Casa de Julieta em Verona: o mito de Romeu e Julieta na Itália

Parada em uma longa fila de pessoas que erguiam o celular para capturar o pátio da Casa de Julieta, perguntei pra minha amiga: Shakespeare ao menos veio a Verona? 

Apesar de saber que a varanda de Julieta – de onde o casal professa seu amor e decide se casar – era apenas uma criação para turistas, não tinha ideia de por que Shakespeare escolheu Verona como cenário para sua famosa tragédia ou se os sobrenomes Montecchio e Capuletto tinham algum fundo de verdade. 

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A resposta para essa pergunta, descobri, é mais complexa do que posar para fotos tocando nos seios da pobre estátua de Julieta ou deixar cartas de amor entre os tijolos da casa. 

Shakespeare já esteve na Itália?

Segundo biógrafos e historiadores, Shakespeare nunca viajou para fora da Ilha Britânica. Isso considerando sua história de vida, onde não há registro de viagem, e também a época em que ele viveu, de 1564 a 1616, quando longas viagens para turismo não eram nada comuns.

Seu encanto com o país e as diversas peças que escreveu com pano de fundo italiano vêm do contato com materiais impressos. Muita gente talvez não saiba, mas ele se inspirou fortemente em histórias escritas por autores italianos.

Romeu e Julieta tem origem na mente de Luigi da Porto, um nobre de Vicenza, que escreveu o conto sobre o casal em 1531. O nome das famílias rivais, Montecchi e Cappelletti, foi inspirado numa passagem de “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri, escrita 200 anos antes. 

A história se popularizou em Verona e, com o tempo, passou a ganhar novas versões de outros autores. As mais famosas foram de 1553: um romance de Matteo Bandello e um poema de Gherardo Boldier. 

Essas histórias acabaram sendo traduzidas para o francês e chegaram na Inglaterra. Em 1596, William Shakespeare fez sua versão para a dramaturgia, com o título “A mais Excelente e Lamentável Tragédia de Romeu e Julieta”. E o resto é história. 

Turismo em Verona no século 19: O Grand Tour

Se Romeu e Julieta de fato existiram lá nos tempos de Dante, não dá para afirmar ou negar com certeza. Mas a necessidade de criar pontos turísticos reais ou inventados em tributo a eles só surgiu duzentos anos após a publicação de William Shakespeare. 

Entra em cena o Instagram de 1814: as cartas publicadas por famosos escritores ingleses e franceses, fazendo sua Grand Tour. Basicamente, um roteiro de viagem que jovens europeus abastados faziam por países considerados berços do conhecimento, como Grécia, Itália e Egito. 

A Grand Tour se popularizou no século 19 e com ela acabaram surgindo os primeiros tours guiados e o termo turista, assim como os primeiros guias de viagem. Autores famosos da época passaram a fazer essas viagens e escrever cartas – com o objetivo de publicar livros – sobre suas jornadas.

A necessidade de autenticidade e intelectualismo das histórias levou autores como Lord Byron, Hans Christian Andersen e Charles Dickens a procurarem por alguma prova histórica sobre a existência dos personagens ficcionais e escreverem cartas emocionadas sobre como fizeram os mesmos passos de Romeu ou se encantaram com a aura romântica do túmulo de Julieta. 

Tudo isso com base numa fabricação: alguém, sabe se lá quando, encontrou uma tumba no antigo convento de San Francesco al Corso, de uma Giulietta Capello. Daí, foi um pulo para encontrarem uma suposta casa do pai dela, Antônio Capello

A Tumba e a Casa de Julieta em Verona

“A casa-torre no número 23 da via Cappello tem origem medieval e é atestada em documentos já em 1351. Abrigava uma pousada chamada del Cappello, de propriedade dos herdeiros de um certo Antonio Cappello”, explica, em italiano, o site oficial da Casa de Julieta.

Que fique claro que a linha seguinte do parágrafo diz: “A família Veronese dos Cappellos nada tinha a ver com os Cappellettis do Purgatório de Dante.” 

