A história do Muay Thai e a Tailândia

A melhor analogia possível é com o futebol. Assim como a bola rola em estádios, campos, parques, ruas, enfim, em qualquer lugar do Brasil, na Tailândia não há hora marcada para o Muay Thai – a luta faz parte da vida das pessoas.

Isso ficou claro no minuto em que pisamos no país. São comuns os cartazes e outdoors que chamam para lutas, eventos que movimentam milhares de pessoas e podem envolver grandes apostas em dinheiro. Em Bangkok, dois estádios se destacam: o Ratchadamnoen e o Lumpinee, que enchem dia sim e no outro dia também. Mas o Muay Thai vai muito além da capital – quase toda cidade tem a sua arena. Em Phuket, principal destino turístico do país, as lutas ganham também a cara de atração famosa, tanta é a procura dos viajantes por um gostinho desse estilo de vida.

Sim, estilo de vida. Na Tailândia, o Muay Thai é mais do que um esporte. Quase todo mundo está envolvido de alguma forma com a luta, que tem confrontos transmitidos em horário nobre da TV e já foi disciplina obrigatória na escola. Se no Brasil muitas crianças crescem com o sonho de se tornarem astros do futebol, na Tailândia o sonho é virar um famoso lutador de Muay Thai. Eles ganham bem, são reconhecidos na rua e considerados heróis nacionais. Quem não ia querer um futuro desses, né?

Foto: kallerna, Wikimedia Commons

A parte ruim é que, bem, quase todo mundo sabe Muay Thai. Portanto, nem pense em arrumar briga com um tailandês. Um motorista de tuk-tuk esquentadinho que nos deixou na Kaoshan Road, reduto de mochileiros de Bangkok, fez questão de dizer isso, junto com gestos ameaçadores, para deixar claro que eu devia dar o fora dali, caso contrário ele não se responsabilizaria por suas pernas. E nem pelo estado em que deixaria as minhas. Isso, óbvio, não é o comportamento normal da maioria das pessoas da Tailândia, lutem elas ou não.

Mas, afinal de contas, como o Muay Thai surgiu? Se você pensar bem, parece estranho que um país tão religioso, um lugar que teria a famosa aura zen e onde 95% da população é budista, esteja também tão envolvido com uma luta. Mas isso tem explicação: A Tailândia é o país da liberdade.

Veja também: Religião na Tailândia – Fé do outro lado do mundo

Foto: :  © BrokenSphere / Wikimedia Commons

O nascimento do Muay Thai

E eles se orgulham dessa liberdade, afinal conquistá-la não foi fácil. Todos os países do Sudeste Asiático se dobraram perante as potências europeias, na era das Grandes Navegações. Todos menos a Tailândia. Malásia, Indonésia, Filipinas, Birmânia e até mesmo as gigantes China e Índia tiverem que se submeter aos europeus. A Tailândia, por outro lado, permaneceu independente, chegando a ter a maior cidade do mundo, Ayutthaya, que no século 18 tinha cerca de um milhão de habitantes.

Ser um país organizado, com exército, poder central e reis fortes, ajudou a manter a Tailândia longe das mãos europeias. Mas a verdade é que os tailandeses já estavam acostumados a lutar. Há dois mil anos, quando os tailandeses deixaram a China e foram viver na península Malaia, eles passaram a ter que se defender contra os ataques do vizinho mais forte. Para isso se desenvolveu o chupasart, um método de defesa que envolvia pés, braços, cotovelos, joelhos e mais uma penca de armas, como espadas e machados.

Foi um sucesso, com alto índice de lesões e mortes de inimigos. O problema é que ninguém é bom em nada sem treinamento. E treinar um método de autodefesa que envolve espadas afiadas e lanças pontiagudas logo provou ser uma má ideia: além dos inimigos mortos, um monte de tailandeses morreu ou se feriu gravemente durante treinamentos. Por isso, o jeito foi abolir as armas dos treinos, deixando esse plus só para a hora que o bicho pegasse mesmo. Foi assim que surgiu o  Muay Boran, uma luta sem armas que servia como treinamento militar, uma espécie de ancestral do Muay Thai. Quer dizer, mais ou menos sem armas, já que o corpo passava a ser a maior delas. E tão perigoso quanto espadas.

