A Guerra das Malvinas e a Argentina

Não importava o dia em que eu passasse pela Plaza de Mayo, em Buenos Aires, eles sempre estavam lá. Um acampamento de soldados veteranos da Guerra das Malvinas tomava conta da praça mais importante da Argentina, num protesto silencioso de frente para a Casa Rosada.

Desde o fim do conflito entre Argentina e Reino Unido, em 1982, mais de 400 soldados argentinos que lutaram nas Malvinas se suicidaram. Esse número é maior do que o de soldados do país que morreram em combates durante a guerra.

A Argentina não se esqueceu das Malvinas. Por todo o país, placas e monumentos lembram aquilo que o orgulho patriótico faz questão de gritar: as Malvinas são Argentinas. O país sul-americano continua a exigir a soberania das ilhas, consideradas parte do território argentino, embora a luta atualmente seja só diplomática.

O restante da América do Sul e boa parte dos países em desenvolvimento apoiam a Argentina, alegando que Londres mantêm uma postura colonialista em pleno século 21. O Reino Unido, claro, nega. E chama as ilhas de Falkland.

Por tudo isso, entender o conflito das Malvinas é fundamental para quem pretende mergulhar na cultura de nossos vizinhos. Mas o que foi mesmo essa guerra que sacudiu Buenos Aires e Londres, na década de 80?

A história da Guerra das Malvinas

As Malvinas estão no Oceano Atlântico, a pouco mais de 500 quilômetros da Argentina Continental. Embora existam evidências de que tribos patagônicas já tinham pisado nas ilhas, quando o navegador inglês John Strong desembarcou por lá, em 1690, as ilhas estavam desabitadas. E continuaram assim por um bom tempo, até que uma pequena comunidade de imigrantes europeus começou a se formar por lá. Eles viviam da pesca, principalmente de baleias. A posição estratégica das ilhas logo causou conflitos – na época colonial, Inglaterra, França e Espanha duelavam pelas Malvinas.

Ilhas Malvinas em imagem de satélite

Tão logo se tornou independente, a Argentina passou a exigir a posse do território. Afinal de contas, as ilhas estão muito mais próximas do país do que da Inglaterra, que fica do outro lado do mundo. Só que os súditos da Rainha não abrem mão da importância estratégica das ilhas.

Esse nó diplomático já durava mais de um século quando o conflito explodiu. Como a ditadura militar argentina (1976 – 1983) dava sinais de esgotamento e o povo exigia a volta da democracia, o ditador Leopoldo Galtieri resolveu se aproveitar da fraca presença militar britânica para tomar as ilhas para a Argentina. A operação foi um sucesso.

Com facilidade, os britânicos foram dominados e a bandeira argentina foi hasteada nas Malvinas. A imagem da antiga colônia que derrotava uma potência colonizadora rodou o mundo. E irritou Margaret Thatcher, então Primeira-Ministra do Reino Unido.

O problema é que o governo Thatcher também ia de mal a pior. Com um diferencial: era ano de eleições no Reino Unido, o que tornava uma resposta forte quase que obrigatória, afinal povo patriótico é um povo feliz, não importa se o resto do governo não funciona.

Em pouco mais de dois meses, os navios da Dama de Ferro se organizaram e chegaram ao Atlântico Sul, tomando de volta as ilhas, também com certa facilidade. Além de um exército maior e mais moderno, o Reino Unido contou com a ajuda dos Estados Unidos. O Brasil, na época também uma ditadura militar, permaneceu neutro.

A estratégia de guerra britânica é questionada até hoje. Os navios da Rainha afundaram o navio militar argentino General Belgrano, matando 323 marinhos. O detalhe é que o General Belgrano estava fora da área de exclusão, ou  seja, fora da área do conflito. Para muitos argentinos, essa ação é considerada crime de guerra. Também é polêmica a presença de aviões e navios britânicos com armas nucleares na região, fato que, quando revelado, décadas mais tarde, causou protestos por parte do governo da Argentina.

Ao retomar as ilhas, Margaret Thatcher garantiu a vitória na eleição. Já a ditadura militar argentina praticamente acabou, tamanho o desgaste da derrota – a democracia voltou no ano seguinte.

E eu com isso?

Você tem tudo a ver com isso. O conflito das Malvinas é um dos mais importantes  e antigos do nosso continente. E permanece atual, ainda mais depois que o Reino Unido descobriu petróleo na região (e começou a lucrar com isso).

