem antes do empréstimo chegar. Na semana seguinte o banco tinha cancelado o empréstimo e o dólar tinha subido de forma absurda.

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Foram dias tensos: fizemos loucura? E agora? Outro empréstimo surgiu, eu adquiri ódio eterno pelo tal banco e o problema foi resolvido. Para minha sorte, no confronto juros do cheque especial x aumento do dólar eu levei uma baita vantagem.  Mais tarde, vendi meu carro. Ou melhor, a parte dele que eu já tinha quitado. Nos dois meses antes de viajar, trabalhei em dois empregos. Houve momentos em que eu tive os dois empregos junto com frilas.

Esse é meu relato, minha história. Não estou dizendo para você pegar um empréstimo, vender alguma coisa ou se matar de tanto trabalhar para juntar grana. Meu único ponto aqui é que não é preciso ser rico para viajar um ano inteiro ao redor do mundo.

Vamos falar de dinheiro? Eu viajei durante 10 meses, visitei 14 países e gastei cerca de R$ 25 mil. Não, eu nunca vi um valor desses na minha frente. Antes da viagem isso era muito dinheiro para mim. Hoje eu duvido que você ache alguém que tenha feito uma viagem tão longa com tão pouco.

Esse não precisa ser o seu orçamento, afinal tem quem queira coisas que eu não fiz muita questão, tipo conforto. Mas saiba que é possível – eu estou aqui para provar. Vale dizer ainda que o preço do dólar mudou de lá para cá, o que pode aumentar um pouco o custo de uma viagem assim.

Mas, voltamos para a pergunta inicial: como conseguir o dinheiro? Essa resposta quem vai dar é você. Pense em tudo que você gasta com coisas desnecessárias. No meu caso, por exemplo, eu gastava cerca de mil reais por mês com um carro, entre prestações do financiamento, gasolina e manutenção. Desde que me desfiz dele, nunca senti falta.

Faça um orçamento de viagem. Pense em quanto você precisa e corra atrás. Uma coisa boa: quem pretende viajar por um ano provavelmente vai ter que ficar desempregado antes de entrar no avião. Ao conseguir tempo, você pode garantir também algum dinheiro na sua rescisão contratual.

Como economizar na viagem?

Há maneiras de viajar mais barato para tornar esse sonho possível mesmo nos dias de hoje. Aqui no 360meridianos, por exemplo, nós somos parceiros do Worldpackers, um site de trabalho voluntário que você consegue a hospedagem de graça em vários lugares do mundo. Além do trabalho em hostels, ele também conta com oportunidades diversas, como fazendas orgânicas, trabalho comunitário em ONGs, aulas de línguas.

Assim, além de economizar, você ainda tem a chance de viver experiências que vão tornar sua viagem única e inesquecível. A membresia no site é paga (49 dólares para uma pessoa ou 59 dólares para um casal ou dois amigos), mas o valor é anual e você pode participar de quantas oportunidades quiser nesse período (e fica bem mais barato que pagar a hospedagem).

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Como conseguir tempo para um ano sabático?

Nós chutamos o balde. A Naty e a Luiza simplesmente pediram demissão e se jogaram no mundo. Eu trabalhava numa empresa que tem a política de ceder licenças não remuneradas. A parte boa disso foi que eu voltei empregado – coloquei os pés no Brasil e uma semana depois já estava de volta ao trabalho, pronto para pagar dívidas. A parte ruim foi que eu não tive o dinheiro do acerto para viajar, justamente o que me fez adquirir as dívidas.

Se você é jovem, sem filhos e sem grandes responsabilidades familiares, o que te impede de tirar um ano sabático? Nos ensinam que o trabalho de nove às seis é a única vida possível para uma pessoa séria e responsável. Eu tinha um trabalho desses, um que muita gente consideraria bom, numa puta empresa. Mas eu era um profissional completamente infeliz. Qual era o ponto de simplesmente deixar a vida seguir seu fluxo natural?

Corremos o nosso risco e valeu a pena. Voltamos ao Brasil e o fantasma do desemprego  não nos pegou. Semanas depois nós três estávamos empregados – três meses depois eu larguei aquela empresa e me mudei para São Paulo, onde arrumei outro trampo.

Fazer uma viagem de volta ao mundo pode ser também um grande diferencial no seu currículo. Hoje, quando vou fazer uma entrevista de emprego, minha experiência no exterior e minha viagem de volta ao mundo muitas vezes chamam mais atenção do que aquela empresa fodona onde já trabalhei.

No Peru

“Tudo bem, eu acredito que tirar um ano sabático traz benefícios. Mas eu tenho filhos para criar, tenho família, um cachorro… não posso largar tudo”. Eu jamais incentivaria um pai abandonar um filho ou um dono abandonar seu cão. O fato é que essa não era minha situação, o que facilitou a decisão para mim. Mas acredito que não podemos achar que uma responsabilidade maior é necessariamente um obstáculo intransponível.

