Em meio a turistas japoneses, casais passeando entre os títulos e pessoas que tentam tirar fotos clandestinamente, eu navegava encantada pelo mar de livros da Shakespeare and Company. O que parece ser só uma pequena portinha a poucos metros da Catedral de Notre-Dame, às margens do Sena, revela um labirinto de prateleiras recheadas de livros que se estende por dois andares. Isso sem contar a porta ao lado, bem menos concorrida – diga-se de passagem – onde ficam exemplares antigos na versão alfarrabista da mesma livraria.
Mais que apenas uma livraria de língua inglesa em Paris, a Shakespeare and Company tem tanta história que fiz questão de aceitar a sugestão da moça no caixa e carimbar meu livro recém-comprado. Tal como nas histórias de fantasia, a hora que passei ali dentro durou seu tempo próprio. E mesmo que o fundador, George Whitman, não estivesse ali para conversar comigo e me contar suas histórias, certamente o espírito que ele imaginou para a livraria, inspirado em uma Shakespeare and Company que existiu na Paris dos anos 1920, ainda vive.
Leia também: Vender livros é o comércio mais bonito do mundo
Crédito: Eduardo Pennock – Flicker
A Shakespeare and Company de George Whitman, que morreu em 2011, aos 98 anos, foi fundada em 1951, inicialmente com o nome de Le Mistral. Ficou famosa não só por ser uma livraria independente que sobreviveu por tantos anos, mas principalmente por funcionar como uma espécie de pensionato de escritores: foram mais de 30 mil deles.
“Eu queria uma livraria porque o negócio de livros é o negócio da vida” – George Whitman
Crédito: Flickr
–O endereço da livraria não poderia ser mais inspirador – fica no número 37 da rue de la Bûcherie, no quilômetro zero de Paris, o ponto onde todas as ruas francesas começam. Ali, gerações de escritores, viajantes e sonhadores carinhosamente chamados de Tumbleweeds (aquela erva daninha que a gente vê rolando no deserto em filmes de faroeste), dormiram em camas improvisadas espalhadas entre os livros, sem custo algum além de seguir três regras: ler um livro por dia, ajudar no trabalho da loja por algumas horas e escrever uma autobiografia de uma página para os arquivos da livraria.
Saiba mais: 7 livrarias incríveis para conhecer no mundo
A acomodação dos tumbleweeds. Crédito: arranging constellations – flicker
Entre os frequentadores da livraria de Whitman estavam escritores da geração Beats e Henry Miller, Anaïs Nin e Samuel Beckett. O dono realizava festas de chá e leituras à meia-noite, segundo um artigo da Vanity Fair.
“Eu criei essa livraria como um homem escreveria um romance, construindo cada cômodo como um parágrafo e eu gosto que as pessoas abram a porta da forma como abrem um livro, um livro que as leva para o mundo mágico de suas imaginações” – George Whitman
Hoje, a Shakespeare and Company é gerenciada por Sylvia Whitman, a filha de George, que modernizou as operações da livraria, organizou os processos de residências literárias e tumbleweeding (é possível se inscrever pelo site da loja), criou um festival de literatura, o FestivalandCo, e um prêmio literário, o Paris Literary Prize. Um trabalho, que segundo o jornalista Jeremy Mercer – que foi um tumbleweed por seis meses e escreveu “Um livro por dia: Minha temporada parisiense na Shakespeare and Company” – é diferente do carnaval excêntrico criado por seu pai, mas muito fiel a seu espírito: “Na verdade, em muitos aspectos, a Shakespeare and Company de Sylvia Whitman está mais perto de Shakespeare de Sylvia Beach do que a do seu pai”, contou ao blog capitulo dois.
Crédito: Alexandre Duret-Lutz – Wikimedia Commons
O próprio nome de Sylvia, a filha, é uma homenagem à Sylvia Beach, a fundadora original. Em 1919, Beach era uma imigrante dos EUA em Paris e fundou a Shakespeare and Company na rua Dupuytren, como uma livraria e biblioteca. Com a popularidade, em 1921, expandiu para um prédio maior na rua Odeon. Foi ali que a geração perdida de Ernest Hemingway, Ezra Pound, F. Scott Fitzgerald, Gertrude Stein e companhia limitada frequentou. A livraria é citada em “Paris é uma Festa”.
Saiba mais: A Paris de Ernest Hemmingway
Beach publicava edições de livros banidos na Inglaterra e nos Estados Unidos, como Ulisses, de James Joyce. Foi o autor, inclusive, que apelidou carinhosamente o espaço de “Stratford-on-Odéon”, em referência à Stratford-upon-Avon, cidade natal de William Shakespeare. A livraria funcionou como um grande ponto de encontro parisiense até a ocupação nazista, em 1940. Diz a lenda que Beach fechou a livraria após se recusar a dar a última edição do livro Finnegans Wake para um soldado nazista.
George Whitman e Sylvia Beach se conheciam e foi ela quem deu a ele a benção para mudar o nome da Le Mistral para Shakespeare and Company. Ele adotou o nome em 1964, em homenagem à Beach, no 400º aniversário do nascimento de Shakespeare.
Crédito: EQRoy – Shutterstock
Hoje, quem chega à porta da livraria, que é tema de diversos livros e também foi cenário nos filmes Antes do Pôr do Sol e Meia-Noite em Paris, é recepcionado com grandes mensagens que celebram a ideia de comunidade proposta por George: “Be not inhospitable to strangers, lest they be angels in disguise” (Não seja inóspito com estranhos, eles podem ser anjos disfarçados).
Crédito: OhChiik – Flicker
A Shakespeare and Company fica no endereço 37 rue de la Bûcherie, e abre todos os dias, das 10h às 22h. O sebo abre de terça a sábado, das 11h às 19h. E o café funciona todos os dias, de 9h30 às 19h.
A entrada na Shakespeare and Company é gratuita. Apesar da quantidade de turistas, o que às vezes cria filas, lá dentro você ainda consegue se sentir numa livraria e não numa atração. Um bom jeito de evitar as multidões é saindo mais cedo de casa.
Não deixe de visitar também o sebo que funciona na porta ao lado. E, se tiver tempo, o café também pertence à livraria.
Não são permitidas fotografias no interior da Shakespeare and Company. Eu abri uma exceção para fotografar a gata que reside ali, a Kitty.
Poucas regiões do mundo combinam tanto com uma viagem de carro como a Toscana. Habitada…
Kashan foi uma das cidades que mais me surpreendeu no Irã. Pequena, charmosa e repleta…
Fussen é um bate-volta comum para quem visita Munique e uma parada estratégica para quem…
Se você gosta de história e curte cidades com muitas atrações de graça, você vai…
Alguns lugares que a gente visita parecem nem pertencer a esse planeta. Foi bem assim…
O que fazer em Hong Kong? A metrópole asiática é um daqueles umbigos do mundo…
Ver Comentários
Muito bom. Me arrependo até a alma de ter ido pra Paris em 2012 sem ter visitado a livraria. Apenas uma breve correção: um dos filmes em que a livraria é cenário é o Antes do Por do Sol (o anterior se passa todo em Viena ;-)).
Oi Alexandre,
Tenho certeza que quando você voltar a Paris irá visitar a livraria.
Obrigada pela correção sobre o filme, vou alterar no post!