A luta foi parte obrigatória do treinamento militar até o começo do século 20, prática que foi iniciada durante o reinado de Naresuan, no século 16. Por falar em reis, o monarcas da Tailândia eram grandes lutadores de Muay Thai, não sendo raro que as habilidades de alguns deles sejam lembradas até hoje, como o rei Pra Chao Sua, que governou no século 18 e, dizem por aí, lutava como poucos. Foi esse rei que tornou o Muay Thai parte do currículo escolar, para alegria da criançada.

O Muay Thai não foi importante apenas para garantir a liberdade e a grandeza do país frente aos europeus, mas também fundamental para que a Tailândia sobrevivesse aos ataques constantes dos vizinhos, como os birmaneses, que também sempre foram muito bons de briga – eles chegaram até a derrotar os tailandeses, destruindo completamente Ayutthaya.

Com a chegada do século 20, o governo resolveu colocar ordem na luta. Inspirados pelo boxe, os tailandeses criaram regras para tornar a luta mesmo violenta, limitar a quantidade de lesões e transformar a prática em esporte. Deu certo. A ponto de exportação – hoje o Muay Thai é praticado em vários países, entre eles, claro, o Brasil.

Foto: MGA73bot2, Wikimedia Commons

Como assistir uma luta de Muay Thai na Tailândia

Se você estiver em Bangkok, pode presenciar lutas no Ratchadamnoen e no Lumpinee. A forma mais fácil de fazer isso é perguntando na recepção do seu hotel. As lutas costumam ocorrer nas segundas, quartas, quintas, sábados e domingos, entre 18h e 23h.

Quer treinar? Tem jeito. Basta procurar um dos campos, ou centros de treinamento de Muay Thai. Alguns deles aceitam estrangeiros e oferecem até acomodação e comida. O site Lonely Planet tem informações sobre o assunto.

Vai viajar? O Seguro de Viagem é obrigatório em dezenas de países e importante em qualquer viagem. Na Tailândia, onde as coisas são bem diferentes em relação ao Brasil, ele é indispensável. Veja como conseguir o seguro com o melhor custo/benefício e garanta promoções.

*Imagem destacada: kallerna, Wikimedia Commons

Inscreva-se na nossa newsletter

Avalie este post
Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

Ver Comentários

  • Olá Rafael, muito bacana seu posto. Obrigada por compartilhar. Só reforçou a minha vontade de conhecer esse país.

    Tenho como próximos planos ir à Tailândia para me aprofundar na arte tailandesa, o Muay Thai. Queria saber de você, por ter tido contato com essa cultura, se é possível ficar lá por um período extenso? Quais as dificuldades de tirar visto? Sabes me dizer ou dar dicas sobre como encontrar um trabalho?

    Qualquer sugestão ou dica será super bem vida. Abraço.

    • Oi, Samantha. Obrigado pelo elogio.

      Olha, eu fui como turista, então não sei dizer sobre trabalho e sobre períodos maiores.

      Abraço.

  • Gente, e como eles são lindos. Sou apaixonado pela beleza oriental, especialmente desses lutadores tailandeses. Estou fazendo muai tai pra ver se pego esse corpo. Parabéns pela matéria.

Compartilhar
Publicado por
Rafael Sette Câmara

Posts Recentes

West Hollywood: história, rock ‘n’ roll e memórias na Sunset Strip

“Preparem-se para curtir o dia de hoje como um verdadeiro Rockstar”, disse o guia do…

3 meses atrás

Guna Yala: 100 anos de uma revolução no paraíso de San Blás, no Panamá

Perdido nas águas turquesa do Caribe, o arquipélago de Guna Yala, ou San Blás —…

5 meses atrás

Parque Vigeland, Oslo e as Esculturas mais Estranhas do Mundo

Nesse texto você descobre a história do Parque Vigeland em Oslo, na Noruega. Trata-se de…

5 meses atrás

Kogi: os guardiões da Sierra Nevada de Santa Marta, na Colômbia

Nas encostas da Sierra Nevada de Santa Marta, na Colômbia, um povo luta para preservar…

5 meses atrás

Santeria: os mistérios da religião afro em Cuba

Você já ouviu falar na Santeria Cubana? Mas é muito provável que você esteja familiarizado…

6 meses atrás

A História do Time de Futebol Mais Antigo do Mundo

“Eu estabeleci um ‘foot ball club’ onde a maioria dos jovens de Sheffield podem vir…

8 meses atrás