Vale a pena fazer um intercâmbio da AIESEC?

Não vou mentir para você: minha primeira impressão da AIESEC não foi das melhores. Nem a segunda. Mesmo assim, não tenho como negar que um intercâmbio dessa organização mudou minha vida. Antes de te explicar o porquê, é melhor relembrar o que é e como funciona a AIESEC.

O que é a AIESEC?

Conheci a AIESEC em 2011 e logo descobri que essa era uma das formas mais baratas de viajar e morar no exterior, muito mais em conta que fazer um intercâmbio por uma agência de viagens. Para quem não sabe, se trata de uma organização sem fins lucrativos e gerenciada por jovens, na maioria estudantes universitários, que organiza programas de intercâmbio em mais de uma centena de países.

Os programas podem ser de trabalho voluntário, em que o intercambista vai ao exterior para trabalhar numa ONG ou fundação parceira da AIESEC, ou profissional. Neste caso é trabalho mesmo, com obrigações, demandas e um salário no final do mês.

Num resumo, funciona assim: o interessado entra em contato com a AIESEC da cidade dele. Depois de uma entrevista e alguns eventos em que tudo é explicado, a pessoa é aceita (ou não). Quem pretende viajar precisa pagar uma taxa para ter acesso ao banco de dados da AIESEC, que tem vagas em todo o mundo.

Quem preferir pode trabalhar voluntariamente na cidade onde mora. Entre outras coisas, essa pessoa pode ajudar a AIESEC a trazer estudantes de outros países para programas de intercâmbio no Brasil e ter assim contato com outras culturas.

Um dia normal em Rishikesh, na Índia

Meu intercâmbio profissional com a AIESEC

É como a procura de um emprego: você acha algo que te interessa, manda seu currículo (em inglês), marca uma entrevista por Skype e, se aprovado, pronto, faça as malas e prepare-se para embarcar. A AIESEC é muito forte em países em desenvolvimento, que concentram a maior parte das vagas – Índia, China e Rússia são alguns exemplos, assim como toda a América Latina. As vagas na Europa Ocidental e nos Estados Unidos existem, mas em menor número e, como era de se esperar, são muito mais concorridas.

Mas por que minha primeira impressão não foi das melhores? É que, além do preço, uma coisa que me atraiu na AIESEC foi a possibilidade de trabalhar na minha área de atuação – o jornalismo – em outro país. Meu objetivo não era só viajar, não era fazer trabalho voluntário, mas ter uma experiência que fosse útil profissionalmente e que passasse a fazer parte (e a se destacar) no meu currículo. Durante meses eu procurei por vagas assim no sistema da AIESEC. Nada.

O prazo de três meses já estava no fim e eu, Naty e Luíza, que também procuravam o mesmo tipo de vaga, não tínhamos encontrado nada que nos interessasse. As vagas para outras áreas de atuação eram muitas e interessantes, as de trabalho voluntário também, mas as de jornalismo não.

Quando estávamos para desistir – e depois de muita conversa com o pessoal da AIESEC Belo Horizonte, que sempre foi muito prestativo – achamos três vagas em uma empresa de Tecnologia da Informação de Chandigarh, da Índia. Não era exatamente o que nós queríamos, mas oferecia um desafio interessante: teríamos que escrever textos em inglês. Topamos.

Veja também: Como conseguimos um emprego na Índia

Chandigarh, Índia

Se você é leitor do 360, então já conhece essa história. Nós passamos seis meses na Índia, enfrentamos um tremendo choque cultural, viajamos por todo o país e, de quebra, demos uma volta ao mundo. Assim nasceu este blog, que hoje é minha única fonte de renda, o que prova o começo deste texto – um intercâmbio da AIESEC mudou minha vida. Mas quase toda a experiência que eu tive com a AIESEC Chandigarh, na Índia, passou longe de merecer um elogio. Foi um desastre.

Os membros da AIESEC indiana deveriam dar apoio aos intercambistas, ajudando na adaptação dos estrangeiros ao país. Por exemplo, eles deveriam nos buscar na rodoviária de Chandigarh, já que nem tinham nos informado o endereço da casa onde iríamos morar, mesmo com muita insistência da nossa parte – se eles não nos buscassem, ficaríamos foreveralone na rodoviária de uma cidade desconhecida e sem falar uma palavra em hindi.

