Quando visitei o Palácio de Hofburg, em Viena, onde fica o Sisi Museum, me dei conta de que a Imperatriz Elizabeth, da Áustria, tem um papel como uma grande viajante na história. Porque num mundo rígido e cheio de regras como era a Corte de Viena no século 19, as viagens de Sissi eram seu grito de liberdade.
A primeira vez que ouvi falar da Imperatriz Elizabeth, também chamada de Sissi, eu ainda era criança. É que tinha um desenho animado contando as aventuras da “Princesa Sissi”. Nada poderia ser mais distante da realidade.
Afinal, já começava por errar o título dela. Muita gente também conhece uma trilogia de filmes da década de 50, protagonizada pela atriz Romy Schneider, em que o papel de Sissi é uma heroína romântica. Mais uma vez, um princesa perfeita, para nenhuma Cinderela botar defeito.
A Imperatriz Elizabeth, da Áustria, não era nem de perto parecida com esse retrato. No máximo, sua aparência. A verdade é que a história de Sissi, como uma mulher complexa, que sofria de depressão, não suportava cumprir seu papel decorativo de esposa do Imperador, era obcecada com a própria beleza e que amava viajar, não parecia render um bom roteiro para filmes nos anos 50.
Se a gente pensar bem, ainda há poucos personagens femininos complexos assim.
A primeira coisa que você descobre entrando no museu dedicado a ela é que ninguém em Viena gostava dela enquanto esteve viva. Todo mundo da corte achava errado o fato da Imperatriz estar sempre viajando e não cumprindo o seu papel de esposa, ao lado do Imperador Francisco José I. Quando ela morreu, as notícias nos jornais eram mais sobre o sofrimento do governante viúvo.
Ela se casou por amor, numa confusão bem novelesca. Cresceu com os sete irmãos e irmãs no interior da Baviera (região próxima a Munique), filha de um Duque, mas sem muitas regras e convenções sociais. Não que eles fossem pobres… moravam no Castelo de Possenhofen, em frente a um lago.
Aos 15 anos, a jovem Sissi (como era chamada pela família) foi acompanhar a mãe e a irmã mais velha, Helene, numa visita a corte de Viena. É que Helene estava prometida ao primo e também jovem imperador, Francisco José I, que na época tinha 24 anos. Bom, como vocês podem suspeitar, as coisas não correram como esperado. Francisco José e Sissi se apaixonaram e foi com ela que ele se casou.
A questão é que Sissi, inocente, não deve ter refletido no que estava se metendo. Mas logo descobriu que a paixonite pelo primo teria consequências sérias na sua vida. A família Habsburgo e sua tradicional corte vienense eram muito rígidas com a pompa e circunstância de suas vidas.
Toda aquela confusão de cerimônias públicas, comportamentos restritos e tudo mais deixaram a nova Imperatriz infeliz. Não era essa a vida com que ela estava acostumada e claramente ninguém se importava com seus sentimentos.
Tanto que no ano seguinte, logo depois que teve sua primeira filha, a arquiduquesa Sofia, mãe de Francisco José, tomou o bebê a seus cuidados e escolheu seu nome sem nem consultar Sissi. Sofia, a filha, morreu dois anos depois, deixando Elizabeth inconsolável.
Nos anos seguintes, a Imperatriz Elizabeth tentou se adequar e teve mais dois bebês dos quais não podia se aproximar muito. A arquiduquesa a chamava de “cabeça de vento”. Comia pouco, desenvolveu uma obsessão com a própria beleza e peso – era muito alta, pesava uns 50 kg e não permitia que a sua cintura tivesse mais que 50 cm.
Tinha cabelos que iam até os pés, se exercitava exaustivamente. Tinha vários sintomas de anorexia nervosa. Tudo isso foi piorando até que ela contraiu uma doença nos pulmões e por recomendação médica foi afastada de Viena.
O destino de Sissi foi a Ilha da Madeira, em Portugal. Passou o inverno lá, na ilha que sempre faz sol. Quase seis meses depois, voltou para Viena e não aguentou nem 4 dias sem passar mal. A Imperatriz Elizabeth estava mais do que mordida pelo bichinho do viajante. Na verdade, tomou uma aversão tão grande a vida na corte que a mera estadia ali lhe adoecia.
Logo, com o aval médico, empacotou as malas e foi para a Grécia, na ilha de Corfu, um destino que se tornou um de seus favoritos. Depois, passou um tempo num spa em Bad Kissingen, numa região alemã. De lá, seguiu para passar uma temporada com a família na Baviera.
Ao todo, foram dois anos de viagens e total ausência da Imperatriz da vida pública e do cuidado de seus filhos.
