Passeio de trem em Curitiba: bate-volta até Morretes

Num país em que o transporte ferroviário é raridade, um passeio de trem foi apontado, duas vezes, como um dos mais bonitos do mundo. O trecho não é para passageiros de dia a dia, é verdade, mas um programa turístico, que liga Curitiba e Morretes, cidade histórica próxima ao litoral do Paraná. Quem garante a beleza dos roteiros são dois jornais de peso. O The Guardian afirmou que o passeio de trem em Curitiba é um dos 10 mais bonitos do mundo. O Wall Street Journal vai ainda mais longe: a jornada até Morretes seria uma das três viagens ferroviárias de luxo mais belas do planeta.

Com as expectativas devidamente infladas pelos sites gringos, cheguei à Rodoferroviária de Curitiba, complexo no centro da capital paranaense que funciona como estação de ônibus e trens. Os trilhos seguem até Paranaguá, cidade portuária a 90 quilômetros dali. Mas os trens de passageiros fazem um trecho menor, somente até Morretes – dali em diante só seguem os trens de carga. Ainda hoje, é pela Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá que escoam 30% das mercadorias levadas para o porto paranaense.

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A história das ferrovias

Planejada no final de século 19, quando o Brasil ainda enfrentava a Guerra do Paraguai e tentava criar uma infraestrutura básica para ligar o interior ao litoral, a ferrovia nasceu polêmica. Primeiro, por uma intensa disputa entre Paranaguá e Antonina, outra cidade no litoral do estado e que também queria receber a estação inicial. A briga tinha sentido, já que a cidade escolhida para ser o começo da ferrovia iria garantir sua vocação portuária e, claro, muito dinheiro.

Disputa vencida por Paranaguá, cuja baía seria mais funda e permitiria navios de maior porte, muito embora não falte quem garanta que outros motivos, mais políticos, também pesaram na escolha. Em todo caso, superada essa etapa foi preciso vencer também a natureza. Cortar 100 quilômetros, num trecho da Serra do Mar que é de acesso complicado e estava coberto pela Mata Atlântica, era tarefa dificílima, a ponto da construção da ferrovia ser considerada uma das grandes conquistas da engenharia brasileira no século 19.

A Pedra Fundamental foi colocada em junho de 1880, por Dom Pedro II, em Paranaguá. Cerca de quatro anos depois, a Princesa Isabel embarcou num vagão e seguiu até Curitiba, inaugurando oficialmente aquele que seria, nos anos seguintes, um ponto importantíssimo no desenvolvimento do Paraná. Foi só na década de 1960, já no governo JK, que as ferrovias perderam espaço no investimento público, que privilegiou o transporte rodoviário.

Como é o passeio de trem em Curitiba e Morretes

Para entender por que esse trecho é tão bonito, a ponto de ser o segundo programa turístico mais procurado do Paraná (atrás somente das Cataratas do Iguaçu), basta citar duas palavrinhas: Serra do Mar. É nessa cadeia de montanhas que fica a maior parte do que restou da Mata Atlântica brasileira. Por isso, a viagem de trem inclui verde até dizer chega, cachoeiras, montanhas e cenários deslumbrantes.

São 30 pontes e 13 túneis, o maior deles com quase meio quilômetro, além de viadutos como o São João, todo em metal e que foi feito na Bélgica. A Cascata Véu da Noiva é outro atrativo do passeio, assim como o Viaduto do Carvalho, em que os passageiros têm a impressão que o trem está voando no meio das nuvens.

A única parada antes de Morretes é no Pico do Marumbi, porta de entrada para o parque estadual de mesmo nome e que costuma ser frequentado por montanhistas e mochileiros – é fácil ver barracas de camping e mochilões nesse trecho da viagem. As outras estações ao longo do trajeto estão abandonadas, mas as ruínas de muitas delas podem ser vistas durante o passeio.

Véu da Noiva 

Viaduto São João

Horários, preços e serviço

Os trens partem diariamente de Curitiba, às 8h15. Conforme orientação da Serra Verde Express, empresa que opera o trem, chegamos 20 minutos antes da hora marcada para o embarque. Os portões abriram pouco depois. Compramos os bilhetes do trem turístico, que tem um kit lanche bem básico, com água ou refrigerante e biscoitinhos, além de serviço de guia.

A passagem custou R$ 119 por pessoa, para um só trecho. É caro, quase um padrão para os passeios ferroviários brasileiros. Há descontos de até 40% na baixa temporada – verifique essa possibilidade no site da empresa ou na própria estação. A viagem dura entre três horas e três horas e meia, mas pode atrasar se houver trens de carga pela frente.

Vagão do trem turístico

Quem preferir economizar pode comprar o trem normal, que custa R$ 94 e não inclui lanche e nem guia. A comida não faz falta, mas a guia foi útil, tanto para contar um pouco da história da ferrovia, mas principalmente para alertar quando atrações estavam próximas.

Caso queira economizar mais, uma alternativa é fazer a viagem a partir de Morretes, de onde os trens partem às 15h. Como a maioria das pessoas faz só o trecho que começa em Curitiba, o sentido contrário é cerca de R$ 20 mais barato. É possível comprar online ou na estação rodoferroviária. Se você for num final de semana ou feriado, o ideal é comprar com antecedência. Caso os tickets estejam esgotados no site, ainda assim compensa ir até a estação e verificar se algum bilhete foi devolvido e está disponível para venda somente lá – aconteceu comigo.

