Isso não é um Chapéu Panamá

Eu nunca vi alguém colocar um chapéu na cabeça e não sorrir para o espelho”. Sentado em seu escritório no Museo del Sombrero de Paja Toquilla – o famoso Chapéu Panamá -, na cidade de Cuenca, no Equador, o museólogo Juan Fernando Paredes fala de seu trabalho com um amor que poucas vezes presenciei. “Eu cresci cercado de palha pra fazer chapéu e hoje posso dizer que é um produto que tem vida, porque nasce como uma planta, e se transforma, através das mãos de alguém, em uma fibra. E através de outras mãos, ganha o formato de um sino. Através de outras mãos, ganha um desenho, um conceito. E através de outras, são ofertados a uma pessoa. Dessa pessoa, o chapéu vai adquirir sua personalidade”.

Juan Fernando é o filho mais novo de uma numerosa família herdeira de uma das mais proeminentes fábricas de chapéus de palha toquilla de Cuenca, cidade conhecida pela tradição de confeccionar o acessório. É que, embora seja popularmente chamado de Chapéu Panamá, o item é, na verdade, original do Equador. A confusão é histórica. Durante a construção do canal do Panamá, no início do século 20, o país importou centenas de unidades do chapéu, que acabou se tornando peça oficial do vestuário de franceses e americanos envolvidos na obra, para se protegem do forte sol que castigava a região. Na inauguração do canal, o presidente americano Theodore Roosevelt também apareceu utilizando o chapéu, o que ajudou a colar a imagem da peça ao Panamá.

Mas a palha utilizada para a confecção do chapéu original nasce na cordilheira Chongón-Colonche, localizada na costa do Equador, e já era usada pelos indígenas nativos nas peças de vestuário e nos tetos das casas há séculos. Eles dominavam a técnica de trançar a planta em tiras tão finas que os primeiros espanhóis a terem contato com eles pensaram se tratar de um tecido feito de “asas de morcego”.

Quando os conquistadores se depararam com o povo Macharilla utilizando grandes cones de palha na cabeça, logo se deram conta de que aquele material leve e flexível poderia ser utilizado na fabricação de chapéus à moda europeia. Na época, o material utilizado era a lã, o feltro e a palha da cevada e do trigo, que nem de longe produziam material de tão boa qualidade quanto a palha toquilla. “Você encontrava palha toquilla também na Ásia e em outras regiões da América do Sul, como Colômbia. Mas nenhuma se iguala em resistência e flexibilidade quanto a que é originária do Equador. É por isso que os melhores chapéus são produzidos aqui”, conta Juan Fernando. 

Como é fabricado o Chapéu Panamá

Com um novo mercado em vista, os habitantes das províncias do Equador passaram tecer a palha durante a entre-safra do milho, já que por ali dominava a monocultura. O método de produção artesanal desenvolvido pelos indígenas se mantém. “Não há fábricas dessa tela. Até os dias de hoje, a produção é completamente manufaturada. E exige muita criatividade. Há desenhos nos quais se imprimem histórias e paisagens”, explica o museólogo.

Os produtores se encarregam da colheita da palha que, depois de seca, será desfiada, cozida e trançada. Só depois que os tecidos estão prontos é que eles são comprados dos artesãos locais e levados para uma das 14 fábricas do produto localizadas em Cuenca, onde ganham a forma do chapéu, correção de cor e acabamento. Embora o modelo mais conhecido seja o chapéu branco com uma faixa preta ou o azul-marinho, as peças são fabricadas com diferentes tons e formas. Além do acessório, a cidade também é famosa pelas bolsas e artesanatos que usam a palha como matéria-prima. 

Quanto mais finas as fibras da palha toquilla, maior o preço do produto final. Dependendo da qualidade da fibra e do tempo que demorou para ser finalizada, que pode chegar a oito meses, o valor das peças varia entre vinte e três mil dólares.

Mais que uma peça de vestuário

Mas para Juan Fernando, o valor real de alguns dos chapéus que ele guarda na coleção permanente do museu é inestimável: “tenho aqui no museu um chapéu que pertenceu ao meu avô e até hoje está em perfeito estado. Como se calcula o valor disso? Você compra um chapéu de palha toquilla quando jovem e ele pode te acompanhar pela vida inteira, vira uma parte de você, da sua história”, afirma.

“Hoje, o chapéu caiu em um momento triste, com a proliferação de produtos de baixa qualidade e de preços muito mais baixos, mas que não duram dois meses. O trabalho artesanal já não é mais valorizado. Mas eu sei que ele já me abriu muitas portas nessa vida, inclusive a do palácio de Buckingham, quando fui convidado para receber um prêmio diretamente das mãos da Família Real britânica”, se lembra. “O Museu é a forma que minha família encontrou de devolver para a cidade de Cuenca tudo o que ela nos proporcionou”.

Serviço: Museo del Sombrero de Paja Toquilla

O Museo del Sombrero de Paja Toquilla, em Cuenca, conta a história e o método de produção do famoso Chapéu Panamá. O lugar tem uma loja de chapéus e outros produtos feitos da palha toquilla, uma exposição com exemplares raros e um agradável café com vista para o rio. A entrada é gratuita e o museu abre todos os dias, das 8h30 às 18h30 durante a semana, e das 9h30 às 17h aos sábados. Aos domingos, fecha às 13h30. 

Endereço: Calle Larga 10-41 y, Padre Aguirre, Cuenca.

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na newsletter Migraciones e no Youtube. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Você encontra tudo isso e mais um pouco no meu Site Oficial.

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Natália Becattini

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