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Quando ela retornou, porém, estava mais madura e resolveu usar a sua influência e beleza para conquistas políticas que a interessavam, no caso, a inclusão da Hungria como parte do Império.
Ela atingiu esse objetivo em 1867, quando foi assinado o acordo que criou o Império Austro-Húngaro, do qual ela e o marido foram coroados governantes.
Elizabeth, muito mais assertiva e dona de si, decidiu engravidar novamente, depois de anos. Sua filha, a única que Sissi pode realmente criar, nasceu em Gödöllő, residência que foi presenteada a família real pelos húngaros, nos arredores de Budapeste.
Ao mesmo tempo, seu marido a pressionou para que se afastasse da política, tendo em vista sua grande influência para a assinatura do tratado austro-húngaro.
A resposta da Imperatriz a isso foi voltar a vida de viagens. Ela dizia em seu diário: “Se eu chegar num lugar e souber que nunca poderei deixá-lo, toda a estadia viraria um inferno, apesar de ser um paraíso”.
Talvez tenha sido por isso que ela, depois de mandar construir uma vila em Corfu, chamada Achilleion, colocou o lugar a venda imediatamente após ficar pronto.
Em 1889, Rudolf, filho de Sissi e herdeiro ao trono, morreu em condições suspeitas, que foram determinadas como suicídio. Com isso, a Imperatriz passou a se vestir de preto. Também passou a maior parte do tempo usando véus negros cobrindo o rosto.
Se afastou de vez da vida na corte, mas ao mesmo tempo sua relação com o marido melhorou bastante e os dois passaram a trocar mais cartas durante as viagens de Elizabeth.
Claro, todo esse comportamento fez com que sua personalidade se tornasse cada vez mais misteriosa. Para completar, desde os 32 anos a Imperatriz não permitiu mais que fossem feitos quaisquer retratos seus. Assim, se imortalizou bela.
Ela tinha um iate particular, com o qual navegou pelo Atlântico, Mediterrâneo e a costa grega. Gostava da vida simples no mar, onde não recebia visitantes oficiais ou participava de eventos.
Ela fez com que um pavilhão de vidro fosse construído na embarcação para que pudesse observar o mar, qualquer que fosse o tempo. Durante tempestades, costumava pedir que sua cadeira fosse amarrada para que ela pudesse observar a força da natureza.
Como ser Imperatriz também tem suas vantagens, em 1873 Sissi foi presenteada com vagões de trem: um carro-sala e outro adaptado como quarto. Também eram adaptáveis para poder circular nos trilhos de outros países europeus.
E não, não foi a péssima saúde ou as constantes viagens que fizeram com que a história de Sissi chegasse ao fim. Em 1898, quando visitava Genebra, na Suíça, ela foi assassinada por um anarquista italiano.
E o pior é que o assassino foi lá matar outro político, o príncipe d’Orleans, que deixou a cidade um dia antes do esperado. Assim, quando ele descobriu que a Imperatriz Austro-Húngara estava na cidade, resolveu não perder a viagem. Aproveitou-se de que Sissi normalmente dispensava toda comitiva para golpeá-la com um finíssimo estilete em forma de agulha bem no coração, quando Elizabeth estava caminhando do seu hotel para um vapor que cruzaria o Lago de Genebra.
Ela inicialmente não sentiu nada e se apressou para não perder o barco. Já estava a bordo quando desmaiou e acabou morrendo no hotel.
Como eu já tinha contado, a princípio as notícias focavam muito mais na tristeza do Imperador. Depois porém, percebeu-se o uso político que poderiam fazer do assassinato daquela que fora a mais bela rainha europeia nas últimas três décadas.
Túmulo de Elizabeth, Francisco José I e o filho, Rudolf. (CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons)
Todo o tipo de material de marketing foi produzido, de moedas comemorativas a biscoitos, todos com o rosto da Imperatriz Sissi. Sua imagem, antes vista como excêntrica e impopular, tornou-se a face da defesa da monarquia.
Daí foi um pulo para que livros fossem escritos em sua memória. E depois séries de filmes, até chegarmos no desenho animado que começou esta história para mim.
Afinal, a visita ao Sissi Museum me fez descobrir naquela heroína unidimensional dos desenhos uma mulher bem mais interessante, que via nas viagens uma forma de buscar a liberdade que ela perdeu aos 15 anos. Liberdade que ela passou o resto da vida tentando recuperar.
Viajando para Viena você descobre muito mais sobre a história da Imperatriz Sissi. O local dedicado à história de Elizabeth é o Palácio de Hofburg, que fica bem no centro da cidade. Lá dentro, está o Sissi Museu. Explicamos direitinho como é a visita no texto: Visita aos dos Palácios Imperiais de Viena: Hofburg e Schönbrunn
Se você está pensando em ir para a capital da Áustria, também não pode deixar de ler o nosso guia sobre que fazer em Viena, com roteiros de 3, 4 ou 5 dias pela cidade.
