É perigoso viajar para a Turquia?

“O que as pessoas estão falando da Turquia lá fora?” – com olhos ansiosos, o vendedor de tapetes disparou a pergunta. Antes que eu tivesse tempo de responder, acrescentou: “Eu estava a 20 metros da praça na hora dos ataques. Poderia ter sido uma das vítimas. Todos ficaram chocados. Istambul é uma cidade segura, é raro que ocorram crimes assim, violentos. Agora tenho medo de como isso vai repercutir, que os turistas parem de vir”.

Seu medo não era injustificado. Essa era a minha primeira vez em Istambul, mas um amigo que me acompanhou na visita ao distrito histórico me garantiu que, em sua terceira visita, nunca havia visto a cidade tão vazia. A percepção tem fundamento. A agência TravelSupermarket, que aponta tendências no mercado de turismo, apontou um declínio no turismo na Turquia, que já foi considerada um destino popular entre viajantes britânicos e de outras partes da Europa e, há alguns anos, foi descoberta por brasileiros. A redução é impactante pois afeta diretamente a economia do país e a vida de diversos turcos que tiram do turismo seu sustento.

Dias antes do embarque, bombardeada com as notícias dos ataques do Isis na Praça Sultanahmet, eu mesma experimentei o medo e a dúvida sobre se esse seria o melhor momento para visitar o país. Receio que se mostrou infundado, e até um pouco bobo, no momento em que eu aterrizei na cidade. A vida em Istambul seguia normal, apesar do trauma.

Ser vítima de um ataque terrorista é uma fatalidade. Estar presente no mesmo país, na mesma cidade, no mesmo local e hora de um atentado é como pegar aquele avião que vai cair ou, no outro extremo da sorte, ganhar na loteria. Há mais chances de você morrer num acidente de carro (1 em 18.585) ou de sofrer um afogamento (1 em 79.065) que em um ataque terrorista nas suas férias (1 em 25.000.000).

Em todos esses casos, a gente sabe dos riscos. Lá no fundo a gente sabe que não está 100% seguro. Que, por menor que seja a probabilidade, a chance existe e sempre nos ronda. Ainda assim, eu não vejo ninguém recusando carona para o feriado na praia ou deixando de pegar um avião porque um acidente aéreo com mortes ocorre a cada 345 mil voos.

É perigoso viajar para a Turquia? | A chave é o medo

Mas, então, se as chances são tão pequenas, por que tem gente desistindo de viagem por causa de ataques do tipo? Para entender isso, é preciso voltar lá na definição de terrorismo. Segundo a Santa Wikipedia, “O terrorismo é o uso de violência por meio de ataques localizados a elementos ou instalações de um governo ou da população governada, de modo a incutir medo, terror e assim obter efeitos psicológicos que ultrapassem largamente o círculo das vítimas”.

Trocando em miúdos, podemos dizer que os terroristas jogam com o nosso medo de uma forma irracional. Eles buscam atemorizar a população – e, no caso de Istambul e Paris, buscaram especificamente atemorizar os turistas – com a sensação de que, como algo ocorreu uma vez, há chances de que ocorra novamente a qualquer momento.

Para isso, eles contam com uma aliada não intencional, mas bastante poderosa: a mídia, que, por sua própria natureza e pelos critérios de noticiabilidade, cobre extensivamente esse tipo de tragédia e sem querer apaga todos os outros milhares de turistas que visitaram a cidade e voltaram ilesos para casa.

Mas o medo criado por esse tipo de ataque é irracional porque, como já vimos, não está baseado em fatos e evidências, mas num jogo psicológico que nos leva a acreditar que qualquer um pode ser o próximo e que o perigo nos espreita. Mas, se a gente parar para pensar, não é assim sempre? Uma coisa é você estar ciente dos perigos da estrada. Outra completamente diferente é evitar qualquer viagem de carro porque alguém já morreu assim.

É perigoso viajar para a Turquia? | Preconceito regional ajuda

A cobertura jornalística ainda ajuda a intensificar outro tipo de sentimento, nem sempre condizente com a realidade, ao só se lembrar de falar de certos lugares, como a Turquia, quando algo de trágico acontece. Porque nos acostumamos com uma história única sobre determinados lugares, passamos a acreditar – equivocadamente – que esse tipo de evento é a regra, e não a exceção.

Quer um exemplo? Dá uma olhada nesse gráfico que aponta os riscos de um atentado terrorista na Europa e norte da África:

A Espanha e a França estão classificadas em vermelho, no mesmo nível da Turquia. No entanto, quando eu vim morar em Barcelona ninguém questionou minha sanidade. Da mesma forma, as pessoas não deixaram para lá o sonho de subir na Torre Eiffel depois dos atentados em Paris, em 2015. Isso porque, embora os dois países estejam marcados com o mais alto risco de atentados em lugares turísticos, as pessoas conseguem entender que, ainda assim, esses eventos são fatos isolados. O mesmo não acontece com países como a Turquia e a Tunísia.

É perigoso viajar para a Turquia? | Ir ou não ir, eis a questão

Acredito que, neste ponto, vocês já sabem a minha opinião a respeito do tema, mas a decisão é apenas sua. Justamente por ser irracional, o medo é um sentimento difícil de controlar, pois está além do alcance das estatísticas e argumentos lógicos. Se, apesar de tudo, você decidir que é melhor não viajar, paciência, a Turquia vai estar ali daqui a alguns meses ou anos, pronta para te receber quando o temor passar.

E há mais uma ponderação: antes da minha viagem, uma amiga ainda pontuou que não iria à Turquia neste momento. Não porque tivesse medo de ataques, mas porque não gostaria de ter sua viagem estragada pelo clima de tensão e insegurança supostamente causado pelos mesmos. A preocupação também não procede. Em nada minha estadia foi prejudicada pelos eventos passados. Atrações turísticas? Todas abertas. Pessoas nas ruas, vendedores gritando nos mercados, vida noturna. Tudo seguia normal.

Ao que parece, as pessoas ali se recusam a deixar que o medo afete suas vidas. Acredito que devemos fazer o mesmo. Porque, se a gente se lembrar de qual é o objetivo desses ataques, é preciso reconhecer: no momento em que deixarmos o medo governar nossas vidas e decisões, o terrorismo vence.

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na newsletter Migraciones e no Youtube. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Você encontra tudo isso e mais um pouco no meu Site Oficial.

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Natália Becattini

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