Assim como ocorre em outras áreas da cultura e também na ciência, a literatura de viagens parece ser um universo dominado por homens. Talvez isso nunca tenha passado pela sua cabeça, tão acostumados que estamos a ver apenas nomes masculinos nas livrarias, entre os diretores indicados ao Oscar, entre as listas do Nobel e nos Top 10 da vida. Mas basta uma análise mais cuidadosa para constatar que a arte é território masculino.
Pegue essa lista do Viajeaqui, por exemplo. Entre os 10 livros de viagem citados, nenhum foi escrito por uma mulher. Essa outra, do site Nômades Digitais, conseguiu incluir uma escritora. Quem se saiu melhor foi o Catraca Livre: de 10 indicações, duas (e meia) são femininas. Ainda assim, resultados longe de serem representativos.
Mas será que essa falta de representação indica que as mulheres não escrevem tanto ou que a qualidade do que produzem não alcança o topo das paradas de sucesso? Claro que não. Elas estão lá, fazendo muito bem o que se propõem a fazer, viajando, vivendo aventuras, produzindo, sendo criativas. E, como prova, segue uma lista de livros e relatos de viagem escritos apenas por mulheres para aguçar sua vontade (e a coragem) de sair pelo mundo. Boa leitura! 😉
*Se os títulos aparecerem em inglês ou espanhol é porque eu não encontrei versão em português desse livro. Se você conhecer a versão em português de algum deles, por favor, me informe nos comentários.
Mesmo não tendo vivido muito, Isabelle Eberhardt teve tempo suficiente para desafiar todos os padrões de comportamento para mocinhas do século 19. Filha ilegítima de um aristocrata russo, nascida e criada na Suíça, ela era cross-dresser, tinha uma vida sexual ativíssima e um apreço pouco saudável por drogas.
Leia também: A história de Isabelle Eberhardt na nossa série Grandes Viajantes
Para completar, ela ainda foi se aventurar lá pelas bandas do deserto do Saara, adotando a identidade de um homem árabe e muçulmano. Ela morreu aos 27 em uma enchente em Ain Sefra, cidade onde vivia na Argélia, mas antes deixou diversos relatos riquíssimos de suas andanças, nos quais ela também expressava suas fortes ideias contra a colonização europeia na África. É ou não é incrível essa garota?
Aos 16 anos, a australiana Jéssica foi a pessoa mais jovem a dar a volta ao mundo em um veleiro sozinha, sem ajuda e sem paradas. Ela passou 210 dias no mar e percorreu 24.285 milhas náuticas antes de voltar ao porto de Sidney. Vinda de uma família de velejadores, já sabia navegar aos oito e chegou a morar em um barco durante parte de sua vida. No livro, ela conta de sua infância, suas aspirações, das experiências no meio do mar e do que aconteceu depois de seu grande feito.
Quando ganhou sua primeira bicicleta, aos 10 anos, a irlandesa Dervla imediatamente começou a planejar uma viagem para a Índia. Foi preciso 21 anos para que o plano ganhasse vida e, em 1963, armada de um revólver que a ajudou a defender-se de lobos e homens, ela percorreu sozinha a Pérsia, o Afeganistão e atravessou os Himalaias até o Paquistão e a Índia, sempre sem medo e lidando muito bem com as adversidades do caminho. Os relatos dessa viagem foram compilados em seu livro mais conhecido, Full Tilt, mas muitas outras estradas e relatos vieram depois desse.
Rebecca Solnit já escreveu sobre a necessidade inerente do ser humano de caminhar e se deslocar, uma experiência política e cultural. Também já usou a fotografia para refletir sobre as transformações espaciais nos Estados Unidos durante o século 19. Ela já escreveu até um ensaio sobre como os homens adoravam explicar as coisas para ela e outros textos importantes na história do feminismo. Em A Field Guide to Getting Lost, no entanto, Solnit usa o deslocamento para fazer uma investigação sobre a perda, sobre perder-se e sobre o mergulho no desconhecido.
Beryl Markham teve uma vida memorável. Rompeu com padrões sociais de sua época, viveu amores intensos e aventuras pouco usuais. Britânica criada no Quênia, aprendeu a pilotar um avião e, em 1936, foi atrás de seu sonho: cruzar sozinha o Atlântico de leste a oeste, no sentido contrário do que fez Amelia Earhart anos antes. Os relatos dessa viagem foram compilados nesse livro. Ah, vale a pena dizer também que Hemingway disse que ficou envergonhado de se dizer escritor depois que leu Markham.
