No dia 12 de dezembro de 1917 era inaugurada em São Paulo a “Exposição de pintura moderna Anita Malfatti“, artista que na época tinha 26 anos. A Semana da Arte Moderna de 1922, tão famosa, foi grandemente influenciada por essa artista plástica brasileira, cuja segunda exposição mudou o rumo da história da arte no Brasil. Anita, além de sua visão artística, também era uma grande viajante. Foram essas viagens, inclusive, que muito lhe ensinaram sobre sua própria arte.
É o centenário dessa exposição que nos lembrou da obra de Anita e também me fez ler o suficiente sobre ela para saber que a artista merecia um texto entre as grandes viajantes, a primeira brasileira a respeito de quem escrevo sobre esse assunto.
Leia também todos os outros posts com histórias de Grandes Viajantes
A boba. 1915-16. Col. Museu de Arte Contemporânea da USP, SP.
Nascida em 1889, em São Paulo, Malfatti era filha de um pai italiano com uma mãe estadunidense. Nasceu com uma atrofia no braço e mão direita. Sua primeira viagem foi aos 3 anos, para Lucca, na Itália, onde os país a levaram para fazer um tratamento em relação ao defeito congênito. Não houve sucesso e pelo resto da vida Anita conviveu com o problema – usando sempre um lenço colorido para escondê-lo – e aprendeu a usar a mão esquerda para escrever e desenhar.
Segundo sua biografia no site da USP, ela descobriu que queria ser pintora quando criança: para aprender a não sentir medo, deitou-se numa vala por onde passaria um trem por cima. Com olhos fechados no momento do movimento, viu muitas cores. Também, buscou voluntariamente sentir fome, cegueira e sede, tudo para buscar a sensação física de superar o “eu”. Todas essas características do expressionismo – apesar de na época ela não fazer ideia do que significava esse termo.
Quando ainda estava na escola, seu pai morreu. A mãe, que também era pintora, passou a dar aulas particulares de artes e idiomas, que a filha acompanhava e onde começou a aprender mais sobre as técnicas. Seu sonho de estudar em Paris foi desfeito com a situação financeira da família, mas acabou conseguindo ir para a Alemanha em 1910, para acompanhar duas primas que iam estudar música em Berlim, financiada pelo tio e padrinho Jorge Krug.
Uma estudante. 1915-16. Col. Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, SP.
Em Berlim, frequentou aulas de Fritz Burger e estudou na Academia Real de Belas Artes em Berlim, ali, teve seu primeiro contato com a pintura Expressionista e viajando pelo país conheceu o trabalho de diversos pintores modernos, incluindo Van Gogh.
Em 1914, com as tensões políticas aumentando na Europa, Anita voltou para o Brasil. Tinha 24 anos e ainda planos de voltar a viajar, mas não tinha como sustentar esse sonho. Então, em maio daquele ano ela montou sua primeira exposição individual, para pleitear uma bolsa de estudos com o Pensionato Artístico do Estado de São Paulo. Porém, com o início da Primeira Guerra Mundial, a bolsa foi cancelada.
Mais uma vez, o tio de Malfatti aceitou financiar sua viagem. Dessa vez, o destino foi os Estados Unidos. Ela ficou lá por dois anos e estudou na Art Students League e na Independent School of Art, em Nova York, com a orientação de Homer Boss.
O Farol. 1915. Col. Chateaubriand Bandeira de Mello, RJ.
Em 1917, já de volta ao Brasil, ela resolveu promover sua segunda exposição individual em São Paulo. A mostra Exposição de pintura moderna Anita Malfatti inicialmente foi recebida com muita curiosidade: foi muito visitada e chegou a vender oito quadros. Porém, dias depois, no jornal O Estado de S. Paulo, Monteiro Lobato, o famoso autor de O Sítio do Picapau Amarelo, escreveu uma crítica terrível chamada “A propósito da exposição Malfatti”. Tal texto também ficou conhecido como “Paranoia ou mistificação?”. Isso fez com que as telas até então vendidas fossem devolvidas, algumas quase foram destruídas a bengaladas, inclusive aquela que seu tio e financiador comprou. Muitos pensaram que sua carreira estava acabada.
