Viscoso, mas gostoso! Os insetos que são tira-gostos populares no México

A noite que começava entre cervejas artesanais no bar de sempre e uma rodada de tacos entre amigos poderia ter sido apenas uma mais das muitas que passamos na vibrante e moderna capital mexicana. Lá pelas tantas, no entanto, alguém na mesa fez o pedido: “uma porção de chapulines, por favor”. Embora o nome imediatamente remeta ao super-herói colorado das tardes da SBT, a chegada dos tais chapulines não me acalmou do pânico. Inseto da família dos gafanhotos (daí as anteninhas do herói), do tipo cantante e saltitante, o chapulin é comumente encontrado na região do Vale do México e dos estados de Oaxaca e Puebla. Aquela noite, no entanto, eles estavam à minha frente para serem degustados, fritos no sal e limão. Com exoesqueleto e tudo.

No mercado público Benito Juárez, da cidade de Oaxaca de Juarez, ou nas barraquinhas de rua da Cidade do México, os chapulines são vendidos a mexicanos e turistas, algumas vezes já temperados com chili piquín, por algo entre 70 e 100 pesos o quilo (entre R$ 15 e R$ 20). É comum que sejam usados como tira-gosto acompanhando uma bebida ou na hora de ver TV, como a pipoca, mas também podem ser servidos misturados ao feijão ou como recheio de tacos e quesadillas, acompanhados de guacamole e queijo, para dar aquele toque crocante.

O hábito de comer insetos existe no México desde tempos pré-coloniais. Registros da venda de chapulines, vivos ou mortos, frescos ou secos, nos mercados mexicanos existem desde a época da chegada dos espanhóis. Ao contrário do aconteceu na Tailândia, por exemplo, o consumo desses pequenos artrópodes não se converteu em um espetáculo para turistas em tempos modernos.

Os chapulines e os vermes encontrados na planta do agave (por ali também conhecida como maguey) ainda fazem parte da dieta dos descendentes dos povos que desenvolveram essa milenar tradição gastronômica. No estado de Oaxaca, os chapulines são caçados com redes artesanais e até hoje se preparam receitas tradicionais com os gafanhotos como ingrediente principal, entre elas uma que consiste em colocá-los em uma panela de barro com alho, cebola, limão e sal e preparar um molho no fogo a lenha que pode ser usado em diversos pratos.

Leia também: As pessoas realmente comem insetos na Tailândia?

Já o consumo dos vermes de agave é mais amplamente difundido nas garrafas de mezcal, um destilado que parece tequila, mas não é. Sabe aquela velha história de que se o bichinho cair no seu copo, você tem que tomar? Prazer, esse é o verme do agave, a planta utilizada na preparação das duas bebidas. A larva é adicionada no final do processo de produção e, longe de ser uma jogada de marketing, realmente afeta a composição química da bebida para melhor e – embora isso ainda não tenha sido comprovado – tem propriedades afrodisíacas.

Em anos recentes, tanto a variedade branca quanto a vermelha da larva também passaram a ser muito utilizadas na cozinha mexicana, por seu sabor forte e distinto. No estado de Hidalgo, doces de caramelo, chocolate e amendoim são produzidos com a utilização da farinha do verme vermelho, devido às suas ricas propriedades nutricionais. E se, ao pedir uma dose de mescal, ela for servida acompanhada de limão com um pó vermelho em cima, pode saber: esse é o sal de gusano, preparado com chili, sal mineral e generosas porções do inseto moído.

Embora o chapulin e o verme sejam os insetos mais comumente consumidos no México, outras espécies fazem parte do cardápio nacional. As chicatanas, enormes formigas voadoras, são utilizadas na preparação de um molho temperado com folhas de abacate e chili, nos estados de Oaxaca e Veracruz – ou comidas como petisco após terem as asas retiradas. Um quilo dessa iguaria pode beirar os mil pesos (R$ 200). Os jumiles, insetos da família dos percevejos e barbeiros, são consumidos no estado de Guerrero. Eles são famosos pelo gosto, que lembra a menta, e pelas propriedades analgésicas e curativas.

Mesmo no México, não são poucas as pessoas que fazem cara feia para o consumo de insetos. A prática, no entanto, é fortemente recomendada pela ONU, por ser uma forma barata, sustentável, segura e mais eficiente de se obter proteínas que carne de vaca, frango ou peixe. Ao todo, já foram catalogados no mundo mais de 900 espécies de insetos comestíveis e estima-se que, hoje, dois milhões de pessoas em todo mundo tenham nos insetos uma fonte de alimento.

Mas quando, naquele bar, o prato de chapulines fritos foi colocado na minha frente, eu também tive que vencer os milhões de preconceitos gastronômicos para mandar um para dentro. O bichinho salgado e crocante se espatifou entre meus dentes como um chips sabor torresmo, ervas e até, quem sabe, camarão, e eu percebi que nada naquela experiência gastronômica justificava a ojeriza provocada pela ideia de comer insetos. “Tem um gosto parecido com madeira”, comentei com meus amigos. E voltei para a cerveja.

Foto destacada: Shutterstock

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na newsletter Migraciones e no Youtube. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Você encontra tudo isso e mais um pouco no meu Site Oficial.

Ver Comentários

  • Gaaaahhhh que agonia! ahahah Já provei um sorvete ~proteico~ com pedacinhos de gafanhoto num evento aqui em Londres e mal conseguia engolir, acho que não encararia comer o bicho assim sem disfarce não xD

    • hahahah Nem eu sei como tive coragem, acho que foram as cervejas. Mas, falando sério, não é nada estranho. A ideia de comer insetos é muito pior que o ato em si...

      Abraços!

  • Socorroooooooooooooooooooo!Só a palavra viscoso me embrulha o estômago. Não sou a pessoa mais corajosa no quesito comida não viu?! Sei que é bem rico em nutrientes, mas acho que não experimentaria. Quem sabe um dia?

    • hahah Roberta, outro dia eu li que a Finlândia começou a fabricar farinha de grilo para introduzir o hábito de comer insetos na população e ir tirando o nojo das pessoas. Quem sabe em forma de pózinho as pessoas não se animam mais? Com o sal de guzano, por exemplo, eu não pensei nem duas vezes!

  • Eu teria me contentado somente com as cervejas haha Confesso que sou bem fresca com comida e não sou dessas viajantes que sai experimentando as comidas típicas dos lugares, o que é uma pena ...

  • Gente, me deu até arrepio aqui HAHAHAHAHAHA. Será que eu teria coragem de provar insetos? Já sou chata pra comer a comida comum, imagina inseto! Acho que em nome da experiência de viagem vale tudo rs

    • hahah é isso que eu penso, Aline! E olha, pensar em poder escrever sobre isso depois para o blog também me dá uns empurrõezinhos às vezes!

      Beijos!

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Natália Becattini

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