Na manhã do dia 23 de junho, em meio a uma garoa fria e um céu cinza nada típicos para o início do verão, eu saí da minha casa com um objetivo importante: descobrir as curiosidades da Festa de São João no Porto.
Eu caminhava pelas ruelas, já inteiramente decoradas com bandeirinhas coloridas e balões de papel seda, prestando atenção nas histórias que me contava a Rita Branco, uma paulistana de família portuguesa que vive há 14 anos na cidade (e escreve o blog O Porto Encanta).
As tradições da festa de São João acompanham a Rita desde que ela era criança. Seus pais – nascidos em Trás-os-Montes e Viseu – organizavam todos os anos uma grande festa junina, em São Paulo. Abriam a casa para estranhos, assavam sardinhas e celebravam como se não houvesse amanhã. Ela conta que, quando finalmente chegou ao Porto e vivenciou uma festa de São João na cidade, entendeu a animação da família.
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Rita Branco, no início do tour, com o martelo que ganhamos pela participação
Portugal, como o país católico que é, dá um grande valor para festas cristãs. E provavelmente não há nenhuma celebração que movimente tanto o país como as Festas dos Santos Populares, o nome que eles dão para as nossas velhas conhecidas, as festas juninas.
E a Festa de São João no Porto é gigantesca e sem defeitos: o mais perto que já cheguei do nível de empolgação de um carnaval, fora do Brasil. A cidade inteira se mobiliza com muita música e gente na rua festejando até o dia seguinte amanhecer.
Multidão na Baixa do Porto durante a festa. Foto: Jan Jerman / Shutterstocl
Mas não é só de bebedeira e sardinhas que é feito o São João em Portugal. Foi por isso que eu saí com a Rita para descobrir como a cidade do Porto comemora esse dia. Apesar de certamente ter inspirado as festas juninas no Brasil, as tradições e curiosidades da celebração dos santos populares em Portugal não têm exatamente quadrilha, canjica e pé de moleque.
Para começar, quando é o São João no Porto? Do dia 23 para o dia 24 de junho. Não importa qual o dia da semana, o dia 24 é sempre feriado, uma vez que a festa dura até a manhã do dia seguinte.
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O final de junho marca o início do verão na Europa, a época das colheitas, da fartura e da fertilidade. Um período de celebração. E era assim desde os tempos em que o cristianismo ainda não existia no continente. Mas quando a Igreja se tornou uma instituição poderosa, eles precisavam incorporar as festas pagãs às suas tradições para converter mais pessoas. Logo, não é à toa que todas as festas populares em Portugal caem exatamente nessa época, entre maio e junho.
No Porto, os religiosos utilizaram a data do nascimento de São João Batista, que caia ali, bem pertinho do solstício de verão. Não se sabe exatamente quando a festa teve início, mas há registros desde o século 13. Na Câmara Municipal do Porto, inclusive, encontra-se uma tapeçaria representando a comemoração do São João.
É impossível sair para as ruas no São João em Porto sem um martelo de plástico. A forma de cumprimentar as pessoas é dando marteladinhas na cabeça delas. Sejam conhecidas ou completamente estranhas. Hoje, as marteladas fazem a alegria de tudo mundo, mulheres ou homens, crianças ou idosos.
Foto: ClareCoyle / Shutterstock
Mas, me explicou a Rita, as origens da tradição são um tiquinho mais machistas e malcheirosas. É que antigamente, ao invés dos martelos de plástico, utilizavam-se grandes hastes de alho-poró (os portugueses chamam de alho porro). E eram apenas os rapazes que batiam com o vegetal na cabeça das moças, como uma forma de iniciar a paquera (ou incomodá-las mesmo). A tradição dos martelos só começou nos anos 1970.
Também foi com certo choque que a Rita nos fez observar que tanto o martelo, quanto o alho-poró seguem a lógica da duplicidade da festa: tem um formato fálico, representando a fertilidade masculina.
Os manjericos eram a resposta ao alho-poró. A planta, que é uma moita de folhinhas pequeninas e cheiro que lembra o manjericão, era o presente que as moças davam para os rapazes em que estavam interessadas, com um recadinho carinhoso. O formato, como você pode imaginar, também tem conotação sexual, lembrando os pelos pubianos da mulher.