Também já escrevemos todas as dicas de onde se hospedar em Viena: com dicas de hotéis nos 5 melhores bairros.
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Eu conheci Sissi pelo filme. Procede mesmo seu relato de que a história não condiz com a realidade. Sem falar que há uma pitada de adultério com Orleans da Hungria. É mesmo impressionante como a história pode ser manipulada pelo historiador. O meu choque foi saber que ela fora assassinada. Parece que a Áustria sempre teve como meio de resolver questões políticas o assassinato. O filme é muito educativo. E pode ser explorado em muitas academias. Parabéns por nos dar a oportunidade dos comentários. Bravo.
Obrigada por comentar Willians
Sempre fui apaixonada com a história da Sissi. Fazer o quê, sou uma romântica. Infelizmente neste caso penso se houve mesmo amor ou jogo político. O imperador quando solteiro passava por uma crise de rejeição. Já tinha sofrido atentado e tinha fama de ser um filhinho da mamãe e quem mandava mesmo no país era sua mãe Sofia. Ele ia se casar com a irmã da Sissi e todos sabiam que era um casamento arranjado, que era o costume da época, mas a população achava o imperador um banana que estava se casando com a escolhida pela mamãe. Para mudarem a imagem dele inventaram a história do amor dele pela Sissi. Assim mostrariam que ele não era um pau mandado e tinha vontade própria e se casando com a irmã da escolhida manteriam os acordos e interesses políticos da época. Assim a Sissi entrou de gaita neste navio. Ela não teve escolha pois quando souberam que ela não queria o casamento inventaram a história que era porque não queria fazer sofrer a irmã. Sissi obedeceu casando-se com Francisco José, muito mais velho do que ela. No inicio até tentou cumprir suas obrigações no cargo de esposa e político e de certa forma era encantada por estar casada com o grande imperador e admirava o primo a pesar de não ser totalmente monarquista, o que era um problema para a família real. Mas ela era um espírito livre e afetuoso e não tinha retorno na fria corte Vienense.Tinha hábitos diferentes, gostava de coisas que a corte não entendia e condenava como tomar banho todos os dias. Nem aos filhos pode dedicar seu afeto pois não lhe deram nem o direito de conviver com eles. Seu marido se tornou um querido e dedicado imperador, trabalhava muito deixando Sissi solitária a pesar de ter metido o pais em guerras sem necessidade para manter seu império que ia reduzindo a ponto de ter influenciado o inicio da primeira grande guerra. Tudo isto fez com que Sissi se desiludisse com o marido.Sissi se tornou anoréxica e somatizava suas frustrações e não podia ser diferente, era um pássaro na gaiola de ouro. Seu filho mais velho era contra a política do pai e existe a teoria que por isto foi assassinado e não que suicidou com a amante por amor, o que deixou Sissi tão desapontada a ponto de não participar do enterro do filho pois devia achar aquilo um circo de horrores. Assim Sissi se fechava cada vez mais em seu mundo e escapava em suas solitárias viagens. Esta é mais uma versão do que pode ter sido ou não da vida de uma mulher que com certeza tem minha admiração.
Muito interessante seu ponto de vista Mirian. Me parece bem próximo da "verdade" que nunca saberemos por trás de tantas histórias.
Linda Jovem inteligente, contar historia não é fácil porque precisa dedicar-se na pesquisa, mas vivenciar fica mais completa. Parabéns. Eu gosto da historia de uma mulher que sempre procurou a liberdade e seu destino traçou outro, isso acontece sempre na vida do ser humanos de diversas formas. Mas ela sempre firme no seu destino.
Amo a história de Sissi, viajo nesses contos ... parabéns pelo post Luiza Antunes !!!
Tenho a trilogia e não canso de assistir ...
=D
Vou à Austria em outubro e conto os dias para ver toda essa beleza de perto
Ótima sua narrativa
Amei, gosto muito da estória do filme, mas é interessante conhecer um pouco da realidade
=D
Adoro aprender história viajando ♥
Tem referências da Sissi por todo lado em Viena e Budapeste!
=D
Excelente post, Luiza. Super completo e informativo, bom entender um pouco sobre a história da Rainha Elizabeth da Áustria.
Amei! Virei fã da imperatriz Sissi!
Luiza, com um pouco de atraso, adorei o post!! Muito interessante mesmo a vida da Sissi! Não conhecia em tantos detalhes e passei a admirá-la! Não devia ser fácil dar de ombros p/ opinião alheia, sendo mulher, sendo imperatriz no século XIX! Obrigada por compartilhar essa história!
Obrigada Bárbara!