Etnocentrismo e Relativismo Cultural: você sabe o que é?
Poucos temas geram tanta curiosidade em estrangeiros que visitam o país quanto como funciona o sistema de castas na Índia. Saciar essa curiosidade, no entanto, não é tarefa fácil: considerado tabu pela maior parte dos indianos, não é um assunto que você vai puxar na mesa de jantar com aquela família que você conheceu sem causar constrangimento. Perguntar a casta de alguém é indelicado, para não dizer outra coisa. Acreditem, eu vi isso acontecer e morri de vergonha alheia.
O sistema de castas indianas vigora há muitos e muitos séculos. Apesar de ter origem na fé hindu, foi incentivado e até mesmo reforçado pelos britânicos durante a colonização, transformando-o em algo muito mais rígido.
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Castas são grupos sociais hereditários presentes há mais de dois mil anos na Índia e em outros países onde há a cultura Hindu, como o Nepal e Indonésia. O sistema de castas acabou se espalhando também para praticantes de outras religiões, como o islamismo e o cristianismo.
Embora seja possível observar uma relação entre pobreza e as castas mais baixas, o sistema não se baseia na posse de bens, mas na linhagem sanguínea e no prestígio de uma família. Por esse motivo, não há mobilidade entre as castas: todas as gerações de uma família pertencerão à mesma casta, ainda que ganhem ou percam dinheiro.
No passado, apenas casamentos dentro da própria casta eram permitidos. Desde 1950 essa proibição é ilegal, embora o costume social ainda seja forte em diversas partes do país.
O sistema de castas na Índia foi instituído a partir do Código de Manu, parte de um conjunto de livros que formam a base do hinduísmo. Nele, são estabelecidas a legislação da Índia antiga e a divisão das castas.
Quando desmembraram Puruṣa, em quantas partes o dividiram? Em que a sua boca se transformou? E os seus braços, o que se tornaram? Como são chamadas agora as suas coxas? E os seus pés? A sua boca tornou-se o brāhmaṇa, os seus braços se transformaram no kṣatrya, as suas coxas em vaiśya e dos pés nasceu o śūdra.
Código de Manu
Hoje, existem cerca de três mil castas na Índia, o que é uma confusão e tanto pra gente entender. Mas essas castas todas podem ser divididas em quatro grupos, que eram as originais:
Pirâmide do sistema de castas indianas
Declarado ilegal em 1950, na época da independência da Índia, o sistema chegou bem vivo ao século 21 em forma de tradições, desigualdade social e preconceito. Isso foi possível porque, ao contrário da escravidão, o sistema de castas trabalha de forma muito mais sutil e informal.
Sim, hoje em dia não é mais possível criar, por exemplo, clubes exclusivos para membros de uma certa casta, mas as profundas desigualdades sociais e preconceitos originados por séculos de divisão garantem que a exclusão continue a acontecer.
Para nós, o sistema parece indecifrável e confuso, mas ele está bem arraigado na cultura dos indianos. Eles conseguem saber a qual casta uma pessoa pertence apenas pelo sobrenome.
Foi por isso que os Sikhs, religião monoteísta muito popular no norte da Índia e que rejeita a divisão de castas, adotaram para todos os seus membros um mesmo sobrenome: Singh para homens e Kaur para mulheres. As palavras significam, respectivamente, leão e princesa.
Na Índia urbana, o sistema vem perdendo força com os anos, mesmo que muito lentamente. Casamentos entre as três castas superiores, embora ainda não sejam extremamente comuns, já não chegam a ser malvistos. No entanto, segue valendo como lei em vilarejos e na Índia rural, onde vivem 857 milhões de indianos.
A consequência mais óbvia desse sistema é a perpetuação da desigualdade social. Mas, baseada na minha própria vivência no país, onde morei por oito meses, eu diria que há mais. Nunca em um ambiente de trabalho eu senti a arrogância dos chefes quanto na Índia. Humilhações públicas eram ocorrências rotineiras no escritório. Era como se aquela posição tivesse sido designada a eles pelo próprio Brahma e não fosse fruto de um punhado de privilégios que eles tiveram desde o nascimento.
Claro que isso não é um regra absoluta. Há muita gente bem nascida (aos olhos do sistema) que vê a ignorância presente nessa divisão e luta contra as castas na Índia. Mas a minha experiência me mostrou que ao menos parte dos membros das castas superiores ainda acredita que eles são merecedores natos do bom e do melhor e que são mais dignos de respeito que todos.
São pessoas difíceis de lidar, que não aceitam ser contrariadas e que acham que todos devem baixar a cabeça para o que dizem. Por outro lado, membros de classes inferiores se resignavam com uma humildade impressionante a ouvir abusos que no Brasil dariam um ótimo caso de assédio moral.
Se você ouviu a vida inteira que é inferior porque deus quis assim, uma hora você passa a aceitar. Além disso, se rebelar contra a “vontade de deus” tem consequências graves na fé hindu. Viva sua vida de dalit ou sudra humildemente e, quem sabe, na próxima encarnação você volta por cima da carne seca.