Da varanda de casa, em Chandigarh, três simpáticas visitas

Ao contrário do combinado, eles não apareceram (mais tarde descobrimos que estavam todos numa festa da AIESEC). Depois de muita dificuldade, da ajuda de um policial e de um intercambista da Nigéria que já estava morando lá há alguns meses, descobrimos o endereço da casa, que deveria ter alguns requisitos básicos: um fogão, uma geladeira, um sistema de aquecimento de água, camas e roupas de cama, itens obrigatórios pelo contrato entregue pela própria AIESEC Chandigarh. Não tinha nada disso.

O fogão estava quebrado. A geladeira não funcionava direito. As camas eram essas aí, da foto abaixo. Os lençóis estavam imundos, assim como a casa, repleta de restos de comida, garrafas de cerveja e poeira, muita poeira. Passamos dois dias limpando tudo, pagamos para consertar o fogão, convivemos durante um mês com a geladeira estragada e, depois de muita reclamação, conseguimos um ebulidor, instrumento que colocávamos num balde cheio d´água para, com a água aquecida, tomar banho de baldinho.

E olha que chegamos no começo do inverno, quando as temperaturas começam a abaixar e podem chegar perto dos 0ºC. Vale dizer também que a hospedagem não era de graça – pagávamos cerca de 1/3 do nosso salário para a AIESEC Chandigarh, que alugava a casa e repassava o dinheiro para o proprietário.

Você pode argumentar que a AIESEC me tirou da zona de conforto, me fez quebrar a cabeça e aprender a me virar, o que não deixaria de ser verdade. O problema é que isso ocorreu por conta da tremenda incompetência e falta de interesse que eles demonstraram. Eu sai da minha zona de conforto. Eles não.

Um mês depois, ouvimos boatos de que 20 intercambistas estavam chegando e que toda essa gente ficaria na mesma casa de dois quartos (e um banheiro) onde estávamos. Antes que nossa moradia virasse uma filial do inferno, corremos para as colinas, ou melhor, para a casa de outros estrangeiros que estavam ali por causa da AIESEC, mas que já tinham desistido de morar numa casa da organização. As coisas melhoraram. Muito. E sim, os tais 20 intercambistas realmente chegaram e passaram a morar em nossa antiga casa de dois quartos e apenas um banheiro.

Só fui conhecer a pessoa da AIESEC que deveria me dar apoio e ajudar na adaptação ao país na minha última semana por lá, depois de longos seis meses sem qualquer contato da parte dela. Nós tentamos o contato algumas vezes e, para ser justo, houve uma pessoa da AIESEC Chandigarh que até tentou nos ajudar. Mas foi só um. Nessa altura o cenário já era muito pior, com vários de intercambistas reclamando desse comitê da AIESEC em grupos do Facebook.

Conheci gente que foi para a Índia pela AIESEC, mas para cidades como Delhi e Mumbai, e teve muito apoio dos membros da organização, além de morar em casas com boa estrutura. Também ouvi relatos e reclamações parecidas com as minhas. Não conto essa história para dizer que você não deve ir, pelo contrário, mas para que você saiba o que deve esperar e estar preparado para se virar, caso a organização não funcione como o esperado.

Eu e meu primeiro turbante sikh

Vale a pena? Muito. Eu faria de novo, numa boa, apesar dos perrengues. Fiz amigos fantásticos, tive uma experiência profissional que passou a se destacar no meu currículo, cresci profissionalmente e como pessoa. No fundo, o intercâmbio foi aquilo que tinham me prometido, antes de sair de Belo Horizonte: um divisor de águas, embora não exatamente do jeito que eu tinha imaginado.

Se você resolver fazer o mesmo, mas quiser minimizar os problemas, converse com intercambistas que já estejam na cidade onde você pretende morar. Eles podem te dar uma ideia de como são as coisas e o que você vai encontrar por lá. Além disso, essas pessoas também podem te ajudar. Foi assim comigo.

Minha experiência com um intercâmbio de trabalho voluntário da AIESEC

Já publicamos aqui no 360 vários relatos de jovens brasileiros que foram viver nos mais diversos países e voltaram com relatos comoventes e encorajadores, todos por intercâmbios voluntários da AIESEC. Foi esperando uma experiência assim, que pudesse causar impacto na vida de outros, não apenas na minha, que resolvi encarar um segundo intercâmbio da AIESEC, em julho deste ano. O destino dessa vez? A Argentina.

Eu e a Naty conseguimos duas vagas em ONGs diferentes de Buenos Aires. A minha era uma fundação que trabalha com crianças e educação, enquanto ela trabalharia com sustentabilidade, construindo casas ecologicamente corretas e trabalhando numa horta.

