Ratos com asas ou prato do dia? O curioso hábito de comer pombos no Egito

Tudo começou numa conversa inocente. “Aqui no Egito nós aproveitamos tudo das carnes dos animais. Inclusive, comemos algumas coisas bem estranhas” – disse Carla Gazal, uma das organizadoras da viagem de impressa que eu fiz pelo país. “É mesmo?” respondi. “O quê, por exemplo?”.

Ela começou a enumerar iguarias como cérebro e testículos bovinos, nada que eu já não tenha visto numa das edições do Master Chef BR. Só me surpreendi mesmo quando a palavra “pigeon” foi mencionada. Pigeon, em bom português, é pombo mesmo. Também conhecido como rato que voa. Uma praga que infesta cidades no mundo inteiro, carrega doenças e tem uma aparência que em geral me incomoda profundamente (e irracionalmente).

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Praça dos pombos em Sarajevo, Bósnia

“Sério? Vocês como comem pombo?”, perguntei, curiosa. “Na maioria das vezes recheado com arroz. Mas também grelhado ou num risoto. É bastante comum, na verdade”. De posse dessa informação, passei a atormentar a Carla – eu queria provar o tal prato com pombo, porque a minha curiosidade jornalística não me permitiria deixar de experimentar um traço da culinária tão curioso para mim. Felizmente, a Carla também achou uma boa ideia me apresentar o pombo em forma de comida.

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Quando fomos almoçar num luxuoso hotel com vista para as pirâmides, meu desejo foi realizados. Não sem o chef responsável pela nossa alimentação ter questionado a Carla, por telefone, sobre a decisão de servir carne pombo para um monte de estrangeiros desavisados. Sim, desavisados, porque a campanha pelo prato de pombo foi efetuada por mim apenas, para o horror ou desinteresse do resto do pessoal que viajava conosco.

A vista do restaurante do Mena House Hotel

Apesar de muito ouvir sobre o pombo recheado, que é considerado uma iguaria chique, servido em casamentos, eu comi outra especialidade da casa, que era o pombo grelhado no churrasco. No prato, também tinha outras carnes mais comuns, grelhadas abaixo do pombo, para aqueles menos corajosos ou mais famintos.

A primeira lição sobre comer pombos que você precisa aprender é que não se come o pombo adulto e muito menos o pombo que habita praças, uma vez que esses carregam várias doenças. O pombo usado para alimentação é domesticado e criado para isso. Chama-se, pelo mundo afora, Squab. Basicamente, é um pombo bebê, o que torna essa história um pouco triste, é verdade. O squab, ou “hamama” em árabe, não só é comum no Egito, mas em vários países do Oriente Médio e também na França, Itália, Escandinávia e partes da Ásia. Segundo meu namorado, no interior Rio Grande do Sul também é comum comer “aqueles pombos do mato, que a gente caça com uma espingardadinha de pressão”. Ele também acrescentou que eu era muito “menina de prédio” por não saber disso. Tenho que concordar.

Além disso, o hábito de comer pombos é milenar. Desde o Egito Antigo, a civilização Romana e, mais tarde, na Europa Medieval, pombas e pombos são descritos não só como mensageiros, mas também como comida. Nas escrituras sagradas hebraicas e na Bíblia cristã a iguaria é mencionada. A carne do pombo é barata e uma boa fonte de proteína. Inclusive, os pombos que hoje são considerados pragas, de São Paulo a Nova York, segundo a escritora Courtney Humphries, chegaram na América de navio, para os europeus alimentarem o pessoal nas colônias.

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Comendo gafanhotos, vermes e outros insetos no México

Confesso que quando o prato chegou, com o pombo ali tão claramente em primeiro plano, eu temi pelo meu paladar. Pelo tamanho, poderia dizer que era um frango a passarinho, mas a pele parecia mais densa do que um frango comum. Deixando a frescura de lado, preparei meu garfo e faca. A Carla logo advertiu: “É bem mais fácil comer com as mãos”. E quem sou eu para discordar da única egípcia da mesa? Puxei a perninha do bicho e parti para o ataque.

A carne é mais escura e tem gosto um pouco mais forte do que frango. Também é levemente mais gordurosa, mas, fora isso, não há grandes diferenças. A comparação que achei na internet é a semelhança com a galinha caipira ou d’angola. Como vocês podem ver pela foto, tem bem menos carne disponível. Para uma pessoa com muita fome, um pombo só é pouco. Todo o resto do pessoal comeu do pombo, com exceção da minha colega brasileira, que não conseguiu superar a imagem do pombo-peste.

No final das contas, comer ou não pombo é mais uma questão de preconceito do que de paladar. Depois de assistir ao chef Anthony Bourdain visitando o Egito, renovei minha vontade de, quando voltar ao país, experimentar a versão recheada.

Você se arriscaria? Ou já provou carne de pombo e tem uma opinião sobre isso?

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

Ver Comentários

  • Tive um primo de origem árabe que toda vez que vinha nos visitar, pedia pra minha mãe preparar os pombos pra ele comer. Ele se deleitava com a "tal iguaria ", para meu horror de criança!!
    Nunca tive a curiosidade de provar e chorava muito pelas pombinhas devoradas!

    • hahaha a pergunta que não quer calar é de onde sua mãe tirava pombas para alimentar seu primo?? Nunca vi vendendo no Brasil!

  • Não sei como o pombo ficou tão assustador kkk, na minha infância aqui no nordeste minha família tinha uma criança imensa de pombos brincávamos o dia todo com pombos e sem falar que além de vender tbm comiamos , e nunca tivemos nenhum problema de saúde tanto eu como meus irmãos.

    • Oi Edson,

      Provavelmente sua infância foi no interior. O problema com pombos é que eles são pragas urbanas, vetores de diversas doenças graves.

  • Boa tarde!
    Primeiramente, parabéns pela excelente reportagem!!!
    Na minha infância comi muito pombo assado! meu tio criava exatamente para isso! E confesso era deliciosos!
    Sucesso
    paz e luz

  • Já comi muitas vezes pombo, quando criança, no interior de Pernambuco. Era bem comum, pois muita gente criava e se comia, como se fosse passarinho.

  • A primeira vez que experimentei carne de pombo foi num pequeno restaurante especializado em aves em Paris, esse restaurante fica pertinho do hotel onde eu sempre costumo me hospedar, então geralmente uma das refeições do dia sempre é por lá. Sempre pedia o “Baby Chicken” que vinha num molho branco de cogumelos e creme de leite, com varias ervas dentro, uma delicia!! Depois de vários dias comendo os Babies e me enturmando com o pessoal do restaurante resolví perguntar sobre aquele maravilhoso prato. As atendentes, duas irmãs algerianas , não falavam muito bem inglês e tentei me comunicar com elas no meu francês sofrido mesmo, perguntando que tipo de ave era , elas me responderam em francês( pigeon) e obviamente eu não quis entender de primeira... quando realmente caiu a ficha que era pombo e não Baby Chicken fiquei chocado mas era tarde de mais , eu já estava viciado na carne de pombo e continuo pedindo o mesmo prato de Baby Chicken sempre que volto lá .

  • Carne de pombo no Brasil é assim tão estranho? Não sabia :)
    Aqui em Portugal, nomeadamente no interior, é comum o arroz de pombo, ou os "borrachos" (pombo jovem) estufado.

    • Aqui é um pouco estranho mesmo, até porque se costuma associar o pombo a doença. Mas eu vi que em Portugal quando viajei lá tinha em alguns restaurantes.

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Luiza Antunes

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