“Vamos pedir Escargot”, disse minha amiga da Dinamarca. Antes que você pergunte, o que é escargot, ela sugeria que a gente pedisse caracóis de entrada, o tradicional prato da culinária francesa. Eu vivo em Portugal há mais de cinco anos, mas nunca tive coragem de provar a iguaria, que lá é servida no verão, acompanhada de cerveja.
Os escargot vieram num pratinho de metal, dentro das conchinhas, acompanhados de torradas e ferramentas curiosas. Eu observei como eles faziam: com uma pinça especial, você segura a concha. Com um garfinho pequeno com dois dentes, você puxa a carne do escargot lá de dentro e come. Depois, joga o resto da manteiga ou azeite com tempero no pratinho e usa o pão para comer o molho.
Qual o sabor do escargot? Era do delicioso tempero provençal francês. A textura não é gosmenta, como você imaginaria ao ver um caramujo passeando. À moda francesa, o bicho é muito limpo e refogado com ervas, só é colocado de volta na concha para a apresentação. A textura, numa tentativa de comparar com comidas comuns, lembra mais um pedaço de camarão do que uma ostra.
Depois que comi o primeiro e me surpreendi com o tanto que gostei, comentei com ela: como será que alguém inventou de comer isso?
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No artigo “Os caracóis terrestres comestíveis no mediterrâneo pré-histórico”, o antropólogo David Lubell conta que caracóis eram frequentes em sítios arqueológicos da região do Mediterrâneo, desde o final da Era Glacial até metade do Holoceno, período que se iniciou há 11,5 mil anos.
Em regiões que vão da Tunísia até o sul da França, passando pela Grécia, Ucrânia, Portugal e Espanha, foram encontrados muitos sítios com concentração abundante de conchas de caracóis, que representam restos de refeições pré-históricas. Há, inclusive, ferramentas nesses sítios arqueológicos. A hipótese é que eram desenhadas para remover os caracóis das conchas. Uma pesquisa independente no Irã testou tais ferramentas, com sucesso.
Segundo Lubell, os caracóis tornaram-se tão populares na região mediterrânea, muito antes do surgimento da agricultura, exatamente por causa das grandes mudanças climáticas do período pós-glacial, com o surgimento de florestas nessa região, entre 15 mil e 6 mil anos atrás. Condições que aumentaram as populações de caracóis.
Um dos gêneros de caracóis comestíveis no mundo. Foto: Petr Bonek – Shutterstock
Além disso, autores como Fernández-Armesto sugerem que os caracóis foram o primeiro animal domesticado da história. Isso poderia marcar, de certa forma, a transição da era Mesolítica para a Neolítica. Segundo esse autor, era fácil, relativamente simples e sem nenhum risco para os seres humanos primitivos a criação desses animais para a alimentação.
De lá para cá, o bicho continuou na cadeia alimentar dos povos dessas regiões, principalmente em tempos de vacas magras. Alimentava exércitos romanos, navegadores e pessoas mais pobres. Eventualmente, foi se popularizando a ponto de tornar-se uma iguaria cara.
Por que o preço tão alto? Segundo Carlos Alberto Funcia, engenheiro agrônomo e criador de caracóis no Brasil, contou para a revista Superinteressante, “um escargot leva de seis a oito meses para atingir 15 gramas, que é o peso mínimo para ir à mesa”. Isso significa que é um animal muito frágil e sensível, com taxa de mortalidade grande se não estiver nas condições de temperatura e umidade ideais.
Apesar de existirem mais de 6 mil espécies de caracóis, lesmas e caramujos, todos da família de moluscos gastrópodes, apenas 12 espécies do gênero Helix são utilizadas para alimentação e têm o título de escargot, que em francês significa “caracol comestível”.
Também são criados com rigorosas normas sanitárias, uma vez que a boca do bicho fica próxima do pé e do aparelho genital. Ou seja, para garantir o sabor e a limpeza, os escargots comestíveis são cuidadosamente alimentados e, antes de serem abatidos, colocados em jejum para limparem o estômago e se livrarem de toxinas.
É um alimento que é fonte de proteínas: 16g por 100g de carne, além de ser pobre em gordura e calorias e rico em sais minerais e vitaminas. A forma que eles são cozidos varia de cultura em cultura.