Membros da casta mais alta, aquela que saiu da cabeça de Brahma, são considerados os mais próximos dos deuses, os mais sábios e iluminados seres humanos dessa Terra. Por isso, ocupam historicamente profissões de grande poder e status, como a de sacerdotes, professores, pensadores e artistas.
Na sociedade indiana pré-colonial, essa era a casta acumulava diversos privilégios. Os brâmanes eram isentados de impostos e, algumas vezes, recebiam doações imensas de terras e outras riquezas. Os que exerciam funções sacerdotais embolsavam o dinheiro das doações aos templos.
Havia também a crença de que eles eram capazes de certos milagres, como o de cura, a capacidade de ler oráculos, de jogar maldições ou retirar mau agouros.
Os brâmanes perderam muito do poder que tinham com o fim oficial do sistema de castas. Suas riquezas, no entanto, acumuladas em séculos de supremacia, permanecem hereditárias.
Apesar disso, existem sim brâmanes pobres, em especial os que se dedicam inteiramente à pratica religiosa e vivem das doações dos templos. Ainda hoje, eles são consultados sempre que os indianos precisam tomar decisões importantes, como a melhor data para um casamento.
Se os sudras surgiram dos pés de Brahma, os dalits tiveram uma origem ainda menos nobre: foram criados a partir da poeira em que o deus pisou. Tratados como párias e excluídos da sociedade, os dalits não têm casta e são considerados impuros. Para eles são guardados os trabalhos que os outros indianos se recusam a fazer por considerarem indignos: recolher lixo e limpar banheiros, por exemplo.
Considerados portadores de impurezas por onde quer que passem, eles vivem um sistema opressivo digno de um apartheid. Um dalit não pode se sentar à mesa com membros de outras castas ou usar os mesmos pratos e copos. Em casas mais conservadoras, eles possuem uma entrada especial que só permite que eles cheguem até o banheiro e na área de coleta de lixo, sendo proibidos de colocar os pés na área principal.
Como o sistema hoje é cultural e não oficial, alguns poucos dalits conseguiram escapar de seu destino e ascender socialmente. No entanto, como cidadãos de um país que também sofre com extrema desigualdade, nós sabemos que quebrar o ciclo da miséria não é fácil.
Para reparar os males causados por séculos de um sistema cruel, o governo indiano oferece cotas nas universidades e outros programas sociais, como a concessão de microcrédito, que visam a inserção dos párias na sociedade, mas essa iniciativa sempre causou protestos entre as castas mais altas.
Um grupo minúsculo deles, aproveitando a abertura econômica do país nos últimos vinte anos, até mesmo enveredou pelo empreendedorismo e alcançou seus milhões de dólares, criando um fenômeno conhecido como Dalits Millionaires (link em inglês). Em 1997, Kocheril Raman Narayanan foi o primeiro dalit a ser eleito presidente do país.
Mas ainda existe um longo caminho a percorrer. Apenas 30% dos dalits são alfabetizados (a média de alfabetização do país é de 75%) e a discriminação contra crianças dalits nas escolas acaba fazendo com que elas abandonem as aulas. Eles também são as maiores vítimas de violência. O relatório mais recente da Anistia Internacional, publicado em 2018, indica que mais de 100 dalits são vítimas de crimes de ódio no país por dia.
Tushar Gandhi, bisneto de Mahatma Gandhi, afirmou ao El País que livrar os dalits do estigma de intocáveis foi um dos fracassos que seu bisavô carregou até o fim de sua vida (o outro foi pacificar muçulmanos e hindus): “O sistema de castas estava tão arraigado nesta cultura que os fustigamentos continuam 70 anos depois”, diz.
Na tentativa de manter o país unido e evitar uma nova ruptura como a que ocorreu com o Paquistão, o líder indiano acabou optando por um caminho intermediário para a inclusão social dos dalits no momento de elaborar a constituição.
Hoje, os dalits que conseguem escapar da sina de exercer as profissões desvalorizadas são aceitos na convivência de outros indianos. Contudo, mais que qualquer outra união entre castas, casar-se com um dalit é um ainda tabu tremendo.
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Natália, não sei se você assistiu uma reportagem da globo, dando conta de que mulheres eram estrupadas na Índia, interessante é que eles davam a entender que tinham percorrido o País inteiro quando na verdade eles fizeram apenas uma reportagem de Nova Deli, desconhecendo totalmente a cultura Hindu, que segundo se fala a antiguidade hinduísta somaria em torno de cinco mil castas sociais antes da constituição hindu de 1947 e que muitas ainda resistem as leis da Índia sobrevivendo na clandestinidade, que mesmo com uma reforma em 1950 oficialmente existem cerca de 750 castas, o interessante disso tudo é que a globo não tem o cuidado de exibir uma reportagem sem o mínimo de conhecimento.
Não cheguei a ver, Carlos. Mas a Globo é mestre em fazer reportagens rasas e cheias de preconceito.
Abraços!
Olá galera, também estudo sobre muitos sistemas políticos no mundo, mas vocês já observaram que em nosso BRASIL, existem as mesmas castas, quem dá essa dica é o filósofo Indiano Osho, fica a dica. Adorei a matéria.