Já li histórias de gente que viaja o mundo inteiro e leva o cachorro. Sei de casais que embarcam numa viagem sem previsão de fim. Já ouvi vários casos de pais que levam os três filhos na jornada, de uma mãe que deu à luz enquanto viajava e de uma família com CINCO filhos que viajam com os pais. Tem quem rode o mundo numa cadeira de rodas. Você até pode achar que isso não é para você, só não diga que é impossível. Só não diga que você não faz porque não tem tempo.

Como diabos eu planejo uma viagem dessas?

A questão da logística também depende do viajante. A forma mais fácil de rodar o mundo é, obviamente, de avião, a não ser que você encontre alguma chave de portal por aí. E se você resolver ir de avião, a forma mais simples é comprando uma passagem de volta ao mundo, ou RTW ticket, nas iniciais em inglês. Foi essa a nossa opção. Gastamos US$ 3,7 mil com passagens para 13 países. Na Ásia, optamos por comprar algumas passagens por fora da tarifa, o que custou uns mil reais.

Mas essa não é a única saída. Também é possível fazer uma longa viagem de carro, de moto, de navio, de trem, de ônibus, de bicicleta e até mesmo a pé. Muitos viajantes já rodaram o globo de todas essas formas, e não faltam relatos na internet para mostrar como é possível realizar o sonho de viajar durante longos meses, independente de qual seja o transporte escolhido.

Na Nova Zelândia

Além do transporte, é necessário se preocupar com as questões burocráticas, tipo tirar os vistos dos países que exigem isso, tomar as vacinas necessárias e separar os documentos exigidos. Como nós tivemos menos de dois meses para planejar nossa viagem de volta ao mundo, escolhemos visitar apenas países que não exigem visto para brasileiros ou que só demandam visto de fronteira, aquele que pode ser tirado na hora da chegada no aeroporto. A única exceção ficou por conta da Índia, país onde moramos durante alguns meses.

Mas não é perigoso?

Nunca foi tão seguro viajar ao redor do mundo, mas isso não significa que seja uma aventura sem riscos. Desde que os brasileiros invadiram o mundo, nós passamos a receber notícias constantes de gente que se perde, fica ferida ou morre no exterior. Como em qualquer outra situação da vida, é simplesmente impossível prever o futuro.

Uma pessoa pode optar por nunca sair do próprio bairro e morrer por causa de um tombo durante o banho ou outro acidente estúpido. Por outro lado, todos os dias milhões de pessoas  viajam e a maioria esmagadora delas volta em segurança para casa. O resto do mundo, em geral, não é mais perigoso que o lugar onde você mora, ainda mais se você mora no Brasil.

Isso não significa que você deva se expor a situações de risco real. Eu jamais iria para um país em guerra, ou com situação política complicada, ou onde a visita seja desaconselhada pela ONU e pelo governo brasileiro.  Já nos recusamos a entrar num avião, no Nepal, quando uma família cheia de boas intenções tentou nos oferecer as milhas aéreas deles numa companhia de qualidade duvidosa para nos ajudar a fugir de uma manifestação política. Já me recusei a entrar em um ônibus em péssimo estado de conservação. Não andei durante a noite por lugares ermos e em becos escuros. Enfim, fui cuidadoso, exatamente como eu seria aqui no Brasil. Por outro lado, não tenho preconceitos para visitar um país seguro, mas que a maioria prefere nem passar perto simplesmente porque não é um destino cool.

Podemos tomar algumas medidas para diminuir ainda mais os riscos. É simplesmente impensável sair do país sem contratar um seguro de viagem, por exemplo. A Luíza acionou o dela quando estávamos na Índia. Eu acionei o meu durante minha viagem para a África do Sul. Além disso, conhecer as  leis de cada país pode evitar muitos problemas.

Em Cingapura

Devo viajar pelo mundo durante um ano?

Se você é do tipo que sonha com a possibilidade de tirar um ano sabático e decidir que isso é algo que precisa fazer na vida, simplesmente acorde e vá. E não pense que isso significa que você não tem raízes ou é algum tipo de vagabundo irresponsável. Nunca deixe de observar suas próprias circunstâncias, claro, mas não fique intimidado por supostos obstáculos. Minha experiência me mostrou que muitas vezes criamos impedimentos que não existem simplesmente porque temos medo de realizar os nossos sonhos.

Nosso tempo nesse mundo é limitado a algumas décadas, isso quando temos sorte. Não sei você, mas eu optei por não perder anos valiosos vivendo uma vida que eu não gosto ou que outras pessoas disseram que seria boa para mim. Hoje, nada me dá mais medo do que a jaula representada pelo estilo de vida dito “normal”. Hoje, percebi que viajar virou sinônimo de liberdade.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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