Hoje, o manjerico não tem mais essa função (necessariamente), mas ainda decora as entradas e janelas das casas para espantar más energias. E, veja bem, tem um jeito certo de se aproximar da planta. A forma que a minha guia demonstrou é que você deve bater com a mão nele suavemente e depois cheirá-la “O manjeirico seca se você cheirá-lo diretamente”, explicou a Rita, séria quanto as superstições juninas.
Quando a Rita falou: “agora vamos ver uma cascata”, eu imaginei que viraríamos uma rua para encontrar água caindo de algum lugar. Mas me deparei com uma espécie de presépio, só que feito especialmente para a comemoração de São João em Porto. Você vai encontrar algumas cascatas nas ruas mais antigas da cidade e também na fachada de lojas. A cascata, explica a guia, tem uma série de regras sobre a sua construção:
Deve ter diferentes níveis, deve representar os quatro elementos (água, fogo, terra e ar), deve ter uma fonte – para as pessoas deixarem moedinhas e, principalmente, deve conter alguns personagens clássicos, que todo mundo fica procurando: a procissão, o padre, e, principalmente, a mijona e o cagão. A mijona é uma bonequinha fazendo xixi num jarro de leite e o cagão está abaixado sem as calças (tal como o caganer de Barcelona).
A festa junina portuguesa não acontece se as ruas não estiverem com aquele cheiro de fumaça das sardinhas assando na brasa. O peixe é o símbolo máximo das festas dos santos populares e as famílias, os bares e restaurantes armam churrasqueiras nas ruas para assar sardinhas. Na rua onde eu moro, por exemplo, os vizinhos organizam mesas, a caixa de som e espaços para todo mundo descer com a própria churrasqueira, além de organizar um braseiro coletivo.
Foto: De Visu / Shutterstock
Além da sardinha, é comum assar pimentão e entremeada (um corte da barriga do porco). O cabrito assado, o caldo verde e a bifana no pão também fazem parte do cardápio da Festa de São João.
Alguns bairros no Porto são mais tradicionais na comemoração do São João: Fontainhas, Miragaia, Massarelos. Ali e no centro, você encontrará palcos e bailaricos, ruas decoradas e o pessoal comemorando. Bailaricos são uma dança de quadrilha – não consegui confirmar, mas suspeito que a versão folclórica portuguesa inspirou a brasileira.
Festa de São João num bairro do Porto
E o estilo musical que domina as festas dos santos populares é a chamada “música pimba”. Basicamente, a música pimba é uma mistura do que a gente entenderia como o brega e o sertanejo raiz, com letras com muito duplo sentido. Para vocês terem uma ideia, o rei da música pimba é o Quim Barreiros, cantor popular que inclusive já gravou um clássico brasileiro, “A Garagem da Vizinha”.
No Brasil, as campanhas para as pessoas não soltarem balão na época das festas juninas tiveram um grande impacto em mim na infância. Mas eu só descobri isso mais de 20 anos depois, quando comecei a ficar extremamente preocupada em ver incontáveis portugueses soltando balões de papel para celebrar o São João. Superado meu nervosismo, consegui achar muito lindo o cenário que cantamos nas nossas músicas:
“O céu fica todo iluminado, fica todo estrelado, pintadinho de balão”
Foto: CM-Porto
Eu só consegui me acalmar porque descobri que não é em todo ano que o governo português permite que os balões sejam lançados céu afora. Em 2019, houve uma permissão especial para isso. Outra coisa que eu reparei era que o fogo parecia sempre apagar muito antes do balão chegar ao chão, porque a chama não era forte.
Toda a celebração do São João em Porto culmina à meia-noite, na Ribeira, com os fogos de artifício na Ponte Luis I. O show de fogos é sincronizado com música e uma verdadeira multidão se aglomera para assistir ao espetáculo. Os fogos, lançados de barcas que ficam no meio do Rio Douro, duram cerca de 15 minutos.
Foto: Jorge Felix Costa / Shutterstock
Depois dos fogos, reza a tradição que as pessoas sigam como numa procissão em festa, caminhando, comendo e bebendo por Miragaia até chegar na Foz do Rio Douro, onde, ao nascer do sol, tomam o primeiro banho de mar do ano.
