Madrid Rio: a rodovia que virou parque

Sentadas numa área gramada e de frente para um rio, onze pessoas fazem um animado piquenique. A cena, rotineira na Madrid dos séculos 18 e 19, foi imortalizada por um gênio: Francisco de Goya, que em 1776 finalizou a obra La merienda a orillas del Manzanares, que está reproduzida neste post.

O tal do Manzanares é o rio que corta Madrid ao meio e que, como mostra a pintura, faz parte da vida dos madrileños há séculos, embora muitos viajantes não façam nem ideia de que Madrid também tem um rio para chamar de seu.  E durante um bom tempo isso tinha explicação. É que uma enorme rodovia, a M-30, foi construída ao redor de Madrid, sendo que pelo menos 1/3 dela funcionava como rodovia marginal, mais ou menos como as Marginais Pinheiros e Tietê, em São Paulo.

Veja também: Onde ficar em Madrid

La merienda a orillas del Manzanares

Para os carros a consequência foi ótima, mas para as pessoas foi horrível – terminaram assim os piqueniques de frente para o Manzanares, que virou uma área decrépita e evitada pela população. Quem morava de frente para o rio passou a conviver com o barulho sem fim de carros em alta velocidade. Bairros foram separados uns dos outros pela rodovia, dificultando a locomoção de qualquer pessoa que não estivesse motorizada.

Até que o governo de Madrid resolveu encarar o problema de frente. Era preciso repensar a M-30, que tinha dividido a cidade em duas. O projeto, claro, foi polêmico, ainda mais quando os engarrafamentos se tornaram monstruosos, depois que o trânsito da antiga rodovia teve que ser desviado para outros caminhos, por conta das obras.

M-30

Assim surgiu um novo desafio: o que fazer com a região às margens do Manzanares? A prefeitura de Madrid resolveu lançar um concurso para decidir isso, oportunidade que atraiu arquitetos e urbanistas de todo o mundo. No fim, apesar dos mais mirabolantes projetos, venceu uma ideia simples, devolver aos madrileños aquela imagem retratada por Goya. Essa é a história da rodovia que virou parque.

O rio Manzanares, em Madrid

E um baita parque, que foi inaugurado em 2011. Quando eu estive em Madrid pela primeira vez, justamente naquele ano, nem fazia ideia de que a cidade tinha uma atração assim. Foi só na minha segunda visita, em 2013, que encontrei uma das áreas mais legais de Madrid. E pertinho do centro – da para ir andando a partir da Catedral de la Almudena e do Palácio Real, por exemplo, basta cruzar os Jardins de Sabatini, que ficam atrás do Palácio.

Veja também: O que fazer em Madrid

O Parque Madrid Rio

Foi a descoberta mais incrível que fiz na cidade, que já era a minha favorita da Europa (ou seria do mundo?). Encontrei uma área arborizada (milhares de árvores foram plantadas no local da antiga rodovia), com ciclovias, playgrounds, local para caminhadas e pontes e fontes charmosas.

Muito além de ser uma atração turística, o parque mudou a relação dos madrileños com a cidade. Numa entrevista para o The New York Times, a espanhola Pilar López contou como foi ver o fim da rodovia, que durante 50 anos foi a parte mais barulhenta da vizinhança dela. “Quando a rodovia estava aqui, eu sentava no meu sofá e assistia TV o dia todo. Agora eu me sinto saudável novamente, porque posso caminhar com meus amigos no parque durante horas”.

Esse é o resultado de uma cidade pensada para pessoas, não mais para carros: população mais saudável e feliz. Os protestos, que foram enormes quando a rodovia foi implodida e o trânsito piorou, acabaram quando a população percebeu as vantagens do Madrid Rio, adotando o novo parque. E olha que o projeto ainda não está finalizado – outras atrações devem surgir ao redor do Manzanares nos próximos anos.

Você vai visitar Madrid? Reserve uma tarde para conhecer o Madrid Rio. Leve um livro, passe num mercado, faça compras e prepare um piquenique. Reproduza assim o quadro de Goya. Veja a vida passar. A sua, enquanto você relaxa numa das áreas mais agradáveis da cidade, e as dos espanhóis, que permanecem apaixonados pela mais nova área verde de Madrid. Reserve tempo para o ócio durante uma viagem, que muitas vezes é transformada numa maratona atrás de pontos turísticos.

Quem quiser pode encarar programas menos sedentários, como caminhar na beira do rio ou pedalar ao longo do parque. Para isso, basta procurar uma das muitas lojas que alugam bicicletas. Algumas delas já perceberam que é uma boa ideia oferecer o serviço ali, tão pertinho do rio. Seja você um ciclista frequente ou não, são grandes as chances de você curtir o programa. Depois é só aproveitar a noite nos bares de Madrid.

Aluguel de bike do lado do rio

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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