Vamos, portanto, refletir sobre nossos deveres e lutar tão duro nesta hora difícil que se o Império Britânico e sua Commonwealth durarem mil anos, os homens ainda dirão: “Esta foi a sua melhor hora”
Logo que assumiu o gabinete como Primeiro Ministro, em maio de 1940, Winston Churchill afirmou seu desejo por ser um dos historiadores que contariam sua versão do que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial. Seu cargo, sem dúvida, o colocava numa posição privilegiada para isso. Tinha contato direto com os outros líderes aliados: Roosevelt, Stalin, Truman, além de acesso a documentos e informações sigilosas.
Ao longo de seus cinco anos de mandato, enquanto liderava sua nação – por anos, solitariamente – contra a Alemanha Nazista, Churchill manteve diários e ditava memorandos para seus assessores, batizados de “Minutas pessoais do Primeiro Ministro”, que mais tarde seriam usados em seu livro sobre o conflito. Quando perdeu as eleições, em 1945, fez um acordo com Clement Attlee, líder do partido trabalhista que assumiu o governo, para que seus assistentes tivessem acesso aos documentos pós-guerra, incluindo aqueles que relatam as reações e ordens de Hittler e seus generais. Em troca, concordou em não publicar nada que prejudicasse os interesses britânicos e em permitir que o Secretário do Gabinete, Sir Norman Brook, pudesse ler o original e editar partes que achasse necessárias.
O resultado disso foram seis livros: The Gathering Storm (A aproximação da tempestade), Their Finest Hour (Seu melhor momento), The Grand Alliance (A grande aliança), The Hinge of Fate (A articulação do destino), Closing the Ring (Fechando o círculo) e Triumph and Tragedy (Triunfo e Tragédia). A coletânea de Memórias da Segunda Guerra Mundial, que hoje pode ser encontrada em dois volumes nas livrarias brasileiras, rendeu a Churchill o prêmio Nobel de Literatura, em 1953.
Churchill viajou mais de 150 mil quilômetros durante os anos da Segunda Guerra. Visitou os “teatros”, que eram os pontos de batalha chave, e conversou com seus generais de terreno. Encontrou-se com os chefes de estado em seus próprios países e nas cidades acordadas para convenções internacionais. Fez discursos escritos por ele próprio nos Estados Unidos e no Canadá. Até hoje, suas palavras são famosas por elevar os espíritos britânicos nos duros tempos de guerra e liderar a nação para a vitória.
Os livros tratam das relações pessoais de Churchill com os outros líderes. Com o presidente Roosevelt, dos Estados Unidos, desenvolveu uma boa amizade. Trocavam telegramas e telefonemas quase diariamente. Essa linha direta garantiu que mesmo antes dos Estados Unidos entrarem na guerra, criassem uma política de empréstimos de armas, navios e aviões à Grã Bretanha, chamada Lend and Lease.
Mas é a relação com Stalin a parte mais fascinante do livro. Os encontros pessoais e trocas de correspondência entre os russos e os britânicos mostram a enormidade de diferenças culturais e de personalidade entre eles. Assim, a camaradagem desconfiada e as disputas de poder entre ambos os lados acabam se desenrolando de forma divertida, em muitos momentos. Por exemplo, em sua primeira visita a Moscou, em 1942, depois de um dia de reuniões infrutíferas, Churchill conta que Stalin o chamou, e seus respectivos tradutores, para seus apartamentos pessoais. Ali, tiveram um jantar íntimo preparado pela filha de Stalin e que envolveu muita bebida e comida até três da manhã. Foi essa a primeira vez que o primeiro ministro britânico viu o líder russo sorrir e encher a cara.
Durante a primeira visita dos russos à Inglaterra, Churchill achou graça da paranoia de seus aliados vermelhos com a própria segurança, sempre andando com guardas armados, guardando suas armas embaixo dos travesseiros, não permitindo que os funcionários da limpeza entrassem nos quartos.