Aniko é uma blogueira argentina que começou a viajar o mundo depois da morte inesperada de uma amiga. Às vezes sozinha, às vezes acompanhada, ela já explorou diversos países da América do Sul e da Europa, acreditando que as viagens eram a solução dos seus problemas.
Na França, escutou de um motorista de ônibus sobre uma tal Síndrome de Paris, um transtorno psicológico transitório que afeta os japoneses em sua primeira visita à cidade. De tanto imaginarem e idealizarem a capital francesa, sofrem um choque de realidade e de normalidade ao chegarem ali. A distância entre suas expectativas e o que encontram é tão grande que muitos começam a sentir ataques de ansiedade e desilusão. E é a partir disso que Aniko começa suas reflexões sobre viagens como estilo de vida.
Em 1993, após terminar a faculdade, Suzanne Roberts aceitou a proposta de uma amiga para que fossem percorrer juntas a John Muir Trail, na California. A ideia parecia perfeita para quem queria fugir dos problemas familiares e de um futuro ainda incerto (quem já se formou sabe como essa época é terrível).
A aventura, que mudou sua vida, é relatada em Almost Somewhere, que mistura suas memórias, descrições da natureza e relatos de viagem. No caminho, elas enfrentaram ursos, equipamentos quebrados, lesões e homens bizarros, mas também encontraram seu caminho como mulheres e aprenderam um pouco sobre a vida.
Foto: Divulgação
A coletânea reúne 12 textos autorais de escritoras e viajantes brasileiras que passaram por diferentes lugares do mundo, como Buenos Aires, Paris, Roma, Berlim, Nova York, Londres, Tóquio e Cisjordânia. Organizado em forma de cartas, os relatos possuem a mesma sensibilidade que colocamos quando escrevemos para um amigo querido.
Aos 24, Aline Campbell deixou o Rio de Janeiro rumo à Europa sem levar consigo um centavo sequer – e apenas com uma mochila bem pequena. Pegando caronas, dormindo na casa de estranhos, Aline pretendia mostrar que o importa nesta vida, nas viagens ou fora delas, não é aquilo que a gente tem, mas sim os encontros, as pessoas e as histórias que vivenciamos no caminho.
Viajante incurável, Isabella Bird construiu sua fama por ser uma mulher viajante no século 19. Em seu livro Six Months in the Sandwich Islands, ela conta sobre o tempo que passou no Havaí. Composto por 31 cartas escritas para sua irmã, o relato é considerado um dos mais fascinantes e ricos sobre o arquipélago. Ali, ela descreve a vida no Havaí durante o século 19, acompanha a história local acontecer, fala com membros da nobreza, missionários, vaqueiros e gente comum que habitava as ilhas.
Percorrendo sozinha uma das áreas mais remotas de Papua-Nova Guiné, a pé ou em canoa, Kira Salak confrontou perigos e maravilhas ainda intocadas pelo mundo ocidental no século 19 e se tornou a primeira mulher a cruzar esse país. Ela se hospedou em vilas onde o canibalismo ainda era praticado, visitou curandeiros e fez amizade com o líder da guerrilha Papua Livre, que lutava contra a ocupação indonésia no arquipélago. Não é a toa que o New York Times a chamou de Lara Croft da vida real.
Aos 22 anos, Cheryl via sua vida desabar. A morte inesperada de sua mãe a jogou em uma espiral descendente que acabou afastando-a do resto de sua família, arruinando seu casamento, levando-a a uma vida de drogas e relações vazias e auto-destrutivas.
Quatro anos mais tarde, ela resolveu que iria fazer, sozinha e sem muito preparo, a Pacifc Crest Trail, um trilha de 1.770 quilômetros na costa oeste dos Estados Unidos. No caminho ela passou por muitas dificuldades, conheceu pessoas incríveis, viu paisagens deslumbrantes, mas principalmente se fortaleceu e teve tempo para digerir seus pensamentos, entender o que sentia e recomeçar.
Em dois anos, Barbara percorreu 23.000 milhas e 25 países montada em uma bicicleta ao lado de seu companheiro Larry. No caminho, puderam comprovar a amabilidade das pessoas em todas as partes do mundo, enfrentaram desastres naturais, animais selvagens, doenças e várias alegrias da estrada.
