As romarias do Círio de Nazaré e como organizar sua viagem


Se fosse só uma procissão, seria simples explicar. Mas o Círio de Nazaré vai muito além: é a principal data do calendário do Pará; Carnaval religioso e Natal antecipado ao mesmo tempo. Fora o jeitão de fim de um ciclo e começo de outro, típico de um Ano-Novo. No Pará, o tempo pode ser medido em Círios – o de 2017 foi o de número 225.

Lógico que uma festa com mais de dois séculos mudou com o tempo. Se a cerimônia já ocorreu em setembro e no fim da tarde – um círio é uma vela religiosa usada para iluminar o caminho dos fiéis – com o tempo a data mudou, a hora também e a festa cresceu. Falar no Círio de Nazaré hoje envolve pensar em 12 romarias, várias missas e eventos que ocupam o calendário de todo o ano. Os mais importantes estão distribuídos ao longo de duas semanas, sendo que a romaria maior, que é o Círio propriamente dito, ocorre no segundo domingo de outubro, sempre pela manhã.

Depois da fé, é hora da ceia. Ela é servida com maniçoba, pato no tucupi, jambu e outras receitas típicas do estado. Todo ano, mais de dois milhões de pessoas participam do Círio de Nazaré, o que faz dessa a maior festa católica do mundo.

As 12 romarias do Círio e as datas mais importantes

Em 2018, a data mais importante do Círio de Nazaré será o dia 14 de outubro. Para planejar uma viagem nessa época, o ideal é chegar alguns dias antes em Belém.

Embora a fé em Nossa Senhora de Nazaré tenha sido trazida ao Brasil por padres portugueses, a devoção foi impulsionada após a descoberta de uma imagem por um homem chamado Plácido, que presenciou o milagre mariano e deu os primeiros passos na devoção à Padroeira do Pará.

Como a Santa encontrada por Plácido tem séculos, a que participa das procissões é uma réplica, chamada de Imagem Peregrina. E, a cada ano, Nossa Senhora de Nazaré ganha um manto diferente. A cerimônia de apresentação do manto ocorre durante uma missa, na Basílica de Nazaré. Em 2017, essa missa foi na quinta-feira anterior ao Círio, às 18h, mas convém conferir a programação no site da festa.

Traslado

Atenção para não confundir os nomes: a primeira romaria se chama Traslado. Ocorre na manhã da sexta-feira anterior ao Círio, após uma missa na Basílica. Depois, a Imagem Peregrina segue de carro aberto até Ananindeua, uma cidade vizinha. Essa é também a maior das romarias em termos de distância, já que são 47 quilômetros. Em 2017, mais de um milhão de féis participaram do Traslado.

Romaria Rodoviária

A Imagem Peregrina passa a noite na Igreja Matriz de Ananindeua. É de lá, bem cedo, que parte a Romaria Rodoviária, que segue para a Vila de Icoaraci, um distrito de Belém. O trajeto de 24 quilômetros é percorrido em pouco mais de três horas e a Santa é acompanhada por carros, caminhões e outros veículos. No Círio deste ano, pelo menos 250 mil pessoas acompanharam essa procissão.

Círio Fluvial

A Santa chega ao porto de Icoaraci no sábado de manhã. A etapa seguinte é na água. Anunciada por fogos de artifício, a imagem peregrina embarca numa corveta da Marinha Brasileira. No trecho de 18,5 quilômetros até a Estação das Docas, em Belém, Nossa Senhora tem a companhia de centenas de barcos – entre 400 e 500, dependendo do ano – que carregam pelo menos 40 mil pessoas.

Ao longo das margens, moradores de comunidades ribeirinhas prestam suas homenagens à Padroeira do Pará. No centro de Belém, outras 100 mil pessoas aguardam a procissão.

Motorromaria e Descida do Glória

A imagem de Nossa Senhora é recebida de volta em Belém com honras de Chefe de Estado, pouco antes do meio-dia de sábado. Em seguida, começa a quarta procissão do Círio de Nazaré, a Motorromaria. Cerca de 15 mil motociclistas acompanham a imagem no percurso de 2,5 quilômetros até o Colégio Gentil Bittencourt, que fica ao lado da Basílica.

