“Virtudes do medo”, de Gavin de Becker, o livro que pode salvar sua vida

Fiz uma nova amiga. Ela é da América Latina, mas há mais de nove anos mora sozinha na Europa. Quando estávamos caminhando até um bar, ela comentou comigo que sentia um pouco de medo na cidade. “Coisa de latinas, né?” Brincou.

Mais tarde, naquela mesma noite, ela comentou que tinha dificuldade para dormir e que queria começar a fazer exercício físico para ver se parava de acordar todos os dias às 4h ou 5h da manhã e só conseguir pegar no sono novamente lá para às 8h. Ela tentou tratar isso como uma bobagem, uma preocupação sem sentido. Mas então começou a me contar que a dona do apartamento que ela alugava estava se divorciando. E que o ex-marido não tinha nada a ver com o apartamento ou com o contrato.

Eu deixei ela continuar a falar. Me contou então que, na verdade, alugou o apartamento pelo Airbnb com duas amigas, logo que chegou na cidade e quem foi entregar a chave foi o cara. E que o tempo inteiro ele foi bastante invasivo, querendo chamá-las para sair. Quando elas foram dar uma volta, ele estava esperando embaixo e disse que só ia retornar ao prédio para deixar alguma coisa na garagem. Quando elas voltaram, a luz que haviam deixado acesa estava apagada.

Minha amiga, agora sozinha na cidade, conseguiu negociar um bom acordo com a dona do apartamento para seguir morando ali. E o tal ex-marido bizarro continuou mandando mensagens insistentes. Inclusive, na última tinha pedido desculpas por ser meio stalker e prometia que ia parar. Ela falou ainda que se sentia insegura, porque uma das janelas do apartamento só fechava com uma persiana e qualquer pessoa poderia abrir com um empurrão.

As virtudes do medo

Talvez se eu não tivesse na última parte do livro “Virtudes do Medo” (The Gift of the Fear, no original), de Gavin de Becker, tantos sinais de alerta não teriam apitado na minha cabeça ao mesmo tempo. É que tanto a negação da minha amiga em compreender e aceitar o medo “aparentemente injustificado” que sentia, quanto a forma óbvia como ela enumerou exatamente os motivos reais do seus temores são amplamente explicados nesse livro.

Eu já tinha visto indicações do livro de Gavin em alguns sites feministas que costumo ler. E depois uma entrevista dele numa newsletter que assino. Quando finalmente uma leitora deixou um comentário num post sobre viajar sozinha, corri logo para ler.

Basicamente, Gavin de Becker é um especialista em violência de todos os tipos. O cara criou sistemas e tecnologias para proteger o governo dos Estados Unidos e artistas famosos e é um nome importante em pesquisas grandes sobre violência contra mulher. Nesse livro e ao longo de sua carreira, ele tenta mostrar como o medo, um sentimento que a nossa sociedade é muito boa em esconder e naturalizar, pode ser a chave para salvar sua vida.

Ele conta como os sinais da violência, seja ela vinda de um estranho ou de uma pessoa que você conhece, sempre estão presentes e são identificáveis. O autor fala também sobre os diferentes tipos de violência: perseguições, assaltos, assassinatos, estupros, e conta casos reais sobre clientes, alguns desconhecidos e outros famosos. Além disso, também enumera as ferramentas que você precisa ouvir dentro de si e alguns indicadores pré-acidentes comuns para identificar melhor os perigos reais.

Ele mostra em muitos desses casos como as pessoas têm a chave para se defender. Em todas as vezes que ele entrevista as pessoas antes ou depois de uma situação de perigo, elas conseguiram apontar exatamente quem era o culpado e quais as más intenções dos outros. Mas isso às vezes não é tão óbvio para quem está contando, tal como a história que eu contei ali em cima, da minha nova amiga.

A nossa forma de socialização faz com que a gente queira ser simpática, não queira parecer arrogante, aceite que negociem nossos “Nãos”e acreditemos em promessas vazias (“Não.” é uma frase completa. Você não deve aceitar que seja negociável). E pior, faz com que confundamos o medo real, aquele que vai salvar nossas vidas e nos colocar em estado de alerta, com preocupações ou ansiedade. O medo, explica de Becker, não é um estado contínuo, como estar feliz, triste ou com sono. É uma reação de segurança dos nossos cérebros.

Às vezes perdemos tempo nos preocupando com situações imaginárias ao invés de relaxar e ao mesmo tempo, nos manter conectados com a realidade e compreender os sinais ao nosso redor. E é mais fácil perceber sinais de alerta quando não estamos inventando preocupações com algo que só existe nas nossas cabeças e, às vezes, são meras barreiras que nos impedem de ver o verdadeiro alerta de perigo. Precaução é muito diferente de preocupação.

Viagens sozinha e intuição

Além disso, acho que o mais importante é a importância de ouvir as nossas intuições – desde que elas estejam bem informadas (e é por isso que é tão interessante e importante ler esse livro) – e se permitir entender que o mundo pode ser muito perigoso, mas também é muito seguro.

Digo isso porque, volta e meia, nos comentários ou em entrevistas, tem gente que nos pergunta dicas de seguranças para mulheres que viajam ou mulheres que querem saber como superar o medo de viajarem sozinhas, como se houvesse uma receita de bolo para nos manter todas seguras.

Nós já compartilhamos algumas vezes as dicas de segurança em viagens que consideramos importantes, mas a mais importante de todas elas é ouvir sua própria intuição. Nós já nos protegemos diariamente nas nossas próprias cidades. E, tal como De Becker pontua: preocupação é uma escolha, de forma alguma é um mecanismo de segurança. Você pode escolher não se preocupar e parar de criar desculpas para si mesma.

Ps. O livro Virtudes do Medo em português encontra-se esgotado em todas as livrarias que procurei. Por isso, segue o ebook para download.

*Imagem Destacada: Shutterstock

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

Ver Comentários

  • Olá Luísa
    Estou viajando sozinha há quatro meses, e agora me bateu um medo absurdo de prosseguir. Por sinal encontro-me em Porto, com viagem marcada para Açores. Cheguei em Portugal no dia 10/03. Já passei em Lisboa, Coimbra, estou aqui agora. Essa é a minha primeira viagem internacional. Isso aconteceu com Você em algum momento?

    • Oi Josefa,

      O que vc deve estar sentindo é preocupação, com o novo, com o fato de estar longe de casa. A não ser que tenha alguma coisa realmente te ameaçando ou algum motivo para voltar para casa, respire fundo, se acalme e aproveite sua viagem.

      Abraço

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Luiza Antunes

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