Uma vez conhecida por seus espaços de prostituição e por altos índices de violência urbana, a vizinhança de Józsefváros (Distrito 8) é a nova fronteira da gentrificação no centro de Budapeste. As casas antigas do pré-guerra estão caindo aos pedaços e vão sendo, uma a uma, colocadas no chão por guindastes que já fazem parte da paisagem. No lugar, erguem-se prédios novos com fachada de vidro e uma porção de kitnets que serão, em breve, anunciadas no Airbnb.
Foi em um desses prédios reluzentes que eu me hospedei durante minha temporada em Budapeste: um apartamento tinindo de novo, em um corredor no qual ninguém parecia morar.
A saída do edifício dava para um promenade de 800 metros, uma rua pedonal ladeada de franquias de restaurantes, um supermercado, um cassino e um shopping center, tudo também tão novo que as obras ainda não haviam sido finalizadas. O complexo, batizado de Corvin-Szigony, é considerado “o maior projeto de revitalização urbana” da Europa Central, e inclui, ainda, um prédio comercial que abriga os escritórios da Nokia.
Não faz muito tempo, no entanto, essa rua era um importante espaço da cena alternativa de Budapeste. Ela ali que ficava o Gólya, um bar ruína e centro cultural famoso entre os moradores locais por promover eventos comunitários, exibição de filmes e feiras de arte e produtos artesanais.
Em 2019, o prédio acabou vendido e eles tiveram que encontrar uma nova sede. Com ajuda da comunidade, eles conseguiram construir em apenas um ano e meio, por meio de financiamento coletivo, doações e trabalho voluntário dos frequentadores da casa.
O mesmo aconteceu com o Müszi, Kék Ló, outros dois importantes pontos da vida cultural do bairro. O Aurora, um centro comunitário conhecido por abrigar ONGs e coletivos contrários às políticas de Órban (inclusive o comitê eleitoral de András Piako, um candidato independente ao governo), chegou a ser fechado pela polícia por meses em 2018, mas reabriu. O aluguel cobrado ali dobrou nos últimos anos, e o espaço é alvo recorrente da polícia e de ataques de grupos de extrema-direita.
Além disso, o Aurora foi especialmente atingido por uma lei que entrou em vigor em 2017, que proibiu que bares e casas noturnas de Józsefváros ficassem abertos após as 22 horas. Críticos acreditam que essa foi mais uma maneira de sufocar financeiramente os espaços independentes, uma vez que a maior parte deles contava com a renda de shows e eventos para sobreviver.
Aliado a uma política eugenista contra imigrantes pobres e população de rua, a substituição das casas históricas por condomínios de luxo e dos espaços comunitários por filiais de redes internacionais formam um ataque certeiro contra a autenticidade e a mobilização que moldaram o caráter do Józsefváros. Uma conquista da “democracia iliberal” de Órban já há muito alcançada em outras partes da cidade.
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Józsefváros é vizinha a outra vizinhança icônica na capital da Hungria. Conhecida como o Bairro Judeu, Erzsébetváros tem uma história parecida: transformada em gueto na Segunda Guerra Mundial, passou anos abandonada pelo poder público, amargando condições de vida insalubres para seus moradores.
Com o tempo, o local passou a ser habitado por estudantes e artistas, o que provocou uma renovação das ruas antes marcadas pelo abandono e miséria humana. O local se encheu de bares, restaurantes, galerias de arte, food trucks e lojas de design.
Hoje, no entanto, é apenas uma caricatura do que um dia já foi o principal centro da vida noturna e cultural da cidade. Por ali, quase não se veem húngaros. A maior parte dos frequentadores dos bares-ruína mais famosos, como o Szympla, são grupos de turistas europeus em busca de suas noites de “Se beber não case”. Não é, raro, aliás, que Budapeste seja eleita destino de despedidas de solteiro, o que transforma a vida noturna dali em um playground para estrangeiros em busca de bebida barata.
Se, de um lado, os espaços de mobilização social sofrem ataques de diversas frentes, de outro, a liberdade de pensamento e expressão vêm sendo corroída por dentro. Depois de ter vivido por meses em Barcelona e Berlim e de ter passado várias semanas em Atenas, cidades que respiram política na vida cotidiana, a ausência de manifestações públicas nas ruas de Budapeste chamaram a atenção.
Por ali, quase não há pichações políticas ou cartazes de protesto nos muros da cidade e, mesmo em período eleitoral, a pouca propaganda espalhada pertence ao Fidesz, partido do primeiro-ministro Viktor Orbán.
Cheguei ali no fim de semana de abertura do Pride Month. Pelos próximos 30 dias, bares e centros culturais da cidade foram tomados por eventos, palestras, workshops e exibição de filmes voltados para a população LGBTQI+. A programação culminou com a parada, realizada no dia 27 de julho. Embora eu soubesse que havia uma festa de abertura acontecendo em algum porão da cidade, o único sinal que encontrei disso foi uma discreta pulseirinha nos braços de duas turistas estrangeiras.
Bandeiras de arco-íris são raras por ali, uma vez que a genérica lei contra a “promoção da homossexualidade” para menores de idade pode enquadrar virtualmente qualquer manifestação pública como propaganda LGBT. Isso não impediu, no entanto, que 35 mil pessoas se reunissem nas ruas de Budapeste no encerramento do mês do orgulho. Uma prova de que a resistência ainda encontra espaço para se erguer em Budapeste.
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