No começo da década de 90, Londres permitiu que a população das Ilhas – que não passa de três mil pessoas – escolhesse a nacionalidade de sua preferência. Como era de se esperar, a maioria esmagadora declarou ser britânica.

Para a Argentina, esse é um caso clássico de população implantada. Tivesse a demanda argentina sido aceita no século 19, hoje os moradores não diriam isso. O governo argentino também sustenta que a população que vive nas Malvinas pode até ser britânica, mas o território não é.

O conflito segue com toda a força até no mundo pop, com jogadores de futebol argentinos exibindo cartazes que lembram que as Malvinas são deles. Enquanto isso, ingleses brincam, dizendo que trocariam as Malvinas por Messi. Embora outra ação militar seja pouco provável, o Reino Unido fica preocupado toda vez que nota um aumento no orçamento militar argentino.

A questão não é você ter um lado, embora se posicionar também não seja um problema – pra mim as Malvinas são da Argentina, mas nada justifica uma resolução que não seja diplomática. De qualquer forma, o mais importante é saber que o conflito existe. Nem que seja para entender o que são aqueles símbolos nos formatos das ilhas, espalhados por várias partes da Argentina. Nem que seja para entender como uma guerra afetou a vida de nossos vizinhos. Acima de tudo, nem que seja para jamais chamar as Malvinas de Falkland, pelo menos não na frente de um argentino.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

Ver Comentários

  • Ola, Rafael!
    Teus textos, como sempre, muito interessantes, sou fã e seguidora do 360 Meridianos!! :-)
    Mas hoje cheguei aqui procurando informações, pois estou pensando na possibilidade de combinar uma viagem para El Calafate e Malvinas em dezembro, não sei se algum de vocês ja esteve la e tem alguma sugestão. Até o momento, sei que partem (e retornam!) voos de Santiago, com parada em Rio Gallegos, em direção as Malvinas todo sabado, mas gostaria de saber se existe tambem a possibilidade de ir de barco, seria uma alternativa (de datas e valores) e toda informação e economia é bem vinda, sempre!!! Agradeço qualquer informação!! Abraços!

  • Las Malvinas son argentinas. E os argentinos também lembramos que o Brasil junto com Chile e todo mundo menos o Peru, ajudou os ingleses contra os hermanos argentinos. Triste. Só que vive uma guerra sabe o que é mesmo, o quanto isso fica na alma por muitas gerações. Por isso a idiossincrasia de países com história de milhares de anos e muitas guerras é tão distante da nossa, por exemplo, no cotidiano, em cada expressão cultural...

    • Oi, Isadora.

      Não se esqueça que na época o Brasil era também uma ditadura militar, amplamente apoiada pelos Estados Unidos, parceiro de primeira mão da Inglaterra.

      Mas, realmente, concordo com você: só quem vive a guerra sabe o que é. Eu nem tenho ideia, confesso.

      Abraço

  • Rafael, adoro seus textos, mas respeitosamente discordo de seu ponto de vista. Proximidade geográfica não deve ser o principal critério para se definir se as Malvinas são argentinas ou inglesas, sim identidade cultural. A ilha sempre foi administrada pelos ingleses e sua população não se enxerga como integrante da Argentina, sim da comunidade britânica. No referendo de 2013, nada menos que 99,8% de seus habitantes optaram por permanecer sob domínio inglês. Sob este ponto de vista, uma ocupação argentina seria uma agressão aos habitantes da ilha, uma forma de imposição de uma cultura com a qual não se identificam. São eles os maiores interessados no conflito, e suas opiniões devem ser preponderantes.
    A tese de que a população inglesa foi implantada ou não no local é irrelevante, pois já está estabelecida na ilha há muito tempo. Da mesma forma, caso a Argentina tivesse colonizado a ilha no século XIX, sua população também teria sido implantada, pois não seria nativa.
    Não desejo modificar sua opinião ou dizer que está errado. Apenas aproveito o espaço para expressar um ponto de vista distinto.
    Aproveito a oportunidade para parabenizá-lo pelo blog que acompanho regularmente e do qual gosto muito.
    Abraço

    • Oi, Danilo.

      Esse espaço é para isso mesmo: produzir um debate saudável. E quero te elogiar por ter sido tão educado na discordância - infelizmente isso passa longe de ser comum.

      Enfim, também não quero mudar seu ponto de vista, embora eu respeite seus argumentos.

      Abraço, obrigado pelos elogios ao blog e sinta-se convidado a sempre comentar. Inclusive quando você discordar da gente. ;)

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Rafael Sette Câmara

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