Os portuenses começam a festa fazendo um churrasco com muita sardinha, em casa ou até mesmo na rua, junto com amigos e vizinhos. Depois, é hora de sair pelas ruas vendo a celebração e distribuindo marteladas.
Para quem quer ver os fogos à meia-noite, convém já marcar o lugar entre 19h e 21h e ficar festejando por lá, ou quem sabe reservar uma mesa num dos restaurantes da Ribeira. Também dá para ter uma vista privilegiada do cais de Vila Nova de Gaia. Ainda dá para ver os fogos um pouco mais de longe, da região de Fontainhas, mas nesse caso não será possível ouvir a música.
Ribeira cheia de pessoas de pessoas ao anoitecer. Foto: De Visu / Shutterstock
Depois do show, se você não estiver no clima de fazer a caminhada até o mar, pode aproveitar para festejar pelas ruas da cidade. Diversos bares colocam DJs nas ruas, principalmente na região da Avenida dos Aliados e as Galerias de Paris. Bandas fazem desfiles e as vias da cidade ficam cheias de gente bebendo e dançando a madrugada toda.
Ah, quem tiver interesse em fazer um tour pelas tradições de São João (ou qualquer outro passeio pela cidade) com a Rita Branco, pode entrar em contato com ela pelo blog dela ou via Instagram.
As Festas do Santo Antônio em Lisboa são comemoradas do dia 12 para 13 de junho. A cidade de Braga, no norte de Portugal, também comemora o São João de 23 para 24 de junho. O dia de São Pedro é celebrado em Évora e Sintra, no dia 29 de junho. Além disso, a Festa do Senhor de Matosinhos, cidade vizinha do Porto, é comemorada por três semanas seguidas, do final de maio até o final de junho.
Se você tiver a sorte de estar no Porto na época do São João pode usar da sua hospedagem como uma forma de aproveitar ainda mais a festa. Lembre-se de reservar com antecedência! Seguem abaixo sugestões para vários estilos de viajantes (os valores apresentados podem variar).
Ribeira do Porto Hotel – 3 estrelas, nota 9 – diárias por volta de 100 euros
Porto River Apart-Hotel – 4 estrelas, nota 9,2 – diárias por volta de 270 euros
Eurostars Porto Douro – 4 estrelas, nota 9 – diárias por volta de 200 euros
Pestana Vintage Porto Hotel & World Heritage Site – 5 estrelas, nota 9 – diárias por volta de 280 euros
Arco Apartments – nota 9,6 – diárias por volta de 90 euros
Porto Wine Hostel – nota 9,0 – diárias por volta de 30 euros
OportoHouse – pousada, nota 8,5 – diárias por volta de 55 euros
Moov Hotel Porto Centro – 2 estrelas, nota 8,8 – diárias por volta de 70 euros
DOURO Apartments – S. Miguel – nota 9,3 – diárias por volta de 120 euros
Porto A.S. 1829 Hotel – 4 estrelas, nota 9,1 – diárias por volta de 180 euros
Infante Sagres – Luxury Historic Hotel – 5 estrelas, nota 9,3 – diárias por volta de 230 euros
So Cool Hostel Porto – nota 8,8 – dormitório por volta de 13 euros
Lusitana Hotel – nota 8,8 – diárias por volta de 65 euros
Porto Vintage Guesthouse – nota 9,1 – diárias por volta de 75 euros
Eurostars Heroismo – 4 estrelas, nota 8,8 – diárias por volta de 170 euros
Sheraton Porto Hotel & Spa – 5 estrelas, nota 8,7 – diárias por volta de 140 euros
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Os fogos são a meia noite do dia 23/06 para o dia 24/06 certo?
Isso Camila! A festa começa ao longo do dia 23 e no dia 24 é o feriado
Já passei São João no Porto.
Amei tudo!
Me diverti bastante. Amo Porto!!
É incrível né? Infelizmente, não teremos festa esse ano.
Muito interessante essas curiosidades. Já tive em Portugal e só de ler isso dá vontade de ir pra aproveitar essa festa junina. Obrigado.
OI Marcus,
Vale Muuuuuuuito a pena vir a festa!