Mesmo sabendo que a tumba não era da Julieta da história, o local virou ponto de peregrinação dos jovens ricos do século 19. As pessoas literalmente retiravam pedaços da pedra como souvenir ou entravam no sarcófago para se deitar como Julieta, a ponto do local ficar completamente degradado.

Em meados daquele século, a Congregação de Caridade, dona do edifício, precisou construir uma capela para tentar proteger o local.

A casa-torre medieval no centro de Verona também não estava na melhor das formas, até que, no início do século 20, a prefeitura comprou o edifício. 

A criação da Varanda de Romeu e Julieta em Verona

No auge do governo fascista italiano, entre 1939 e 1940, decidiram fazer uma grande reforma na Casa de Giulietta, no estilo neo-medieval. Tratou-se de uma interpretação do local como um cenário teatral, com toda a decoração focada no mito literário. 

Assim, explica o site oficial: “Modifica-se a fachada da casa voltada para o pátio e acrescenta-se a varanda; o interior totalmente revisto e as paredes pintadas com motivos ornamentais que reproduziam os das casas da Idade Média”.

Fachada da Casa-Torre

Na década de 70, a estátua de Julieta, do artista Nereo Costantini, foi colocada no pátio e em junho de 1973, a Casa de Julieta foi aberta ao público. 

Não foi só a casa que foi completamente repaginada para dar vida ao mito. No início do século 20, o túmulo de Julieta ganhou um busto de mármore de Shakespeare. E, na mesma época da reforma da casa, o governo fascista italiano também planejou uma reforma ao redor do túmulo, para construir uma cripta e jardins semelhantes à representada no filme “Romeu e Julieta” de George Cukor (1936).  

Verona, a cidade do amor

Depois de ler todas essas informações, dá para concluir que a Case de Julieta é tão autêntica quanto o Beco Diagonal ou o Castelo de Cinderela nos Parques da Disney. E que foi a partir de uma única peça que Verona ganhou para todo sempre o título de “cidade do amor”. Mas também nos faz pensar como pontos turísticos surgem e se consolidam no imaginário popular.

Segundo o relatório anual de turismo da Comune de Verona, a Case de Julieta é a segunda atração mais visitada da cidade, depois da Arena de Verona – um coliseu romano. E a Tomba di Giulietta está entre os 5 museus históricos que mais recebem turistas.

Isso sem contar nos filmes e séries que usam tais lugares como pano de fundo, como o filme Cartas para Julieta ou, mais recentemente, Amor em Verona, da Netflix.

Shakespeare pode nunca ter pisado em Verona, mas a cidadezinha vale cada segundo da sua visita, seja porque você goste de conhecer lugares charmosos na Itália, seja pela associação romântica com os famosos personagens. 

Como visitar a Casa de Julieta e a Tumba de Julieta?

A Casa de Julieta fica bem no centro de Verona, na via Cappello 23. A entrada é gratuita no pátio da casa-museu, onde fica a Estátua de Julieta e a famosa varanda.

Porém, é preciso pagar 6 euros para entrar na casa, que fica aberta de terça a domingo. Também é possível pagar 7 euros para entrar na casa e visitar a tumba.

Ainda, existe a opção de comprar o Verona Card, que também garante a entrada no Coliseu de Verona, a Arena, e em outras atrações históricas e culturais da cidade. Essa é a melhor opção para quem quer economizar no passeio. Clique aqui para comprar o bilhete para 24 ou 48 horas.

A Tumba de Julieta fica fora do centro, no antigo convento de San Francesco al Corso, hoje cede do Museo degli Affreschi “G.B. Cavalcaselle”. O ingresso custa €4,50.

Também existe a possiblidade de fazer um tour guiado em Verona para conhecer mais sobre a história de Romeu e Julieta.

Outra opção é fazer um free walking tour sobre pelas ruas históricas de Verona, que inevitavelmente também vai te contar um pouco mais sobre o romance criado por Shakespeare.

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

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  • Que legal

    Gostei da maneira como você traça a ligação entre o mito e a realidade, proporcionando essa compreensão mais profunda do significado cultural desse lugar. Parabéns pelo post informativo!

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Luiza Antunes

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