Dessa vez, a AIESEC se mostrou presente. Eles estavam me aguardando no hostel, no dia em que cheguei em Buenos Aires. Por falar nisso, lá os intercambistas moram em hostels, que têm parcerias com a AIESEC, boa estrutura e preços fantásticos para quem viaja pela organização. O pessoal da AIESEC local também me  explicou como funcionam as coisas na cidade, isso logo na minha primeira semana na Argentina.

No meu primeiro dia de trabalho, eles me levaram na ONG. Ajudaram com tudo, estavam em comunicação constante, me convidaram para festas e eventos, enfim, recepção perfeita e o comportamento que eu esperei encontrar na Índia, um país em que isso teria sido muito mais útil que na Argentina, onde o choque cultural e as diferenças não são tão grandes.

Centro de Buenos Aires, onde morei por seis semanas

Tudo ótimo, mas com um problema: meu trabalho na ONG era inútil. Não ajudava ninguém e não havia o que fazer, eram horas diárias perdidas no escritório. Poucas tarefas, muitos voluntários. O da Naty também não era bem o que ela esperava. Num dia, pintou uma porta da ONG, tarefa dada por um coordenador. “Eu pintei essa mesma porta na semana passada”, revelou um intercambista dos Estados Unidos. No fim, meu primeiro intercâmbio foi muito mais útil e gratificante que o segundo, embora o apoio da AIESEC tenha sido muito maior na Argentina.

Vai fazer um intercâmbio de trabalho voluntário pela AIESEC? Ótimo! Não pense que todos os relatos são como o meu. Destaco os relatos positivos que estão aqui no blog mesmo: o  texto da Tatiana de Brito, que foi para a Bolívia, e da Ângela Prestes, que morou em Moçambique.

Histórias incríveis – o tipo de coisa que eu queria viver, mas que não foi possível. Meu conselho para você é bem parecido com o do intercâmbio profissional: tente falar com alguém que já tenha trabalhado na ONG que você tem interesse e veja se o projeto é legal mesmo, ou se é desorganizado e não funciona direito.

Puerto Madero, bairro de Buenos Aires

Se tudo der errado, lembre-se que a AIESEC é gerenciada por jovens voluntários, gente sem experiência e que já merece muitos elogios por fazer uma organização internacional funcionar, mesmo que com problemas. Para muitos estudantes, a AIESEC é a melhor – em alguns casos, a única – oportunidade de estágio e intercâmbio que vale a pena. E muita, mais muita gente mesmo, cresce por meio dessas experiências.

E, por mais que as coisas nunca sejam perfeitas, sempre é possível tirar algo de bom de novas experiências. Comigo foi assim na Índia. Não vai ser diferente com a Argentina.

Outras formas de fazer trabalho voluntário ou intercâmbio no exterior

Além da AIESEC, há outra maneira fácil, criativa e barata de ter uma experiência de trabalho no exterior. O Work Exchange é uma modalidade de viagem que se popularizou como uma forma de economizar no orçamento, mas acabaram se sobressaindo como uma maneira econômica e flexível de transformar qualquer viagem de férias em uma troca cultural, uma oportunidade de aprender habilidades novas – como uma língua – e ter vivências inesquecíveis.

As oportunidades mais conhecidas, que você certamente deve ter ouvido falar, envolvem trabalhar em hostel em troca de hospedagem, mas há muitas outras atividades: dá para trabalhar com projetos ecológicos, de impacto social ou educacionais, ensinando idiomas, como criador de conteúdo, social media, fotógrafo ou video maker, além de fazendas orgânicas e até mesmo como instrutor de yoga.

Alguns programas também incluem refeições e outro benefícios, mas o melhor é que você pode participar do work exchange mesmo se não tiver muito tempo para viajar: dá para combinar experiências de uma semana até vários meses de duração. Além disso, não há limite de idade e a diversidade de destinos é muito grande. Há diversos sites que oferecem esse tipo de programa. No Worldpackers, parceiro do blog, a membresia custa U$ 49 por ano ou U$ 59 para um casal ou dupla de amigos, e você pode participar de quantos programas quiser durante o período.

No valor, está incluído um seguro que te ajuda a achar outra atividade caso você encontre condições diferentes da combinada ao chegar. E o site é brasileiro, logo, você tem suporte 24 horas em português.

Leitores do 360meridianos ganham U$ 10 dólares de desconto na membresia, basta utilizar o cupom 360MERIDIANOS na hora da compra. Clique aqui para saber mais sobre o programa.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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