Já imaginou cruzar um deserto montada em um camelo? Robyn Davidson se jogou nessa aventura acompanhada de quatro desses animais e sua cadelinha de estimação, ao longo de 3 mil quilômetros do deserto australiano. Ela teve que aprender a se proteger do sol, da sede, das cobras e dos homens que encontrou na estrada, perseguir e cuidar de seus camelos, entender melhor a cultura aborígene do país e se livrar de antigos vícios e traços de personalidade. O livro foi adaptado para o cinema com a atriz Mia Wasikowska no papel da protagonista.
“Preparem-se para curtir o dia de hoje como um verdadeiro Rockstar”, disse o guia do…
Perdido nas águas turquesa do Caribe, o arquipélago de Guna Yala, ou San Blás —…
Nesse texto você descobre a história do Parque Vigeland em Oslo, na Noruega. Trata-se de…
Nas encostas da Sierra Nevada de Santa Marta, na Colômbia, um povo luta para preservar…
Você já ouviu falar na Santeria Cubana? Mas é muito provável que você esteja familiarizado…
“Eu estabeleci um ‘foot ball club’ onde a maioria dos jovens de Sheffield podem vir…
Ver Comentários
Tem um da brasileira, Gaia Passareli, livro é : Mas você vai sozinha? Onde ela conta suas aventuras e vivências viajando sozinha. Livro leve e gostoso.
#ficaadica
Temos um texto só sobre esse livro Elaine! Tá aqui: https://www.360meridianos.com/2017/02/mas-voce-vai-sozinha-livro-de-gaia-passarelli.html
Olá Elaine,
Obrigada pela dica! Já conheço a Gaia e o livro dela! :)
Foi depois que eu escrevi o post, mas é muitíssimo recomendado
Abraços!
Olá!!!
Amei a postagem.
Sou uma "jovem senhora" que só começou a viajar aos 52 anos/2014 - fui sozinha a Italia.
Senti falta do livro: "Mas você vai sozinha?" , da Gaia Passarelli.
Tô há um tempinho precisando incluir o livro da Gaia nesse post mesmo. :)
Obrigada pelo comentário!
Alexandra David-Néel tb foi uma mulher extraordinária que viajou durante anos pelo Oriente, em especial o Tibet, na virada do século XIX para o XX, e escreveu sobre suas viagens.
Dica anotada, Simone!
Olá! Conheci o blog pelo podcast do Conexão Feminista e, ao acessar a página pela primeira vez, já dei de cara com essa lista. Adorei!!
Aproveito para deixar uma indicação também. "Amazônia, a Viagem Quase Impossível", da Louise Sutherland. É sobre a viagem que essa neozelandesa fez de bicicleta pela Transamazônica em 1978, aos 52 anos. O livro é meio difícil de achar porque está esgotado na editora, mas encontrei num sebo.
Olá Michele, fico feliz que tenha gostado da lista! Obrigada por dar sua contribuição também! Dica anotada! :)
Abraços!
Um dos livros mais legais que li na vida é de uma viajante inglesa que conheceu a Patagônia chilena há mais de um século. Ela se chama Florence Dixie e o livro é 'A través de la Patagónia'. Conheço esse em espanhol da editora da Univerdad de Magallanes, mas deve ter em inglês tbm. Recomendo muito!
Ei Letânia, obrigada pela dica. Não conhecia esse, vou procurar!
Abraços!
Salvando pra começar a procurar um por um!
:D Depois conta o que achou, Lari!
Bjos!
Dias atrás li que um desabafo da Liz Gilbert, autora do Comer, Rezar, Amar, sobre a desnecessária rivalidade entre as leitoras dela e da Cheryl Strayed. Acho que diz muito sobre a falta de conhecimento de historias de outras mulheres que inspiram mulheres comuns. Obrigada por compartilhar tantas sugestões. Abraços!
Ei Márcia, obrigada por comentar. Não sabia que havia essa rivalidade. Acho que tem a ver com isso que você apontou, e também com a desnecessária rivalidade feminina que insistem em criar sempre. :/
Abraços
Que lista ÓTIMA!!!!!
Obrigada, Camila! :)
Como não amar uma lista como essa!? Uaaau!!! Quero muito ler todos! Obrigada por compartilhar coisas tão interessantes!
Ei Shirley! Fico feliz que tenha gostado, depois conta o que achou dos livros!
Beijos!
Adorei essa lista e fiquei com vontade de ler todos!
Só tem livrão, Eveline! hahah
Abraços! :)