Mas o que nasceu, então, foi uma disputa entre arte acadêmica e arte moderna. “Não houve preocupação de glória, nem de fortuna, nem de oportunidades proveitosas. Quando viram minhas telas todas, acharam-nas feias, dantescas, e todos ficaram tristes, não eram os santinhos do colégio.” Esse foi um estopim do conflito daquele tempo, entre os novos artistas de vanguarda e o contexto da República Velha e das oligarquias.
Apesar da tristeza do resultado de sua exposição, Anita seguiu estudando e trabalhando. Conheceu Tarcila do Amaral em 1919, que tinha aula com os mesmos professores. As críticas também levam a união de jovens artistas defensores do modernismo, o que acaba possibilitando, alguns anos depois, a realização da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. Anita Malfatti participou da mostra com 22 trabalhos. Após o evento, as duas artistas plásticas, junto com Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia, formam o “grupo dos cinco”, um grupo de defensores do modernismo no Brasil.
Em 1923, Maltaffi consegue finalmente a bolsa do Pensionato Artístico do Estado de São Paulo e vai viver em Paris. Ficou lá durante cinco anos, na companhia de Tarcila, Oswald e também de outros artistas brasileiros importantes, como Brecheret, Di Cavalcanti, além de pintores europeus. Afinal, esses eram os anos 20 em Paris, considerados tempos loucos, uma época de ouro para jovens artistas que ali viviam, como vocês podem lembrar do filme Meia-Noite em Paris, do livro Paris é uma Festa de Hemingway.
La rentrée (interior). 1925-27. Col. Pedro Tassinari Filho, SP.
Nesse período, Malfatti mudou sua visão artística: deixou de lado um pouco o expressionismo e o uso de muitas cores. No seu retorno para o Brasil, em 1928, o movimento modernista já havia crescido, ganhado novos adeptos e correntes. Ela abriu sua quarta exposição individual no ano seguinte, mas as dificuldades econômicas dos anos 30 acabaram fazendo com que ela se voltasse para a antiga profissão da mãe: o ensino.
Ao mesmo tempo, mesmo sendo cobrada pelo amigos, ela deixou de seguir movimentos de vanguarda, abriu e instalou seu atelier em São Paulo e fez pequenas viagens. Especialmente documentadas nos seus quadros são a sua passagem por Belo Horizonte e as cidades históricas de Minas Gerais, mas de uma forma muito mais simples e distante das antigas polêmicas. Até mesmo a relação com Monteiro Lobato, seu primeiro grande crítico, melhorou: Malfatti ilustrou alguns de seus livros nos anos 40 e participou com ele de um programa de rádio.
Itanhaém. 1948-49. Col. Manuel Alceu Affonso Ferreira, SP.
“Tomei a liberdade de pintar a meu modo”, afirma. Ainda, disse que: ““É verdade que eu já não pinto o que pintava há trinta anos. Hoje faço pura e simplesmente arte popular brasileira. É preciso não confundir: arte popular com folclore. (…) eu pinto aspectos da vida brasileira, aspectos da vida do povo. Procuro retratar os seus costumes, os seus usos, o seu ambiente. Procuro transportá-los vivos para as minhas telas. Interpretar a alma popular (…) eu não pinto nem folclore, nem faço primitivismo. Faço arte popular brasileira”
Seguiu nessa fase mais calma de sua carreira até 1964, quando morreu.
Quem tiver interesse em ver boa parte da obra de Anita Malfatti pode conferir, até o dia 30 de abril, no Museu de Arte Moderna no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, a exposição Anita Malfatti: 100 anos de arte moderna. A entrada custa 6 reais, mas é gratuita aos sábados. Mais informações no site oficial.
*Todas as imagens que ilustram esse post são de propriedade da Família Malfatti
“Preparem-se para curtir o dia de hoje como um verdadeiro Rockstar”, disse o guia do…
Perdido nas águas turquesa do Caribe, o arquipélago de Guna Yala, ou San Blás —…
Nesse texto você descobre a história do Parque Vigeland em Oslo, na Noruega. Trata-se de…
Nas encostas da Sierra Nevada de Santa Marta, na Colômbia, um povo luta para preservar…
Você já ouviu falar na Santeria Cubana? Mas é muito provável que você esteja familiarizado…
“Eu estabeleci um ‘foot ball club’ onde a maioria dos jovens de Sheffield podem vir…
Ver Comentários
Muito bom!! Gosto muito de série sobre grandes viajantes.