Tony, concordo 100% Tony, em muitos sentidos também temos uma sociedade de castas não oficializada no Brasil.
Abraços!
Natália! Eu viajo através de seus relatos. São breves, mas ricos de informação e essência. Realmente não dá pra colocar a história de séculos de um lugar em palavras. Mas resumidamente, está muito bem escrito. Parabéns!!!
Shirley, obrigada! Fico feliz que tenha gostado
Boa noite, Natália e a todos os participantes nessa troca de interesses e experiências.
Tenho o maior respeito por vocês e dou os meus parabéns pelos diálogos terem fluido na base da gentileza, informativo , educação e respeito.
Pelo que pode ler uma falta de respeito perguntar a um indiano de que casta é!?, hoje precisamente cometi um erro e fi-lo a um indiano de uma loja de telecomunicações, penso lá voltar e delicadamente pedirei desculpas, pois nunca me passou pela cabeça que era indelicado , até porque se não lesse o vosso dialogo continuaria na ignorância ,pois ele respondeu-me muito educadamente e até me perguntou como eu sabia que existia, o qual respondi que tinha visto na televisão . Um bem haja para si Natália e para os outros. Também tenho curiosidade de conhecer a Índia que sabe um dia!
Olá Ana Paula, obrigada por comentar! Creio que não há necessidade de se desculpar, pois pelo que você conta ele não se ofendeu com a pergunta. Provavelmente apenas interpretou como uma curiosidade saudável acerca da cultura dele. Não precisa se preocupar com isso! Sim, se algum dia for à Índia não fique perguntando, pois como o sistema é considerado ilegal hoje em dia pode causar desconforto em algumas pessoas, mas, de verdade, nem mesmo na própria Índia essa é uma regra escrita em pedra. Já vi indianos perguntando a casta para outro (que não gostou muito, é verdade), mas cada pessoa reage a isso de uma forma!
Nath, da onde são essas infos? Vc tem as fontes?
Estou fazendo meu TCC sobre a Índia, por isso pergunto! hahah
Beijocas
já vi um vídeo da Índia, eles estavam queimando Cristãos vivos,são intolerantes. o vi-´deo é horrivel, acho terrivel esse sistema de castas, achava que era só coisa de novelas. mas é sério. Estou fazendo pedagogia e estamos estudando sociologia, por isso entrei no seu blog pra estudar, apesar de tudo parece ser um país bonito.
Algumas pessoas lá são intolerantes, Sandra, assim como na nossa sociedade ;)
Abraços
Olá, Natalia. Eu conheci um indiano pela Internet e me apaixonei por ele. Ele também parece gostar de mim, mas ele diz que se os pais dele arranjarem um casamento para ele, ele terá de casar de qualquer jeito. Então eu gostaria de saber se o sistema de casamento arranjado ainda é tão forte, mesmo nas megalópoles como Ahmedabad. Abraços.
Joyce, o casamento arranjado é sim muito forte ainda na índia, mesmo em cidades grandes.
Abraços
A única coisa que posso dizer é: Parabéns pelo trabalho.
Sou apaixonada pelo povo indiano e com certeza quero conhecer a Índia. Espero que nesse dia o assunto "casta" tenha sofrido uma revolução, me sinto muito mal se ver alguém discriminando o outro e certamente levaria umas bofetadas por me intrometer haahahahaha.
Um grande abraço pra vocês...
Amei este blog :)
Aos poucos, essa cultura está mudando por lá, Quézia. Hoje, por exemplo, já é tabu perguntar a casta da pessoa, pq não pode parecer que você se importa com isso. Algumas políticas do governo têm contribuído para isso também. Mas claro, a mudança é bem lenta, ainda mais em um sociedade tão conservadora.
Ola Natalia.Quero dizer que teu Blog e excelente. Em 2014 com um grupo de 10 amigos viajamos para a India.Mas antes pesquisei teu Blog que me ajudou muitoooo.Com certeza ninguem deve visitar a India sem antes ler esperiencias de alguém. Nos visitamos em 10 dias 3 Estados da India de Norte a Sul.Foi incrivel.Fiquei apaixonada pelo povo,em especial os mais humildes. Visitamos 2 Leprosarios no Sul da India.E impactante demais.Quero muito voltar e ficar mais tempo. Depois fomos pra Espanha por 5 dias e retornamos ao Brasil.Final do ano foi para o Senegal.Tens algumas experiências de la ??? Abraços. Obrigada por dividir tuas experiências.
Ei Rosa, que ótimo, fico feliz em saber que ajudamos na sua viagem e que você teve uma ótima experiência na Índia. Infelizmente não conhecemos o Senegal...
Abraços =)
Olá Natália, bom dia, conheci um indiano, o sobrenome dele é KotwAni, tem como eu saber através do sobrenome a qual casta ele pertence, tenho medo de perguntar e ser indelicada, não me importo com isso é apenas uma curiosidade, mas para entender melhor essa cultura!
Acho que não, Elisama. São muitos sobrenomes e a gente não entende bem como é feita essa diferenciação. E realmente não é legal perguntar, é bem indelicado.
Abraços