No Círio 225, a Motorromaria ainda estava na metade quando começou a Cerimônia da Descida do Glória, na Basílica de Nazaré. Nela, a imagem original, que foi encontrada por Plácido, é retirada do altar-mor e colocada próxima aos fiéis, onde ela permanece por 15 dias.

Trasladação

Se o Traslado é a primeira romaria, a Trasladação é a quinta. E uma das mais importantes. Por ser na noite de sábado, a procissão acaba iluminada por velas, o que faz dela um dos momentos mais parecidos com a origem do Círio. Além disso, é na Trasladação que a Corda, um dos maiores símbolos do Círio de Nazaré, aparece pela primeira vez.

Ela tem 400 metros e é disputada pelos romeiros. Ir na corda, por conta do esforço físico envolvido, é um ato de fé. A Trasladação imita o percurso feito pela imagem por ordem do governo, quando ela foi colocada sob escolta, no Palácio, para verificar se havia mesmo um milagre. Por isso, no sábado à noite, a Santa parte da Basílica e segue até Cidade Velha.

O Círio

Muitos fiéis nem dormem na noite de sábado para domingo – preferem ficar em vigília. A Missa do Círio começa perto da hora do nascer do sol, na Catedral. Em seguida, vem a mais esperada das procissões, que leva uma multidão de até dois milhões e meio de fiéis em num percurso relativamente pequeno, de menos de quatro quilômetros.

O trajeto é o inverso do feito na Trasladação, da Catedral para a Basílica, percurso feito pela Santa para voltar ao igarapé. A corda (outra, também de 400 metros), está novamente presente. Mas na procissão do Círio há mais carros além da Berlinda, que leva a Santa. São os Carros de Promessas, que recebem os votos dos romeiros.

A procissão do Círio já chegou a durar nove horas, em 2004, mas desde então os organizadores têm tentado apressar a Santa. No Círio 225, a procissão durou cinco horas e chegou na Basílica às 11h20 da manhã de domingo. O fechamento das ruas no dia anterior ao Círio é uma das explicações para a rapidez atual, já que assim não há carros atrapalhando o andamento da romaria. Além disso, a hora em que a corda é cortada pelos fiéis afeta a duração da procissão.

Ciclo Romaria

O mais importante passou, mas o fim de semana seguinte também é cheio de atividades. A Ciclo Romaria é a sétima das etapas da festa. Foi criada em 2004, após um pedido da Federação Paraense de Ciclismo. Ocorre na manhã do sábado seguinte ao Círio e parte da Praça da Basílica. Pelo menos 12 mil ciclistas participaram da Clico Romaria do Círio 225.

Romaria da Juventude

Ocorre na tarde do sábado, depois da Ciclo Romaria. Como o nome indica, envolve os jovens das igrejas católicas de Belém. O percurso é alterado a cada ano e o ambiente é mais animado, com presença de trio elétrico.

Romaria das Crianças

A procissão das crianças nasceu em 1990 e ocorre no domingo seguinte ao Círio. O trajeto é um pouco menor, de 2,9 quilômetros.

Romaria dos Corredores

A mais nova das romarias é uma corrida de baixa velocidade feita num percurso de cerca de 10 quilômetros. Ocorre no segundo sábado após o Círio.

Procissão da Festa

Uma das mais antigas romarias. Ocorre no segundo domingo após o Círio, sempre com um percurso diferente, e envolve os bairros e comunidades ao redor da Basílica de Nazaré.

Recírio

O fim da festividade e a última das 12 procissões. Ocorre exatamente 15 dias depois do Círio, numa segunda-feira. O ponto mais importante é a volta da Santa original para o Glória, o local onde ela permanece durante a maior parte do ano. Em seguida, a Imagem Peregrina é levada numa curta procissão até o Colégio Gentil Bittencourt.