Churchill, Roosevelt e Stalin na Conferência de Yalta, em 1945
Apesar da bomba atômica – por ser um assunto de estado confidencial – não ser muito mencionada no livro, Churchill narra sobre a decisão de lançar o novo armamento e sobre como ele e o presidente Truman avisariam a Stalin do futuro ataque ao Japão. Até então, tudo sobre a bomba atômica era o mais absoluto segredo e os líderes dos Estados Unidos e Grã Bretanha não imaginavam como o russo reagiria. Tem um quê de cômico o fato de que Truman chamou Stalin num cantinho, ao final da conferência de Yalta, enquanto Churchill ficou do outro lado para ver a reação. Aparentemente, Stalin não tinha muita ideia do que uma bomba atômica representava, e estava na verdade bastante satisfeito com a ideia de uma nova munição.
Vale dizer que as relações entre os russos e os demais aliados começaram a se deteriorar bastante a partir daí, o que culminou mais tarde na Guerra Fria.
…nós lutaremos na França, lutaremos nos mares e nos oceanos, vamos lutar com crescente confiança e força crescente no ar, devemos defender nossa ilha, seja qual for o custo. Lutaremos nas praias, vamos lutar nas terras de desembarque, vamos lutar nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; Nunca nos renderemos!
Depois da Primeira Guerra Mundial, Churchill não era exatamente querido no Parlamento Britânico, tanto que ficou anos fora da estrutura de governo de seu partido. Ao mesmo tempo, ninguém negava sua influência na opinião pública. Suas opiniões sobre a politica interna ou sobre a politica colonial eram controversas, para não dizer racistas e imperialistas. Mas sua visão sobre o futuro da Europa e as tensões que culminariam na guerra não poderia estar mais correta.
Logo no inicio do primeiro volume do livro, ele fala dos anos que passou fora do governo, como uma importante voz da oposição, tentando fazer com que os líderes da Inglaterra e da França abrissem os olhos para a ascensão de Hittler e do Nazismo e para o rearmamento da Alemanha, tudo isso ao mesmo tempo em que trabalhavam pelo desarmamento das potências que poderiam impedir tal ascensão.
É impressionante pensar no que teria acontecido se eles tivessem agido a tempo, se tivessem ouvido o que ele dizia e impedido Hittler antes que ele tivesse invadido várias nações europeias e aumentado tanto seu poder militar. Mas a história não é feita de “e se”.
Pelo fato de ter sido uma voz tão insistente sobre os perigos do Nazismo e necessidade de preparação das forças armadas britânicas, foi o nome de Churchill que surgiu como única opção possível para primeiro ministro de um governo de coalização nacional – ou seja, que unisse os partidos conservador, liberal e trabalhista – durante a guerra. O Primeiro Ministro anterior, Neville Chamberlain, ainda insistia em conversas de paz com a Alemanha, mesmo quando a Alemanha Nazista já havia invadido a Noruega, Dinamarca, Tchecoslováquia, Bélgica, Holanda e, por fim, França.
Logo que Winston assumiu o cargo, fez seu famoso discurso:
“Eu não tenho nada a oferecer além de sangue, labuta, lágrimas e suor. Temos diante de nós uma provação do tipo mais grave. Nós temos diante de nós muitos, muitos longos meses de luta e de sofrimento (…) Vocês perguntam qual será a nossa política. Eu digo, é fazer a guerra com todas as nossas forças, com toda a força que Deus pode nos dar, para fazer guerra contra uma monstruosa tirania como nunca existiu no escuro e lamentável catálogo de crimes humanos. Vocês perguntam: qual é nosso objetivo? Eu posso responder com uma palavra: Vitória. Vitória a qualquer custo. Vitória apesar de todo o terror. Vitória não importa quão longa e difícil a estrada seja. Porque sem vitória não há sobrevivência”.
A história do início do governo de Churchill é o enredo de um dos filmes indicados ao Oscar em 2018, “O Destino de uma Nação”. Seus livros de memórias são bem mais fiéis à história do que o filme. Outra obra de cinema concorrendo ao Oscar cuja trama é citada nos livros é “Dunkirk”, a operação de resgate das tropas britânicas na França usando barcos civis. Aliás, todas as grandes operações militares durante a guerra são narradas em detalhes nos livros, sejam elas em terra, água ou ar, em todos os cantos do mundo.
