Pashupatinath, templo mais importante de Katmandu

Parecia um dia como outro qualquer, mas naquele 27 de fevereiro o Nepal viu uma multidão tomar as ruas do país. Cerca de 700 mil pessoas deixaram suas casas em direção ao Pashupatinath, o templo mais importante de Katmandu.

Eram devotos de várias partes do mundo, mas principalmente da Índia e do próprio Nepal. Aquele mar de gente tinha um objetivo: celebrar o Maha Shivaratri, um feriado que marca o calendário nepalês todos os anos, em homenagem a uma das encarnações de Shiva. Embora essa festa envolva uma infinidade de coisas, sentimentos e percepções, a notícia principal que o mundo tem dela – e de outras festividades semelhantes – envolve apenas uma palavra: maconha.

Eu não estive no Nepal durante essa festividade, o ponto alto das cerimônias no templo.  Minha passagem pelo país foi em maio. Mesmo assim, tive a oportunidade de presenciar a vibração do Pashupatinath, um lugar único no mundo e que é considerado Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco.

E olha que, como não sou hindu, não pude visitar algumas das áreas mais impressionantes do templo – inclusive o chamado templo principal, que tem uma enorme estátua de Shiva na forma de um boi. Essas áreas são reservadas para quem professa (e prova) a fé.

Veja também: A incrível Katmandu, capital do Nepal

Mas testemunhei a morte. Assim como em Varanasi, na Índia, Katmandu tem seu rio sagrado. É o Bagmati, que todos os anos serve de cenário para cremações e cerimônias funerárias de milhares de nepaleses. Não por acaso, o rio passa dentro do templo.

O complexo é enorme e tem o formato de um cubo. São quatro entradas principais. O prédio atual foi erguido no século 17, para substituir templos muito mais antigos, mas que já estavam deteriorados. Segundo a tradição, aquele mesmo local é usado na fé há pelo menos mil anos. Para outros, no entanto, o período é ainda maior.

Existem várias histórias para explicar a origem do Pashupatinath, mas quase todas envolvem o mesmo ponto: certo dia, ao passar pelo Vale de Katmandu, Shiva teria se impressionado com a beleza do rio e das florestas. Ele resolveu morar por ali, mas encarnado na forma de um animal. Algumas versões dizem que na forma de um boi, mas isso varia. Shiva só teria deixado o local quando os outros deuses descobriram que ele estava lá.

A cremação no Pashupatinath

Enquanto familiares se despedem de seus entes queridos, os mortos são mergulhados nas águas sagradas. Uma. Duas. Três vezes. Só então o corpo é cremado, cerimônia que é testemunhada não só por parentes e amigos, mas por todos que passam pelo templo. Inclusive turistas. Fotos são proibidas, mas não é raro que um ou outro viajante viole o momento, por mais dolorosa que a situação seja.

Depois da cremação, alguns familiares – entre eles o filho mais velho do morto, que normalmente é quem coloca fogo na pira funerária – entram nas águas do rio para tomar um banho sagrado. Termina assim a cerimônia no Templo Pashupatinath, um lugar onde a morte está por todos os lados. Segundo as crenças de muitos, morrer ali significa reencarnar como humano. Também há quem acredite que os profetas do templo são capazes de prever, com uma exatidão impressionante, o dia da morte de qualquer pessoa.

Por falar em profetas, não há escassez deles por lá. E nem de homens santos para a fé hindu. Os sādhus levam uma vida de isolamento e meditação. Eles deixam para trás todos os bens materiais e passam a viver em cavernas, templos e outros lugares, não só no Nepal, mas também na Índia. E não existem poucos deles – só na Índia são cinco milhões. O Nepal também tem os seus.

McKay Savage, Wikimedia Commons

Um ritual típico dos sādhus envolve o uso de maconha, que é ilegal no Nepal, exceto para o uso de rituais e festivais religiosos. É complicado não concordar com esse direito dos sādhus, afinal a tradição garante que eles só estão imitando Shiva, que também teria fumado uns durante sua passagem por Katmandu. A planta, para eles, é sagrada.

Durante grandes festivais, o uso de maconha ultrapassava a barreira dos sādhus. Era comum, inclusive, que alguns desses homens santos passassem a maconha para qualquer devoto que procurasse pela droga. A prática passou a ser condenada pelo governo, que chegou a prender alguns sādhus, que foram acusados de tráfico de drogas, como mostra essa matéria da BBC.

Portanto, os dias em que a maconha era liberada para todos no Nepal acabaram. Agora, para seguir Shiva, só sendo um homem santo.

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*Imagem destacada: Dhilung Kirat, Wikimedia Commons

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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