Histórias sombrias das ruas de Londres

Quando George Luskse apalpou o objeto que estava dentro do envelope, na noite de 16 de outubro de 1888, ele não sabia o que estava por vir. Nem mesmo tudo o que ele tinha visto ao longo de quase meio século de vida – principalmente os incidentes sombrios que tomaram conta de Londres nos meses anteriores àquele fatídico dia – o ajudariam a entender o sadismo daquelas cinquenta e seis palavras.

Tremendo, o chefe do comitê de segurança de Whitechapel passou os olhos na carta e instantaneamente descobriu o que era o volume que estava no envelope recentemente aberto. “Eu te enviei metade do rim que tirei de uma mulher. A outra parte eu fritei e comi. Está gostoso. Prenda-me quando você puder, Senhor Luskse”, dizia parte da mensagem. Aquela não era a primeira carta supostamente enviada pelo serial killer que assinava como Jack, o Estripador – muitas outras, centenas, chegavam todos os dias aos jornais e autoridades envolvidas no caso.

Números que faziam muitos duvidar da autoria dos documentos: não faltava quem estivesse pronto para colocar mais lenha na fogueira no caso das mortes de prostitutas. Dessa forma, nem mesmo o nome – Jack, o Estripador – deveria ser realmente levado a sério. Como saber se aquilo não era mais uma estratégia da imprensa para vender jornais?

Mas aquela carta era diferente. Era a primeira que tinha sido enviada com uma prova. Apreensivo, George Luskse enfiou a mão dentro do envelope e retirou metade do rim de Catherine Eddowes, assassinada duas semanas antes. Todos os londrinos sabiam: com um corte cirúrgico o assassino tinha removido o rim esquerdo da vítima.

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George Luskse morreu sem ver a prisão do culpado por aquelas mortes. Jack, o Estripador – o mais famoso serial killer de todos os tempos – nunca foi identificado. O que George Luskse não imaginaria é que, passados cem anos, a vida (e os assassinatos) de Jack virariam atração turística. Para o turista, Londres é o Big Ben, a London Eye, o Tâmisa. Mas não dá pra negar que Londres é também uma das cidades mais sombrias da Europa, num nível que nenhum Dostoievski ousaria colocar defeito.

Histórias das ruas de Londres

O tour “The Jack the Ripper” acontece todos as noites, às 19h30, e custa 8 libras. Não é preciso comprar com antecedência. Basta aparecer no ponto de encontro – a estação de metrô Tower Hill. No roteiro estão os lugares dos assassinatos. E o turista pode se aventurar a comer fish and chips no pub que era frequentado por muitas das vítimas do estripador.

E olha que esse não é o único tour, digamos, não exatamente convencional de Londres. Uma cidade cheia de assassinatos não desvendados oferece várias oportunidades do tipo. Existe até um mapa de todos os assassinatos cometidos na terra da Rainha desde que o Jack andou por lá. Aos mais ousados basta começar a rota. Pra quem acha isso tudo macabro demais, um conselho: evite o metrô de Londres. Coisas estranhas também acontecem ali.

 Espíritos underground

Usamos o metrô de Londres diariamente. Como todos os turistas, tínhamos só uma preocupação: como pegar a linha certa para voltar pra casa? Numa dessas, quase não percebemos os avisos sonoros que diziam que a estação King’s Cross, onde tentávamos entrar, precisava ser evacuada imediatamente. Por sorte, notamos que todos os londrinos seguiam em sentido contrário. Escapamos.

Londres está acostumada com alarmes falsos e quase atentados. Isso, é claro, partindo da suposição de que tudo não passou de uma suspeita de bomba. Inúmeras razões mais corriqueiras podem levar ao fechamento de uma linha do metrô: uma pane elétrica, uma simulação de incêndio ou a aparição de um fantasma. De fantasmas o metrô de Londres está cheio. Não acredita? Vejamos alguns casos.

British Museum Station

Fechada desde 1933, a estação do British Museum é hoje um túnel vazio. Ou não. Inúmeras testemunhas viram, no começo do século XX, aparições do fantasma de uma múmia egípcia. Um jornal chegou a oferecer recompensa para quem topasse ficar uma noite inteira na estação. Ninguém quis, lógico. A lenda chegou ao cinema em 1935, com o filme Bulldog Jack. Fontes altamente confiáveis garantem que duas mulheres desapareceram na região, no dia do lançamento do filme.

Convent Garden

Um fantasma alto e bem vestido tem sido visto na estação Convent Garden desde 1950. E teve empregado do metrô que, depois de se deparar com o espectro, pediu transferência do local e nunca mais mostrou a cara por lá. Especialistas dizem que se trata do ator William Terriss, que morreu esfaqueado em 1897.

A maldição do cemitério

Você pode achar que tudo não passa de um monte de bobagens (o cara que viu um vagão cheio de fantasmas passar pela estação South Kensington, em 1928, com certeza não concordaria com você). Mas não faltam explicações para o fenômeno – de doidera das pessoas ao famoso “tem um cemitério enterrado debaixo desse metrô”. E sim, isso é fato comprovado e indiscutível. O metrô de Londres é o mais velho do mundo: começou a funcionar em 1863. Um dos maiores desafios para sua construção foi evitar, durante as escavações, as tumbas das vítimas da Grande Peste, que matou quase 100 mil londrinos, 1665.

Assim como os passos do Jack, tours levam turistas para um verdadeiro safari no metrô: é hora de caçar os fantasmas do underground londrino. O Ghost walk – que também custa 8 libras – acontece todas as noites, às 19h30. O ponto de encontro varia, em cada dia da semana a rota começa por uma estação diferente.

Sim, Londres é cheia de mistérios – não é sem motivo que tanto Hercule Poirot, como Sherlock Holmes fizeram sucesso por lá. Talvez seja hora de procurar um novo endereço: 221B, Baker Street. “Quando você elimina o impossível, o que restar, mesmo que improvável, é a verdade”.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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