A história das tatuagens e seus significados

O Ötzi é a prova morta de que tatuagem não é coisa só para gente jovem e moderninha. Com não uma, nem duas, mas 61 tattoos espalhadas pelo corpo, ele se tornou famoso na década de 1990, quando foi encontrado nos Alpes, após um sono gelado de 5300 anos. Seria só mais uma múmia localizada no norte da Itália, não fossem as dezenas de marcas espalhadas (e ainda visíveis) pelo corpo do homem: Ötzi é o ser humano tatuado mais antigo que se tem notícia.

Até mesmo pela quantidade de tatuagens, provas de que esse era um costume já comum quando Ötzi viveu, os pesquisadores acreditam que o recorde logo será quebrado – mais dia, menos dia, aparecem tatuagens mais antigas por aí. Além dele, múmias tatuadas já foram encontradas em diversos lugares do planeta, dos Andes à Asia.

O que é curioso, já que as tatuagens chegaram ao século 20 com polêmica – aposto que seus avós não veem o costume com bons olhos -, mas se popularizaram com as gerações X e Y. Em 2006, a Academia Americana de Dermatologia estimava que 36% dos jovens dos Estados Unidos tinham pelo menos uma tatuagem, enquanto um número parecido foi encontrado por pesquisas feitas na Grã-Bretanha. No Brasil, a única pesquisa feita sobre o assunto é da Revista Superinteressante, que revelou que quase metade dos tatuados brasileiros tem até 25 anos.

Foto: Ivan River, Shutterstock

A história das tatuagens

Por falar nela, a terra da Rainha tem papel importante na história da tatuagem. Quem garante isso é Julio César, ele mesmo, o romano. Ele invadiu a ilha em 55 a.C., durante as chamadas Guerras da Gália. E escreveu: “todos os britânicos marcam a si mesmos com pastel (uma planta usada para fazer corante), o que produz uma coloração azul que torna terrível o momento em que eles surgem no campo de batalha”. Costume que gerou até o nome atual da ilha. Segundo etimologistas, Bretanha vem de “Pretannia”, uma palavra celta que significa “aqueles que são pintados” ou o “povo tatuado”. Sim, a tatuagem era o símbolo de um povo, o que amedrontava césares e faz da Rainha Elizabeth II a monarca da galera tatuada.

O costume perdeu força – e chegou até a ser mal visto – quando o cristianismo se tornou a religião do Império Romano. É que a Bíblia condena a prática no livro de Levítico, que orientou os hebreus a “não fazerem cortes em seus corpos e nem tatuagens”. Hoje, muitas religiões cristãs entendem que essa proibição se restringe aos judeus, para quem o Antigo Testamento teria sido escrito, mas mesmo assim tatuagens ainda não são um consenso em ambientes religiosos do cristianismo. Apesar disso, a tatuagem nunca sumiu da Europa, em especial entre marinheiros, comerciantes, peregrinos e expatriados – ou seja, viajantes em geral.

Veja também: Como fazer uma tatuagem: dicas e sugestões

25 ideias de tatuagem para quem ama viajar

A tatuagem voltou com força total a partir das Grandes Navegações, principalmente com marinheiros. Foi nessa época que a palavra tattoo apareceu pela primeira vez, escrita por Joseph Banks, um naturalista que participou das expedições do lendário navegador James Cook, para o Taiti e a Polinésia. “Os dois sexos pintam seus corpos, tattow, como eles falam no idioma deles. Isso é feito por incrustar a cor preta por debaixo da pele, de forma que seja permanente”, ele escreveu, acrescentando que era uma “operação dolorosa e feita uma vez na vida”.

Segundo uma reportagem do site History Today, no final do século 19 quase 90% dos marinheiros do Reino Unido tinham pelo menos uma tatuagem. Marcar o corpo era quase que trazer um suvenir de viagens por terras distantes. Foram esses marinheiros que, ao se aposentarem, abriram os primeiros estúdios de tatuagem no Reino Unido, no começo apenas em regiões portuárias.