Há também opções mais caras, que vão do serviço executivo, que tem um kit de lanche diferenciado e guia bilíngue, a camarotes e até os vagões de luxo, também chamados de litorinas, que têm decoração especial e temática, ar-condicionado e outras comodidades.

Esse trem só roda em finais de semana e parte de Curitiba, às 9h15. As janelas dos vagões de luxo não abrem, o que pode ser um problema na hora de tirar fotos. Por fim, a Bode Brown, cervejaria do Paraná, costuma fazer uma viagem de luxo que inclui open bar com chopes da marca, além de pães e queijos no vagão e almoço em Morretes. Verifique as datas e preços no site da empresa.

Não importa qual bilhete você escolher, não acho que compense comprar ida e volta, tanto pela duração da viagem, de mais de três horas, quanto pelo valor. Por isso, o ideal é fazer somente um trecho de trem, passar algumas horas em Morretes e voltar de ônibus, com a Viação Graciosa. A viagem de ônibus custa R$ 25 e dura 1h30. Também não recomendo a compra do pacote que inclui almoço em Morretes, já que isso pré-determina o restaurante em que você irá almoçar, ligado à Serra Verde Express. Morretes é uma cidade super simpática e os melhores restaurantes estão às margens do rio Nhundiaquara.

Se resolver fazer a viagem no sentido contrário, indo para Morretes de ônibus e voltando de trem, saia cedo de Curitiba, já que a locomotiva retorna para a capital às 15h. Por fim, verifique a previsão do tempo. Como o principal atrativo desse passeio é a paisagem, pode valer a pena adiar o programa em dias de muita chuva ou neblina.

E Morretes?

Você deve chegar em Morretes por volta de meio-dia. Tempo suficiente para almoçar, tomar um sorvete e perambular pela cidade. O Barreado, prato típico do Paraná feito com carne bovina, é quase que unanimidade por ali. Espere gastar entre R$ 30 e R$ 50 na refeição, por pessoa. Recomendo o Empório do Largo, restaurante que fica às margens do rio. E uma dica importante: se o dia estiver quente, leve roupa de banho, já que muita gente entra no rio, que é tranquilo. Tem até quem faça passeios de caiaque e outras atividades aquáticas.

Morretes

Há ônibus de volta para Curitiba até às 20h15, mas não deixe sua volta para o último veículo, já que a cidade morre depois das 17h, com pouquíssimos restaurantes abertos. O ideal é retornar para Curitiba até às 18h. Compre a passagem de ônibus com antecedência, principalmente se for fim de semana ou feriado, porque os veículos lotam.

Outra opção é seguir viagem, combinando Morretes com Antonina, que está a 20 km de distância e pode ser acessada de ônibus ou táxi, e de lá seguir para Paranaguá e Ilha do Mel. Os ônibus que partem de Antonina para Curitiba param em Morretes.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

Ver Comentários

  • Fiz a viagem de trem no carnaval do ano passado, de Morretes até Curitiba e realmente é lindo!
    Só recomendo prestar muita atenção no clima! Estava um calor insuportável em Morretes (e lugar nenhum parece ter ar condicionado) e mais calor ainda dentro do trem (que também não possui ar concidionado)! Como estava muito calor, choveu na Serra do Mar e perdemos pouco menos da metade das paisagens. Mas se com chuva e com calor já era lindo, imagine quando o tempo estiver ótimo.

    • Oi, Isabele. Também passei um calor insuportável em Morretes (no trem estava de boa). A solução foi entrar no rio, o que melhorou muito a vida. Daí a dica: vale a pena levar roupa de banho.

      Abraço e obrigado pelo comentário.

  • Ótimo relato! Pretendo ir para Curitiba esse ano e com certeza farei o passeio de trem. Muito legal também conhecer mais sobre a história das ferrovias!

    Abraços

  • Rafael, eu sou paranaense e fiz várias vezes essa viagem de trem, sendo as primeiras quando era criança, ainda nos tempos da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), sem contar as várias vezes que percorri o trecho a pé.
    O fato é que já foi muito mais bonito do que é hoje. Nos tempos da RFFSA a linha era muito limpa e bem cuidada, todas as estações estavam ativas e as casinhas ocupadas por ferroviários. Havia algumas paradas, como na estação de "Banhado" onde havia o "bolinho de Banhado", um bolinho frito que era bem famoso. Depois da privatização foi quase tudo desocupado e virou esse monte de ruínas que se vê hoje em dia. Além do mais o IAP (Instituto Ambiental do PR) passou a proibir o corte da vegetação próximo à ferrovia e isso faz com que muitas belezas naturais não sejam mais visíveis de dentro do trem. Pra fechar, o trem na época estatal era muito barato, em valores atuais uma passagem não chegaria a 20 reais e hoje custa o olhos da cara...
    Enfim, ainda é um passeio bacana, mas pra quem viu aquela serra há mais de 20 anos atrás, hoje perdeu muito do encanto.
    Ah, sobre o trem ir até Paranaguá, eu considero um acerto estar indo só a até Morretes. Além de Paranaguá não ter grandes atrativos turísticos, após Morretes a ferrovia segue praticamente em linha reta sem nenhuma paisagem interessante pra se ver..

    • Deve ter sido muito mais bonito mesmo, Luciano, com todas as estações abertas. Na realidade, é uma pena que esse trecho seja apenas turístico, e não para transportes de passageiros mesmo.

      Abraço e obrigado pelo comentário.

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Publicado por
Rafael Sette Câmara

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