Como organizar sua viagem

O calendário oficial do Círio é grande, mas o do turista pode ser ainda maior. Shows, apresentações culturais e outros eventos ocorrem em Belém nessa época, como o Auto do Círio, organizado por professores e estudantes universitários; o Arrastão da Pavulagem, que celebra os festejos juninos e a cultura amazônica; e a Festa da Chiquita, onde predomina o público LGBTQ+. A própria igreja organiza também o Círio Musical, que recebe nomes importantes da música católica, enquanto o Nazaré em Todo Canto traz shows e apresentações de teatro ao longo das duas semanas do Círio.

Por tudo isso, o ideal para quem deseja conhecer Belém durante o Círio é separar pelo menos quatro dias no roteiro, chegando na quinta-feira anterior ao evento, e indo embora na segunda-feira. Com esse tempo é possível participar das três procissões mais interessantes – a Fluvial, a Trasladação e o Círio propriamente dito. Quem tiver tempo pode ainda comparecer à Cerimônia de Apresentação do Manto ou aos eventos paralelos, dependendo do foco da viagem.

No restante do tempo, aproveite para conhecer as outras atrações de Belém. A sexta-feira pode incluir um passeio no Ver-o-Peso, na Estação das Docas, na Cidade Velha e no Mangal das Garças. O sábado começa cedo, com a Procissão Fluvial, mas há tempo para outros programas na parte da tarde, antes da Trasladação.

Já a procissão do Círio se encerra antes do almoço de domingo. Depois, aproveite para comer comida paraense. Quem tiver mais dias na cidade pode conhecer as Ilhas de Combu e Mosqueiro, que estão pertinho, ou esticar até a Ilha do Marajó, que está a cerca de três horas de barco.

Tenha em mente que o Círio do Nazaré é a alta temporada turística de Belém, que recebe até 80 mil visitantes durante a festa. Isso significa hotéis lotados e diárias mais caras. Para não ter problemas, reserve sua hospedagem com antecedência. A mesma coisa vale para a compra das passagens aéreas.

Leia também: Ilha do Combu, a Amazônia vizinha de Belém

Ilha do Mosqueiro, Pará: praias pertinho de Belém

Como planejar uma viagem para Ilha do Marajó

O mapa da festa

O mapa acima mostra o trajeto do Círio e da Trasladação: Praça Frei Caetano Brandão, Praça do Relógio, Avenida Portugal, Boulevard Castilhos França, Avenida Presidente Vargas e Avenida Nazaré. O ícone amarelo é a Catedral de Belém, enquanto o ícone verde é a Basílica Santuário.

Os outros ícones são pontos também importantes durante a festa. O laranja marca a escadinha do cais do porto, na Estação das Docas, onde a Imagem Peregrina chega após o Círio Fluvial. É também dali que partem a Motorromaria e o Arrastão da Pavulagem, no sábado. Já o ícone roxo marca a Praça da República, onde são montadas arquibancadas para acompanhar a Trasladação e o Círio e onde é realizada a Festa da Chiquita, no sábado à noite. O marcador rosa mostra onde está o Colégio Gentil Bittencourt, pertinho da Basílica Santuário, enquanto o ícone azul é a Praça do Carmo, na Cidade Velha, que é onde começa o Auto do Círio e costuma terminar o Arrastão da Pavulagem.

Vale para quem não é católico?

Eu não sou católico e não frequento igreja alguma, embora me interesse por assuntos de fé. E gostei muito da experiência. Se esse for o seu perfil, acho que vale participar ao menos do principal final de semana do Círio, combinando a experiência com as outras atrações que tomam conta da cidade, para além do calendário religioso. E, claro, com os pontos turísticos de Belém e arredores.

Quem é católico pode achar interessante dedicar ainda mais tempo ao Círio. Nesse caso, fique de olho no calendário oficial para saber quais eventos não perder. É uma boa ideia seguir a página do Círio de Nazaré no Facebook.