Mas logo as tatuagens viraram modinha Londres. E envolvendo um grupo com fama de careta: a nobreza. Quem começou o movimento foi o Rei Edward VII, que voltou de Jerusalém com uma cruz tatuada no braço. Os filhos dele seguiram o exemplo e também resolveram fazer a primeira tatuagem enquanto estavam na estrada. Foi assim que o futuro rei George V, o avô da Elizabeth II, ganhou o desenho de um dragão no braço, durante uma viagem pelo Japão.

O Rei da Dinamarca, Frederico IX, gostou tanto que encomendou um desenho parecido, assim como o czar Nicolau II, último monarca da Rússia – o Japão do século 19 virou expert em fazer tatuagens de dragão em reis e imperadores. Da nobreza para gente comum foi um pulo, e logo as tatuagens começaram a se popularizar, deixando de estarem restritas a certos grupos.

Frederico IX da Dinamarca

Mas vamos falar do oriente, porque esse assunto também rende por lá. Há registros de tatuagens no Japão há pelo menos dois mil anos, mas o costume foi estigmatizado no país mais ou menos na mesma época em que era exportado para monarcas mundo afora. É que ter uma tattoo virou sinônimo de ser da yakuza, organização criminosa cujos membros têm muitas tatuagens pelo corpo. As tatuagens se tornaram ilegais no Japão no final do século 19, o que só mudou em 1948. Mesmo assim, o tema ainda é polêmico por lá e pessoas com tatuagens podem ser proibidas nos tradicionais banhos públicos, por exemplo.

Na Tailândia o problema é outro, e em geral é causado por turistas que aproveitam uma passagem pelo país para fazer tatuagens com imagens religiosas locais, como desenhos do Buda. “Turistas veem essas tatuagens como moda”, afirmou Niphit Intharasombat, ministro da cultura da Tailândia, ao anunciar uma varredura em estúdios de tatuagem do país que ofereciam essas imagens sagradas a estrangeiros. “Eles não pensam no respeito à religião ou não estão cientes de que esse tipo de tatuagem pode ser ofensivo”.

Foto: Alexey Volkov, Shutterstock.com

Os significados das tatuagens

Os significados por trás das tatuagens mudam conforme o local e a época. Entre os marinheiros dos séculos 18 e 19, desenhar uma tartaruga no corpo significava que a pessoa tinha cruzado o equador; uma âncora simbolizava que o marinheiro tinha navegado pelo Atlântico; enquanto andorinhas indicavam que o dono da tatuagem já tinha navegado mais de cinco mil milhas náuticas.

E tinha gente que era mais, digamos, prática na hora de escolher o desenho: “Alguns marinheiros tatuavam a imagem de Jesus nas costas, esperando que isso fizesse com que oficiais pegassem mais leve na hora das chibatadas, explica Aitken-Smith, autor do livro The Tattoo Dictionary.

Até entre presidiários, outro grupo em que as tatuagens são muito comuns, cada desenho simboliza algo – muitas vezes os crimes pelos quais a pessoa foi presa. Há um estudo brasileiro que indica que presidiários que se envolveram na morte de policiais tatuam imagens do Coringa, personagem do Batman. A tatuagem foi introduzida no mundo do crime como punição ou para marcar e identificar prisioneiros, mas acabou se tornando fonte de orgulho.

“Nenhum índio (mesmo eu tendo perguntado para centenas) me deu uma razão sequer para as tatuagens”, escreveu Joseph Banks, ao falar do costume dos povos do Taiti. E completou: “provavelmente é uma superstição ou algo do tipo. Nada mais poderia explicar um costume tão absurdo”. Primeiro homem europeu a analisar as tatuagens da polinésia e um dos responsáveis pela popularização do costume no Velho Continente, Joseph Banks simplesmente não entendia a tal da tattow. Mas isso não impediu que muitos de seus homens voltassem tatuados daquela viagem. Tá aí uma coisa que não mudou: no fundo, o que importa é o que a tatuagem representa para a pessoa, mesmo que não faça o menor sentido para os outros.

*Imagem destacada: shutterstock.com

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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