Dizem que a culpa foi dos barcos a vapor. Mais rápidos que as embarcações que há séculos eram usadas para cruzar o Atlântico, foi essa nova tecnologia que permitiu que passageiros ilegais – as filoxeras, insetos que alcançam no máximo três milímetros e costumam passar despercebidos ao olho nu – chegassem vivas ao fim da viagem transatlântica. Levados sem querer da América do Norte para a Europa, esses insetos quase acabaram com a produção de vinhos no Velho Continente. Uma cepa de uva, pelo menos, foi considerada extinta: a Carménère.
A grande praga de filoxera é o tipo de coisa que mudou o mundo. Insetos da América do Norte e que poucos problemas causavam por lá, onde as uvas cresceram resistentes à praga, eles destruíram metade das vinícolas francesas em uma década.
Não demorou para que outros países fossem atingidos: Portugal, Espanha e Itália foram as vítimas seguintes. Numa época em que a vinicultura representava grande parte da economia desses países, o rastro de destruição deixado pelo inseto acabou levando a outro, o de de falências, aumentando a pobreza e a imigração do Velho para o Novo Mundo.
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Logo inseto saiu da Europa para devastar vinícolas ainda mais distantes. Até na Austrália a praga chegou, para o desespero dos produtores, que tentavam controlar o avanço da doença com vinícolas em chamas. A solução definitiva foi encontrada em alguns anos. Foi feito um enxerto – a raiz de uma vinícola norte-americana foi usada para começar a produção de uvas europeias. Deu certo, mas o estrago já estava feito e as consequências puderam ser notadas por décadas. Afinal, a produção de vinhos é algo que leva tempo.
A praga de filoxera começou em 1860. Anos antes, outras viagens de navio também tinham mudado a história, mas dessa vez no Chile. Foi quando chegaram ao país uvas europeias, junto com vários imigrantes, incrementando a produção de vinho naquela parte do Novo Mundo.
A filoxera, terror de vinicultores mundo afora, nunca conseguiu fazer o mesmo caminho. É que o Chile é, mesmo no continente, a mais isolada das ilhas – cercado pelos Andes e pelo Pacífico, pela Antártica e pelo Atacama, o deserto mais seco do mundo. Junte isso com o tipo de solo e fica fácil entender como o Chile acabou se tornando um bastião da produção de vinhos, um pedaço onde os insetos não tiveram vez.
Uma uva em especial se destacou nas décadas seguintes, a Merlot. Importada da França em meados do século 19, por ali essa uva ganhou características tão únicas que acabou sendo chamada de Merlot chilena, resultando em vinhos bem diferentes dos Merlots europeus.
A explicação para o fenômeno só veio em 1994, cerca de 130 anos depois que a filoxera arrasou com vinhedos pelo mundo, mas poupou o Chile. Foi naquele ano que um especialista francês chamado Jean-Michel Boursiquot percebeu que o tal do Merlot chileno era, na realidade, Carménère, uva considerada extinta desde a praga do século anterior. O que provavelmente aconteceu é que, na hora da chegada das uvas Carménère ao Chile, elas foram catalogadas como Merlot. Engano que durou mais de um século.
Não pense que o renascimento da uva causou alegria. Os produtores chilenos vinham produzindo, engarrafando e vendendo, há décadas, vinhos Carménère como se fossem Merlot. Sem a identificação correta da uva, parte do processo de produção não se mostrava tão eficiente como poderia ser. Além disso, a produção de vinhos Carménère sequer era regulamentada no Chile, por mais que ocorresse desde 1850.
Demorou um pouco para que as vinícolas chilenas passassem a abraçar a Carménère, uma uva que agora era exclusividade do país. Hoje, o dia 24 de novembro – data em que a uva renasceu, ao ser redescoberta pelo especialista francês – foi declarado Dia do Carménère.
Após anos de estudos e com o aprimoramento das técnicas de produção, o vinho feito com essa uva se tornou um símbolo do país e pode ser encontrado nas prateleiras de qualquer supermercado brasileiro e em muitos estabelecimentos do mundo.
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Fiquei sabendo dessa história no Chile, nem imaginava isso.
Muito bom o artigo. Mas nao é o mesmo que que a parece no boletim do email: Whipala, todas as cores da bandeira andina
Formada por 49 quadrados coloridos, separados por uma faixa de quadrados brancos que cortam o centro da bandeira na diagonal, a Whipala é considerada o símbolo de resistência e da diversidade dos povos nativos da Cordilheira dos Andes.
Realmente foi errado, Hosana. Obrigado por avisar.
O texto que você procura é esse: https://www.360meridianos.com/especial/whipala-bandeira-andina
Abraço.
gostei do que vi..
quero ir para santiago em outubro.
podem me ajudar...so uns 3dias...
Veja tudo que publicamos sobre Santiago, Elisabete:
https://www.360meridianos.com/atlas/santiago
Qualquer coisa é só falar!
Chile e vinho, a combinação perfeita.
Verdade, Fabiana!