O Litoral dos Poetas Chilenos: rota cheia de poesia a uma hora de Santiago

O Chile exporta cobre e poesia. Se o primeiro é a fonte principal de riqueza do país, o segundo lhe rendeu o título de “Terra dos Poetas”. A rica tradição literária é tema de orgulho entre os chilenos, que acreditam que, mais que nas belas paisagens de desertos e montanhas, a beleza do Chile está nos versos de Neruda, Nicanor Parra, Gabriela Mistral e Vicente Huidobro. O Pacífico parece ter um papel importante na vocação lírica do país. Os principais nomes da poesia chilena tiveram no mar uma inspiração constante.

Neruda chegou a dizer que era um navegante de terra firme. Sua casa mais famosa, em Isla Negra, foi construída em forma de barco, de frente para as águas frias que sempre fascinaram o escritor. Essa é uma das paradas da rota pelo Litoral dos Poetas Chilenos, um circuito que percorre alguns dos cenários costeiros que foram eternizados nos versos e metáforas desses poetas.

Além de Neruda, Vicente Huidobro e Nicanor Parra também escolheram a costa central chilena, na região de Valparaíso, para viver. O último, irmão da cantora Violeta Parra, é famoso por desconstruir as regras da poesia em seus escritos. Ele ainda vive em sua casa no município de Las Cruces, aos 103 anos.

Leia também: Grandes Viajantes: Violeta Parra e as histórias de um Chile esquecido

As casas de Neruda

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Para fazer o roteiro, o melhor é alugar um carro. O caminho é cheio de praias e mirantes que enriquecem o passeio, sem falar na flexibilidade de horários e trajetos que o transporte público não consegue oferecer nesse caso. O conjunto de praias está a cerca de 100 km de Santiago, pela Carretera del Sol (Ruta 68). Nesse texto ensinamos como alugar um veículo no exterior com o melhor custo/benefício.

Quem não puder ou quiser dirigir pode pegar o ônibus da Pullman Bus (Linha Costa Central). O veículo sai do Terminal de Buses de Santiago Sur e conecta as principais cidades do trajeto, passando por Algarrobo, Cartagena, El Quisco, Quilpué, San Antônio, Villa Alemana y Viña del Mar. Você também pode combinar o trajeto com a visita a Valparaíso e Viña del Mar.

A Cartagena de Huidobro

Pela Carretera del Sol, a primeira parada para quem vem de Santiago é Cartagena. No início do século 20, o balneário ganhou popularidade entre as famílias endinheiradas de Santiago, que construíram ali suas casas de veraneio. Em 1938, Vicente Huidobro herdou uma dessas casas de sua mãe e, por seu relativo isolamento, proximidade com o mar e com a natureza, a transformou em seu refúgio para a escrita e ponto de reunião com amigos escritores, pintores e cientistas da época. Hoje, o local funciona como um museu que pretende preservar e difundir a obra do autor.

Huidobro é conhecido como poeta criacionista. Em sua poesia, inventava mundos, universos inteiros dotados de uma natureza própria e regida por leis físicas diferentes das nossas, algumas vezes carregadas de surrealismo. Ele entendia que a principal função da poesia era criar. “El poeta es un pequeño Dios”, escreveu em Espejo del Agua. Foi considerado uma importante vanguarda na poesia chilena e um dos principais nomes da literatura no século 20.

É claro que grandes reconhecimentos quase sempre vêm acompanhados de grandes egos e sua rixa com outro poeta famosinho, Pablo Neruda, é bastante conhecida no meio literário. A rusga viveu mais que o próprio poeta, a ponto de Neruda fazer provocações em discursos anos depois de Huidobro ter deixado esse mundo. Essa e outras facetas da vida privada do escritor, como o polêmico envolvimento com uma adolescente de 16 anos, também são expostas no museu. Uma colina atrás da casa do poeta leva a bonitas paisagens rurais e à sua tumba, construída com vista para o mar.

Site oficial – O Museu Vicente Huidobro abre de terça a domingo, das 10h às 19h no verão e até às 17h30 no inverno. O valor da entrada é de 5.000 pesos chilenos (R$ 25). Estudantes e crianças pagam 2.000 (R$ 10).

Las Cruces e a casa de Nicanor Parra

A pequena localidade de Las Cruces não conta com mais de 3.000 habitantes, mas pelo menos um deles é ilustre. Esse foi o lugar que o centenário poeta Nicanor Parra escolheu, desde meados dos anos 1980, para passar sua velhice. Assim como Cartagena, o local também se tornou um popular destino de verão para as elites e, com isso, acabou ganhando algumas construções um pouco excêntricas de arquitetos chilenos como Josué Smith Solar e Fray Pedro Subercaseaux.

Em uma dessas casas curiosas vive Nicanor Parra. Os moradores locais já estão acostumados com admiradores de sua obra e curiosos que passam pela cidadezinha na tentativa de vislumbrar o recluso senhor em sua rotina diária e entregam de bom grado o endereço na Calle Lincoln. Como referência, procure pelo velho fusca que costuma estar parado em frente à casa. Depois da bisbilhotada, vale a pena parar por alguns minutos (ou horas) para apreciar as praias que convenceram o poeta a fazer de Las Cruces sua residência fixa.

Nicanor é conhecido por ser o criador da antipoesia, um movimento literário que rompeu com os padrões poéticos estabelecidos até então. Por isso, foi considerado por alguns críticos como um dos poetas mais importantes do ocidente.

Isla Negra, a casa favorita de Neruda

Neruda tratava suas casas como arte. Construiu três, uma para cada esposa. A última, em Isla Negra, era sua favorita, onde viveu os últimos anos de sua vida com seu grande amor, Matilde Urrutia. Quando o poeta faleceu, em 1973, Matilde continuou morando ali até sua morte. Construída parte em forma de barco, parte em forma de trem, a casa de Isla Negra faz referência tanto à grande fascinação de Pablo pelo mar quanto a sua infância passada entre os trilhos por conta do pai, que trabalhava no sistema de ferrovias do país.

Na casa estão também algumas das várias coleções mantidas pelo poeta. Muitas das peças ali dispostas foram reunidas em suas viagens pelo mundo, como carrancas, insetos, conchas, estátuas diversas e outros objetos que comprovam sua vocação para poeta excêntrico. Um dos itens mais amados pelo escritor era o “cavalo mais feliz do mundo”, uma escultura que era usada como decoração numa loja pela qual passava Neruda todos os dias, no caminho à escola. Anos mais tarde, ele encontrou o cavalo em uma feira e não pensou duas vezes antes de comprá-lo.

Neruda esta enterrado na casa de Isla Negra, que hoje funciona como um museu e parte da Fundação Pablo Neruda. A casa abre de terça a domingo, das 10h às 18h de março a dezembro e até as 19h em janeiro e fevereiro. A entrada custa 7.000 pesos (R$ 36). Estudantes pagam 2.500 pesos (R$ 13). Site oficial.

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na newsletter Migraciones e no Youtube. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Você encontra tudo isso e mais um pouco no meu Site Oficial.

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