A feira do açaí, em Belém: vida noturna no Pará

Um dos melhores programas noturnos de Belém não tem nada a ver com bares, boates ou restaurantes. Lá, a atração é o açaí. E tem endereço e horário para ocorrer: numa parte do complexo do Ver-o-Peso, tradicional mercado de Belém, já quase chegando no Forte do Presépio.

É ali que ocorre, todos os dias e sempre durante a madrugada, o desembarque de toneladas de açaí que são comercializadas em Belém ou que seguem para outras cidades do Pará. Dezenas de barco ancoram por lá diariamente, trazendo o açaí que foi produzido ao longo dos rios da Amazônia.

Assim que os barcos chegam no Ver-o-Peso, vendedores e compradores se unem numa negociação que começa por volta das 2h da manhã, mas tem seu ponto máximo às 4h30. De lá, parte desse açaí segue para ser processado e, bem mais tarde, encara viagem para o restante do Brasil. Sabe o açaí que você toma naquela sorveteria, perto de casa? É provável que ele tenha um pezinho em Belém.

Veja também: Açaí, a comida de todos os dias no Pará

O problema é que o governo de Belém ainda não descobriu o potencial turístico da Feira do Açaí. Assim que mencionei que queria ir lá, o dono do hostel onde eu estava hospedado foi enfático: “é perigoso”, para logo depois admitir que ele mesmo nunca tinha colocado os pés na feira.

Fui mesmo assim. Apesar de uma caminhada ser plenamente possível, preferi ir de táxi, por segurança. Acordei às 4h da matina e lutei contra o desejo de continuar dormido e largar o açaí para lá. Guerra ganha, troquei de roupa, peguei a câmera e entrei no táxi.

O taxista custou a entender aonde eu queria ir. Quando entendeu, deu o aviso. “Você não está com nada caro aí não, né?”, perguntou, deixando claro que a área não era mesmo das mais seguras. Por via das dúvidas, pedi para que ele me deixasse o mais perto possível da Feira do Açaí, numa área que fosse movimentada. Guardei a câmera na mochila e desci do táxi, em frente a um carro da Polícia Militar. Mas não vi açaí: só peixes.

Toneladas deles. É que a Feira  de Peixes também ocorre toda madrugada, ao lado da Feira do Açaí. Dei uma volta ao redor e obedeci o conselho do taxista, ficando apenas em áreas movimentadas. E a região toda é muito movimentada, principalmente se você pensar que o sol ainda não havia nascido.

Fui caminhado até a Feira do Açaí. Dezenas de barcos ancorados, gente entrando e saindo das embarcações. Todos eles carregando grandes cestas de palha – é ali que é feito o transporte do fruto símbolo do Pará.

Veja também: Um país chamado Pará

O Pará produz cerca de 820 mil toneladas de açaí por ano, número que faz do estado o maior produtor do país. A maior parte do açaí nem deixa o Para: 60% é consumida por lá mesmo, 30% viaja para outros estados brasileiros e 10% encara viagens ainda mais longas, rumo ao exterior.

E olha que a viagem até a Feira do Açaí, em Belém, já é longa. As embarcações que passam por lá chegam a navegar por 30 horas até o momento do desembarque e da negociação. O preço é determinado na hora, no velho estilo oferta/demanda. Pode parecer bobagem, mas esse comércio de rua informal e no meio da madrugada, é determinante para a definição do preço do açaí em todo o Brasil (e até no exterior).

Para quem não vai comprar, a atração por ali é só essa mesmo: observar a chegada dos barcos, os comerciantes carregadores cestas de açaí, os compradores lutando pelos melhores preços e, pouco a pouco, o estoque de açaí do dia chegando ao fim.

Se resolver testemunhar tudo isso, vá de táxi, evite estar em lugares ermos e não se afaste da muvuca. Quando o sol nascer, caminhe para a Feira dos Peixe, entre no Ver-o-Peso e comece o dia comendo açaí numa das muitas barraquinhas que funcionam por ali.

Inscreva-se na nossa newsletter

Avalie este post
Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

Ver Comentários

  • Olá, Rafael! Gostei da sua publicação!
    Você notou outros problemas logísticos relacionados à comercialização do açai, além dos que você citou?

  • Oi, Rafael! Pretendo ir à Belém com minha filha de 19 anos em julho. Estou com bastantes expectativas, mas ao ler vários posts sobre a insegurança, tô meio preocupada. Tem algum outro lugar turístico que você considere perigoso?

    • À noite convém tomar cuidado no centro histórico, Shirley, mas não é preciso ter medo. Nessas horas prefira se deslocar de táxi ou uber.

      Você vai gostar de Belém. :)

      Abraço.

  • Oi Rafael, em algum momento você se sentiu ameaçado ou se percebeu alguma movimentação suspeita enquanto esteve na Feira do açaí?
    Outra coisa, sabe me dizer se a feira do açaí ocorre aos domingos também?
    Obrigada! E parabéns pelas postagens sobre o Pará, estão excelentes :)

    • Ameaçado não, Isabel, mas há uma sensação de insegurança sim. Tome cuidado.

      Acho que funciona, mas o melhor é perguntar no hotel.

Compartilhar
Publicado por
Rafael Sette Câmara

Posts Recentes

Viagem de carro na Toscana, Itália: como alugar o veículo

Poucas regiões do mundo combinam tanto com uma viagem de carro como a Toscana. Habitada…

3 semanas atrás

Kashan, Irã: o que fazer e onde ficar na cidade do deserto

Kashan foi uma das cidades que mais me surpreendeu no Irã. Pequena, charmosa e repleta…

4 semanas atrás

O Que Fazer em Füssen, Alemanha: 1 ou 2 dias na Vila dos Castelos

Fussen é um bate-volta comum para quem visita Munique e uma parada estratégica para quem…

1 mês atrás

O que fazer em Washington DC em 1 ou 2 dias

Se você gosta de história e curte cidades com muitas atrações de graça, você vai…

2 meses atrás

Qeshm e Hormuz: as fantásticas ilhas do golfo pérsico no Irã

Alguns lugares que a gente visita parecem nem pertencer a esse planeta. Foi bem assim…

2 meses atrás

O que fazer em Hong Kong: roteiro de 1, 2, 3 e 4 dias

O que fazer em Hong Kong? A metrópole asiática é um daqueles umbigos do mundo…

2 meses atrás