Onde ficar

Em geral, as melhores localizações em Belém são nos bairros Nazaré, Batista Campos e Campina, mas durante o Círio há outro ponto importante: o ideal é ficar num hotel que esteja ao longo do percurso de 3,6 quilômetros feito durante o Círio e a Trasladação. Assim você fica perto da festa, com facilidade para voltar ao hotel no meio da romaria, se quiser. Quanto mais perto da Basílica de Nazaré, melhor, afinal ela é o ponto mais importante do Círio.

Nesse caso, uma boa localização é a do Gran Mercure, que está a poucos quarteirões da Basílica e na rota das romarias. O Tulip Inn Nazaré, o Hotel Marajoara e o Hotel Manacá são outras opções muito boas.

Onde comer

Viajante que não tenha família no Pará fica sem o tradicional almoço do Círio, mas isso não quer dizer que os pratos mais conhecidos do estado precisem ficar de fora do roteiro. O melhor lugar para provar comida paraense é o Manjar das Garças, que não é barato, mas que certamente vale o investimento (o buffet custa de R$ 75 a R$ 90 por pessoa, dependendo do dia). O estabelecimento fica dentro do Mangal das Garças, uma das mais importantes áreas verdes de Belém.

Na Estação das Docas, o restaurante Lá em Casa é uma boa opção e um pouco mais barato, enquanto o complexo do Ver-o-Rio tem quiosques que servem maniçoba, pato no tucupi, arroz paraense e tudo mais, boa pedida para uma refeição econômica. O Restaurante Avenida, que fica pertinho da Basílica de Nazaré, é outro que oferece cardápio especial durante a festa. Lembre-se de que nessa época é preciso reservar com antecedência e que a alta procura faz os preços subirem.

No domingo, justamente por conta da romaria e do momento de reunião familiar, boa parte do comércio de Belém não abre. Por isso alguns hotéis, sobretudo os que ficam no trajeto da procissão, vendem pacotes que já incluem o jantar de sábado, após a Trasladação, e o almoço de domingo, depois do Círio. Verifique essa possibilidade no momento da reserva.

Veja tambémTacacá, tucupi e maniçoba: a incrível culinária do Pará

Precauções

Não se esqueça do protetor solar e hidrate-se bem. Isso não é difícil, já que voluntários costumam distribuir água ao longo do percurso e há vendedores ambulantes circulando por ali, mas convém não sair do hotel sem água. Se for calçado (muitos romeiros não vão), cuidado com sapatos que saem facilmente do pé – há grandes chances de você voltar sem eles por conta da muvuca.

O maior desafio do Círio é a multidão – fica apertado e muito quente, principalmente perto da corda ou da Berlinda. É o calor que causa o maior número de ocorrências médicas durante as romarias do Círio, principalmente desmaios, desidratação ou queda de pressão, embora em outros anos tenham sido registrados também casos um pouco mais graves, como fraturas.

É possível evitar as áreas mais lotadas e tem muita gente que assiste ao Círio das sacadas de prédios, varandas de hotéis ou mesmo de arquibancadas ao longo do percurso. A Organização do Círio monta um conjunto de arquibancadas na Avenida Presidente Vargas, uma das principais vias usadas nas romarias. São cerca de cinco mil lugares por dia. A venda começa cerca de dois meses antes da festa e a compra pode ser feita pela internet. Para saber mais sobre isso, acompanhe as notícias pelo site oficial do evento.

O maior número de ocorrências policiais é de furtos, principalmente de coisas que são deixadas dentro de veículos, mas também há furtos de objetos de pessoas que se distraem enquanto acompanham as procissões. Por isso, tome cuidado com seus pertences. Eu saí sem meu celular, por precaução, mas levei minha câmera DSLR, e não tive problemas.

Leia os outros textos da Série Círio de Nazaré: 

O Círio de Nazaré e o chorar sem entender

A corda do Círio de Nazaré e a fé de milhões

O Círio Fluvial e os barcos em romaria

O sagrado e o profano no Círio de Nazaré

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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