Em Portugal (foto acima), por exemplo, na receita tradicional eles são cozidos em caldo, sem serem retirados da concha, e servidos com bacon ou linguiça – o aspecto, confesso, me dá agonia. Já na França, como contei no início do texto, são preparados fora da concha com temperos variados e só são colocados de volta para a apresentação, junto com uma manteiga aromatizada.
E aí, você já deu ou daria uma chance para um prato de escargot?
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Sou português de Angola saímos para Portugal na época da Guerra civil e depois de 12 anos em Lisboa acabei vindo para o Brasil(SP), tinha aqui familia e aqui fiquei faz já 36anos, em Angola nunca tinha comido caracois nem sei se havia, em Lisboa uma vez comi e adorei e como gostei combinei na época com amigos ir á feira popular comer "caracoletas" que são os caracois maiores, mas aí não consegui me deu ânsia de ver as lesmas enormes saindo de dentro da concha,rsrs agora só como os pequenos com aquele molho tipico com pão saloio, broa e cerveja, uma delicia...
Talvez em época de guerra e extrema pobreza para comer. Fora disso somente pagando um milhão de euros. Kkkk
Sou portugues e adoro caracois e como todos, os comprados e os que apanho no quintal , vai tudo para a panela, tambem gosto de caracois marinhos.
O caracois na europa se comem no sul da europa especialmente regiões onde no passado tivessem tido invasões mouras, estes povos no norte de africa é que comem muito caracois e ha muitos seculos influenciaram os povos do sol da europa a comer tambem.
Em Portugal caracois se comem nos meses sem a letra "R" ...são uma iguaria popular muito apreciada especialmente na metade sul do pais, sem incluir as regiões insulares.
Oi Pedro,
Os caracois do quintal eu nunca tinha ouvido falar que alguém comia! haha
Olá, bem eu sou português e gostaria de explicar, que em Portugal come-se caracóis e caracoletas.
A diferença entre um e outro é que o caracol é menor que a caracoletas.
Quer o caracol quer a caracoleta, são colocados em um ambiente fechado mas arejado para libertarem as areias que carregam dentro.
O caracol é cozinhado em água e um fio de azeite, com alguns oréganos.
Nota: Eles são colocados vivos dentro de água ainda fria, para morram com a cabeça de fora.
Já as caracoletas, são feitas guisadas ou assadas.
Isto na cultura é gastronomia portuguesa.
Minha filha mora em Paris e sempre que vou ou ela vem pro Brasil comemos o escargot eu particularmente amo esse prato, com cerveja cai muito bem, recomendo pra quem não conhece
É uma delícia ne?
tudo bem? gostei muito do seu site, parabéns pelo conteúdo. ;)
obrigada Ricardo
Eu me vi na obrigação de provar o escargot, estava com uma turma de colegas e paramos para jantar num desses restaurantes no bairro Saint Michel em Paris, quando vi todo mundo comendo e falando bem resolvi experimentar tbem, e olha, posso dizer que eu amei, mas comemos ele gratinado, superou as minhas expectativas, comeria novamente!😋
hum, gratinado deve ser muito bom!
Eu provei uma vez na França por insistência da minha amiga e do marido francês e por achar que seria desrespeitoso não aceitar, já que eu era a estrangeira na ocasião. Mas além de não gostar nenhum pouco e de ter me tornado vegetariana alguns anos depois, saber o que acontece com os bichinhos e que eles ficam em "jejum" (= passam fome) para limpar o organismo para o abate, jamais provarei de novo. Ainda assim, belo texto, obrigada pelas informações!
Obrigada por comentar Kelly
Tenho vontade de experimentar. Nunca tive oportunidade de comer. Quem sabe um dia surge. Vejo vídeos no YouTube de pessoas comendo escargot com a boca gostosa. Pelo o que todos falam deve ser gostoso mesmo. Camarão já comi.
Oi Ricardo,
Eu adorei! haha Se tiver a oportunidade, prove =)
Experimentei o “caracol comestível” pela receita francesa, após assistir o chef Christophe Legond, do Voilá Bistrot, em Paraty-RJ, prepará-los em molho provençal. Foram servidos sem as conchas, na placa de cerâmica com seis nichos.
Tão prazerosa quanto os escargots, foi a descoberta de seus textos, escritos com a fluência de quem saboreia cada experimentação vivenciada.
Agradecido pelo desjejum tão bem servido!
Obrigada pelo comentário tão simpático Victor!