Depois da Guerra, quando ele perdeu as eleições para o Partido Trabalhista, escreveu: “Ao meio-dia estava claro que os socialistas teriam a maioria. Minha mulher me disse: ‘Talvez seja uma benção disfarçada’. Eu respondi, ‘no momento parece muito efetivamente disfarçada'”. A verdade é que o povo britânico, depois dos longos anos de guerra, não acreditava que Churchill e o partido conservador fossem os melhores líderes para reconstruir o país, trazer mudanças sociais e a tão almejada paz.
E foi assim que, no meio da conferência de Potsdam – aquela que dividiu a Alemanha em quatro -, Churchill foi substituído por Clement Attlee, que foi seu leal aliado durante a guerra. Winston, no livro, narra sua frustração em não poder lidar pessoalmente com o fato de a União Soviética ter dominado os territórios de tantos países da Europa. E num discurso nos Estados Unidos, em 1946, ele usou pela primeira vez o termo cortina de ferro.O legado de Churchill também inclui seu papel na criação da ONU e certa influência na constituição do que seria mais tarde a União Europeia.
Winston Churchill não era exatamente um homem fácil de lidar ou sem graves defeitos. Nem mesmo podemos dizer que era um primeiro ministro impecável. Isso tudo não muda o fato de que, sem ele e sua inteligência, talvez os aliados não tivessem ganhado o conflito. Suas memórias têm o seu ponto de vista sobre os acontecimentos, mas, para quem gosta de estudar a Segunda Guerra Mundial ou admira a oratória de Churchill, é uma leitura imperdível.
Se você não sabe o que fazer na Inglaterra, em Londres, é possível visitar os Gabinetes de Guerra de Churchill e um museu dedicado à vida do Primeiro Ministro. O Churchill War Rooms fica no bunker onde a equipe do conselho de guerra e o próprio primeiro ministro trabalhavam. Várias salas foram deixadas como eram na época da Segunda Guerra, inclusive a Sala de Reuniões e a Sala dos Mapas. Além disso, o museu tem uma coleção extensa, moderna e interativa sobre a história de Winston durante a guerra.
Visitar o museu da segunda guerra mundial é um passeio caro: são 21 libras a entrada (ou 18,90 se você comprar online), inclui um audioguia, que tem a versão em português. Para quem gosta de história vale muito a pena.
Um fato curioso: quando estive lá, estava no meio da visita e acabou a luz. Imagina, todos os turistas sendo evacuados de um bunker da Segunda Guerra Mundial! Pior ainda, sabendo que, apesar de ser um lugar tão importante para o governo britânico durante a guerra, o bunker não era exatamente seguro: durante a visita eles explicam que, dependendo da bomba que caísse ali, todos lá embaixo morreriam. A informação, entretanto, não foi compartilhada com a equipe que trabalhava lá na época.
*Todas as traduções de discursos foram feitas livremente por mim. Você pode conferir aqui as versões originais dos discursos do Churchill, em inglês.
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Ganhei ontem o livro das memorias da Segunda Guerra Mundial de Churchill. Esta matéria me inspirou ainda mais.
Espero que você goste tanto quanto eu gostei!
Maravilha de artigo, como sempre! Obrigada por dividir sua cultura e suas experiências conosco Luiza.
Obrigada Bianca!
Ao nosso redor pairam tantas inutilidades que ler este artigo hoje fez renovar minha inspiração por pessoas que são o que são, como Churchill mas deixaram um legado, a história brasileira passa um momento em que precisamos rever nossos conceitos, o povo quis ouvir o que era mais bonito de se ouvir, mas nem sempre isso é o correto, ainda bem que acordamos, antes que aquele se diz o presidente do povo, não acabasse com ele com a mesma desculpa do Hitler, melhorar a sociedade. Parabéns por este artigo, foi fantastico
obrigada por comentar Nilza!
vocês são fodas, sempre trazendo conteúdo da melhor qualidade, levam o ato de viajar a outra nível, valeu!
Nossa muito conteúdo bacana, gosto muito de história, tudo que é relacionado a história filmes, artigos etc. gostei demais desse artigo sobre a segunda guerra mundial.
Obrigada por comentar Ramom